Organizações que lutam pelos direitos e pela saúde das mulheres divulgaram um relatório nesta segunda-feira (13), que alerta para o retrocesso da pauta em diversos países do mundo, incluindo o Brasil. O documento aponta que no país, a situação das mulheres piorou drasticamente durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, em virtude dos diversos ataques da extrema-direita e segue de maneira delicada, mesmo com o fim do seu governo.
Colocar o direito e a proteção das mulheres como prioridade na pauta nacional foram os principais pontos debatidos nos últimos dias 9 e 10, durante o I Seminário voltado para mulheres, da Rede de Proteção de Jornalistas e Comunicadores, ocorrido em São Paulo. O encontro reuniu cerca de 50 mulheres de todas as regiões do país, atuantes na comunicação, para debater questões como articulação, investimento público, segurança e proteção física, virtual e política em um dos países que mais agride jornalistas e comunicadores no mundo inteiro.
“Durante os quatro anos do governo Bolsonaro a gente viu um aumento muito grande e uma sofisticação dos ataques que chegam online e desestabilizam as mulheres fisicamente, psicologicamente até que elas parem de se comunicar. Então, nesse momento de reconstrução do Brasil e da democracia, a gente entende que é o momento de pensar em como colocar as mulheres em primeiro plano, sendo o carro chefe dessas mudanças e sempre pensando em como levar as vozes de diferentes mulheres do Brasil para os espaços institucionais e os espaços da política", explica Maria Tranjan, coordenadora da equipe de Proteção e Participação Democrática da Article 19, instituição que coordena a Rede de Proteção, em parceria com o Instituto Vladimir Herzog.
Das 50 mulheres que participaram do Seminário, pelo menos 10 já foram ameaçadas de morte e muitas estão ou estiveram assistidas pelo Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas (PROVITA), que tem como finalidade proteger pessoas que tenham informações privilegiadas ou que tenham presenciado crimes como: a invasão de garimpeiros em terras indígenas, a violência do tráfico de drogas nos territórios urbanos, a corrupção envolvendo diversas instituições públicas, os danos ambientais e irreversíveis à Amazônia, os ataques aos trabalhadores sem terra ou a intolerância religiosa contra os povos de matriz africana.
Entre os fortes depoimentos compartilhados durante o Seminário, a resistência para continuar trabalhando em meio à tantos ataques ganhou fôlego extra com as falas da ativista, feminista, comunicadora e professora Amelinha Teles, presa e torturada na frente dos filhos durante a ditadura militar, pelo coronel Brilhante Ustra, torturador brasileiro homenageado pelo então deputado federal, Jair Bolsonaro, durante seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff, primeira mulher presidenta do Brasil, também torturada por ele em Minas Gerais.
“Vocês são jornalistas e comunicadoras populares, mas muitas não sabem disso. Ele é declarado torturador pelo estado brasileiro, não é a Amelinha quem diz isso. Agora, você imagina como eu fiquei vendo ele ser homenageado por um parlamentar,” lamentou Amelinha.
Aos 77 anos, Amelinha deu uma aula de força e resistência para as mulheres, ensinando que não há política sem feminismo. “A gente precisa respeitar e considerar as reivindicações das mulheres para se alcançar a democracia, ou vamos sempre perder. Não haverá transformação social sem feminismo e isso eu aprendi na minha pele. A nossa proposta de renovação tem que ter essa perspectiva. Na minha época, eu era a única mulher trabalhando no jornal clandestino. Nós temos que lutar por uma igualdade de condições e oportunidades”, relatou.
Em busca desse espaço, durante o Seminário, as mulheres produziram um documento que servirá como instrumento de sensibilização e visibilização do papel da mulher comunicadora no Brasil. “A ideia é organizar as narrativas trazidas pelo encontro em uma carta coletiva que será a porta de entrada, a introdução das demandas que entregaremos ao poder público, seja no legislativo, no judiciário ou nas demandas por políticas públicas de proteção, que as mulheres não conseguem obter ou não tem atendimento adequado”, explica Tranjan.
Violência de gênero e jornalismo
Relatos de jornalistas e comunicadoras presentes no Seminário de Proteção evidenciam a pouca segurança, a descredibilização do trabalho e exposição de informações pessoais, menores salários e constantes casos de assédio sexual, moral e abuso de poder nas redações.
“Eu perdi um emprego porque não fiz o teste do sofá no início da minha carreira para compor uma redação. Eu tinha um filho pequeno e muita vontade de trabalhar no que acredito. Isso me fez seguir firme em outros espaços, mesmo tendo colegas mulheres me incentivando a fazer o tal teste”, contou uma jornalista que, por questões de segurança, o BDF optou por não identificar.
Todo ano, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) monitora os ataques e violências sofridos por jornalistas em todo o país. O monitoramento de 2022 identificou 122 ataques que vitimaram mulheres jornalistas entre janeiro e novembro de 2022, um aumento de 27,1% em relação ao mesmo período de 2021. O número também representa 42,2% das 289 agressões registradas contra pessoas comunicadoras. Setembro já havia estabelecido um recorde para ataques a mulheres jornalistas.
Considerando todos os casos do ano, estima-se que 7% contenham expressões explícitas de violência de gênero, com a instrumentalização da identidade de gênero, sexualidade e/ou aparência para oprimir. Além disso, do total de 2022, 1,4% dos alertas são casos de violência sexual, incluindo assédio, importunação e ameaças de estupro. Esses episódios atingem mulheres cisgêneras heterosexuais, como também pessoas comunicadoras que se identificam com a comunidade LGBTQIA+.
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Edição: Francisco Barbosa