Em janeiro, o governador Elmano de Freitas se reuniu com o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, em Brasília, para discutir o combate à fome e como os programas sociais cearenses podem contribuir no âmbito nacional. De acordo com informações divulgadas pelo governo do estado do Ceará a experiência das cozinhas solidárias e populares no estado, no sentido de promover segurança alimentar, também foi apresentada durante a reunião e o governador prometeu algumas ações para o fortalecimento dessas iniciativas. O Brasil de Fato conversou com Bruna Raquel, coordenadora da cozinha popular do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos sobre essas ações do governo e sobre os trabalhos que já vêm sendo desenvolvidos pelas cozinhas. Confira.
Qual o significado da instalação e financiamento de cozinhas e solidárias e comunitárias no Ceará anunciadas pelo governador Elmano?
Nós acreditamos, enquanto movimento popular, que isso também é um romper de um processo de negar política por direitos básicos. O Elmano, o Lula, as políticas públicas estão dizendo que “esse cenário de fome no nosso governo não pode existir”. A gente não aceita que mais da metade da população esteja em um nível gravíssimo de insegurança alimentar e de desnutrição. A cozinha é uma porta, mas que não se limita só a cozinha, não é só sobre cozinha, é sobre produção urbana, é sobre redes de solidariedade nos territórios, é sobre fomento e economia local.
Significa isso, um passo além na sociedade em dizer: “Nosso governo tem a opção de ter os pequenos e os menores envolvidos no centro do debate econômico”. A gente volta para o centro do debate econômico nesse primeiro momento com o debate da fome.
E qual é a importância dessas cozinhas?
As cozinhas, durante toda a pandemia, foram espaços de solidariedade ativa nas comunidades onde mulheres, crianças e idosos iam para se reunir e também para esperar uma resposta naquele momento, que deveria ser do Estado e não foi. Os movimentos populares cumpriam esse papel de resposta à fome.
Então qual a importância das cozinhas? É nesse cenário. Nós cumprimos um papel importante na pandemia, a gente ainda vem cumprindo, vem fazendo esse primeiro momento, essa liga do Estado com a sociedade, mas sem o Estado a gente já estava fazendo. Então eu noto que é o Estado reconhecer também que aquele papel foi importante naquele momento e que é um elo de diálogo com a sociedade.
A gente sabe rapidamente quem está precisando, quem almoçou ou quem não almoçou, a própria comunidade se movimenta. E a importância é essa, a gente sabe do dia a dia uns dos outros e sabe quem mais precisa, então faz com que essa refeição, com que essa política pública, com esse investimento chegue realmente a quem está precisando.
Essas cozinhas populares e solidárias se fortaleceram muito no período mais crítico da pandemia, mas ela já existiam antes ou elas surgiram realmente na pandemia?
As associações, igrejas sempre tiveram espaços de cozinhas em outro momento, inclusive no governo Lula, aqui em Fortaleza, na prefeitura da Luizianne, políticas públicas que envolviam cozinhas foram feitas, foram incentivadas, que são chamadas cozinhas comunitárias, que eram das associações, que tinham pessoas associadas que se reuniam, iam fazer curso de formação.
O modelo de cozinha que os movimentos populares pautam são essas que iniciou junto com a pandemia. Elas iniciam com esse caráter de enfrentamento à fome e entendendo que naquele momento se necessitava dessa estrutura de cozinha, que ia ser esse espaço seguro, de troca de formação.
Quando se fala de cozinha a gente lembra mais rapidamente de comida, mas dentro de uma casa a cozinha também é um espaço de conversas, de debate. As cozinhas populares e solidárias também são locais políticos?
Nossas cozinhas são também esses espaços afetivos, culturais, que a gente dialoga sobre o cotidiano, dialoga sobre nossas vidas, mas para além disso, dialoga muito sobre o que está colocado ali na pauta política da sociedade. Nesses dias a gente dialogou muito sobre democracia, sobre soberania popular, sobre os ataques que estão fazendo aos nossos direitos. Nossa cozinha também é um espaço que a gente chora, que a gente brinca, que a gente conspira, dialoga sobre política.
O Movimento Brasil popular e o MTD se reuniram recentemente com a primeira-dama do Ceará, Lia Freitas, para falar sobre essas ações voltadas para as cozinhas populares e solidárias. Como foi essa reunião?
A gente foi convidado por Lia para essa reunião para conversar um pouco. A conversa foi muito boa. Ela nos apresentou o GT de combate à fome. É um GT ainda muito técnico, que tinha ali pessoas que trabalham já nas políticas públicas de segurança alimentar, que pensaram o Mais Nutrição, que é um programa do governo do estado. E aí apresentaram GT, já começaram também se explicando porque a sociedade civil ainda não estava, mas já estava sendo convidada a participar. Foi uma conversa muito boa.
Lia Freitas, nossa primeira-dama, se mostrou com uma capacidade gigante de escuta. A gente também percebeu ali, naquela conversa, que se essa pauta estiver nas mãos dela ela vai ser muito cuidadosa, tem um ouvido muito sensível, muito atenciosa, se mostrou muito disponível a querer compreender melhor como era a nossa dinâmica e a mostrar que a política pública vai acontecer e que nós vamos estar dentro.
Também saiu um encaminhamento para que a gente participasse de uma reunião, essa reunião já ocorreu na SDA. Da conversa com a Lia, foi anunciado que vai ter um edital. Estão em construção de um decreto de regulamentação, que é difícil, mas que esse processo está saindo, que vai ser junto com essa casa que é a Secretaria de Desenvolvimento Agrário, essa casa que é a casa de quem já nos alimentam, que são os pequenos agricultores, que é a agricultura familiar. Então se anunciou que vai ser de lá que vai ter um programa de responsabilidade nutricional, de capacitação, um programa de combate à fome nas diversas esferas.
A gente ficou muito feliz, porque desde o início os pequenos agricultores, a agricultura familiar foram muito solidárias com a cozinha, o movimento Sem Terra, o MST sempre foi o nosso diálogo direto quando a gente mais precisou. A gente sempre procurou os campesinos, mulheres e homens que trabalham no campo que mandavam cheiro verde, foram sempre eles que mandavam alface, que mandavam o peixe, a carne de porco. Sempre foram eles. Então para a gente foi uma felicidade saber que essa política pública ia ter essa relação com quem sempre esteve no nosso lado.
A reunião serviu para fortalecer ainda mais esses elos?
Sim. A gente fortaleceu o grupo com o GT, foi anunciado também que ia se inserir a relação da sociedade civil, então a gente também está no aguardo para ser convidado para as próximas reuniões. Nós mostramos interesse em participar, porque já somos nós que já captamos a ação, já executamos esse programa e nós já sabemos como desenvolver ele nos diversos territórios que as cozinhas estão, então nós nos colocamos à disposição de fortalecer essa relação com o governo do estado do Ceará, de fortalecer essa relação com esse grande pacto no estado de combate à fome.
E quais as expectativas para essas ações anunciadas pelo governo do estado?
Da nossa parte são muitas. Primeiro porque mostra espaço de capacitar sujeitos que sempre foram voluntários na cozinha, de formar, da cozinha cumprir esse papel, inclusive, quando você pergunta da cozinha ser esse espaço de diálogo, a cozinha também sempre foi esse espaço de formação, não nos tiramos do debate da disputa institucional, lançamos Comitês Populares quando foi necessário, debatemos a linha do debate da política eleitoral. Então a gente também quer fortalecer essa cozinha com formação, com capacitação, por inclusão no mercado de trabalho. Essa política pública demonstra que vai ser uma liga entre diversas secretarias.
Já tem alguma previsão para o início dessas ações do governo do estado?
Pelo que percebemos, está aí nesse processo de iniciar uma movimentação com um decreto de regulamentação. Pelo que percebi também, tanto o grupo de trabalho como a primeira-dama tem pressa e o Elmano já anunciou que vai ser nos 100 primeiros dias.
E qual é a realidade das cozinhas populares e solidárias no estado do Ceará?
Hoje a gente conta com muita dificuldade para conduzir essas cozinhas. A gente depende também da solidariedade da sociedade que apoia, envia as vaquinhas, apoia visitando, doando. Colaboram, principalmente, compartilhando a ideia, essa ideia de solidariedade. Nosso povo sempre foi um povo muito solidário.
Essas cozinhas têm esse valor de solidariedade que para nós é o nosso enraizamento, mas isso também gera uma dificuldade porque por muitas vezes, no sábado a gente não sabe o que é que vai botar na panela no domingo as 8 horas da manhã para meio-dia está servindo os almoços. Então tem essa dificuldade, a falta de estruturação, de uma panelada adequada, de ter o que colocar nessa panela.
E como as pessoas podem contribuir com essas cozinhas?
Acredito que a maior contribuição é você visitar essas cozinhas. Tem cozinha na Bela Vista, no Pici, na Serrinha, no Cidade Jardim, no Jangurussu, no Grande Bom Jardim, então visitando essas cozinhas, compartilhando dessas ideias e, principalmente, doando. Tem uns pix nessas redes de cozinhas, tem campanhas, mas se tiver uma cozinha perto de você já fica o convite para você conhecer as coisinhas do movimento popular.
Para receber nossas matérias diretamente no seu celular clique aqui.
Edição: Camila Garcia