A falta de perspectiva fez Maria de 25 anos dar a filha recém nascida para a mãe criar no final do ano passado. Maria é o nome fictício de uma jovem que gostaria de ser escritora, mas há oito anos, os problemas mentais e a dependência química a fizeram traçar um outro caminho: As ruas da cidade.
Maria e o companheiro José são moradores de uma rua localizada no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza. Mas em dias de chuva, eles conseguem abrigo em uma loja abandonada da cidade. “A gente não tinha como ficar com nossa filha nessa situação e com chuva, ela ia logo adoecer. Queremos que ela fique bem”, disse a mãe da menina que só a viu no dia do parto. “Eu queria ficar, mas minha mãe levou logo. Não tinha muito o que fazer também”, completa com o olhar fixo no chão.
Como uma família, Maria, José, Mara, Fernando, Anderson e Francisco formam um bloco para enfrentar as dificuldades diárias de quem vive na rua. “Andar em grupo, dormir em grupo é um fator de proteção”, avalia a pesquisadora Lídia Pimentel, que trabalha há 25 anos com a população de rua de Fortaleza. “Toda quadra chuvosa é assim. As pessoas não tem pra onde ir, não tem onde guardar as coisas. A falta de moradia é uma violação de um direito humano e a política pública não está dando conta de tanta gente. Tivemos um aumento do empobrecimento em virtude da pandemia, muitos refugiados, muita gente vinda do interior que estão desempregadas e invisíveis”, alerta a especialista.
Cristina tem 41 anos e escolheu a rua como morada há 18 anos. “Já perdi as contas de quantas vezes perdi o pouco que tinha. Dia desses, a chuva molhou os documentos que acabei de tirar. Tem dia que é pra rir, outros que é pra chorar, diz Cristina. E a quadra chuvosa mal começou. Segundo prognóstico da Funceme - Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, o Ceará tem maior probabilidade de chuvas acima da média entre os meses de fevereiro e abril. Conforme estudo da Funceme, as probabilidades são de 50% para precipitações acima da normalidade.
O BDF procurou a Prefeitura de Fortaleza para saber se a gestão municipal promoverá iniciativas voltadas para a população de rua durante a quadra chuvosa, mas não obteve resposta. Em nota, a Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) informou que oferece assistência com fornecimento de alimentação diária, locais de acolhimento, pousadas sociais, aluguel social, Espaços de Higiene Cidadã, Centros de Convivência, Casa de Passagem, Refeitório Social e os Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), onde é feito acompanhamento para acesso à documentação oficial, Cadastro Único para Programas Sociais, atendimento psicológico e jurídico, entre outros serviços. Ainda de acordo com a nota, a Prefeitura garante diariamente a entrega 1.210 quentinhas e cerca de 3.200 porções de sopa.
Segundo os dados do II Censo Municipal da População de Rua divulgado em 2021, são 2.653 pessoas vivendo em situação de rua em Fortaleza. A maioria do sexo masculino (81,5%), pretos ou pardos (71,5%) e com idade entre 31 a 49 anos (49,1%). A pesquisa revelou ainda que 58,7% estão em situação de rua em função de conflitos familiares e 29,7% por causa da dependência química. Os resultados obtidos mostram que houve um crescimento de 53,1% em comparação com a pesquisa anterior, realizada em 2014. Há um alto nível de analfabetismo (18,8%), superior à média do Nordeste, que é de 15,14%.
Outro dado que chama a atenção é que a maioria (62,7%) nunca teve acesso a uma formação profissional e 44,7% nunca trabalharam com registro em carteira de trabalho. O desemprego de longa duração é superior à média nacional (41,2%) para a população em geral. "Para você conseguir trabalhar, você precisa de uma moradia, um comprovante de endereço para entregar na empresa. Sem um canto para morar, se alimentar, se higienizar, eles ficam ainda mais vulneráveis e isso dificulta sua inserção”, destaca Lídia.
Saúde mental
A falta de acesso a direitos básicos, a vergonha e a humilhação que passam diariamente nas ruas contribuem para o grave avanço das doenças mentais na população de rua. Para o psicólogo do Núcleo de Psicologia Comunitária (Nucom da Universidade Federal do Ceará), Carlos Eduardo Esmeraldo Filho, são pessoas que vivem em situações limites, com muitos medos e incertezas. “Na questão da saúde mental, os problemas são muito maiores que os diagnósticos. O risco de violência constante já é um elemento de medo e sofrimento”, ressalta o especialista que também atua na coordenação do Fórum da rua.
Para Carlos Eduardo, a falta de vínculos familiares e sociais também deixam as pessoas mais vulneráveis. “A falta da rede de apoio, do teto, associada a várias outras privações resultam em problemas de saúde mental. Vivemos em uma sociedade hierarquizada, onde quem menos vale é o lixo da sociedade. O nível de discriminação que essas pessoas vivem é maior do que outros grupos que também sofrem com preconceito”, alerta.
Políticas Públicas para a população de Rua de Fortaleza
Centro POP Benfica
Fornecimento de café da manhã e almoço. Serviços para documentação oficial, Cadastro Único para Programas Sociais. Higiene pessoal (banho e lavagem de roupas), atividades socioeducativas e artísticas. Atendimento jurídico e psicológico. Segunda a sexta de 8h às 17h
Avenida da João Pessoa, n° 4180 - Bairro Damas.
Centro POP Centro
Fornecimento de café da manhã e almoço. Serviços de acesso à documentação oficial, Cadastro Único para Programas Sociais. Higiene pessoal (banho e lavagem de roupas), atividades socioeducativas e artísticas. Atendimento jurídico e psicológico. Segunda a sexta de 8h às 17h
Av. Jaime Benévolo, 1059- José Bonifácio
Refeitório social
Distribuição de almoço às 11h e sopa às 16h
Rua: Padre Mororó, nº 686
Centro de Convivência para a população em situação de rua
Serviços de acesso à documentação oficial, Cadastro Único para Programas Sociais, Higiene pessoal (banho e lavagem de roupas), atividades socioeducativas e artísticas. Fornecimento de café da manhã e almoço. Atendimento jurídico e psicológico. Segunda a sexta de 8h às 17h
AV. Dom Manoel, 720 - Centro
Higienização cidadã 1
Distribuição de almoço (11h) e sopa (16h). Banho e entrega de kits de higiene. Domingo a domingo.
AV Dom Manoel, 1250
Higienização cidadã 2
Distribuição de almoço (11h) e sopa (16h). Banho e entrega de kits de higiene. Domingo a domingo.
Rua: Pedro II, 100 – João Pessoa (Parangaba)
Higienização cidadã 3
Distribuição de almoço (11h) e sopa (16h). Banho e entrega de kits de higiene. Domingo a domingo.
Praça da Bandeira
Pousada Social – I Cirlândio Rodrigues de Oliveira
Pernoite, alimentação e higiene pessoal. Capacidade para cem hospedagens, somente pessoas acima de 18 anos. Diariamente no período das 20h às 7h.
AV Dom Manoel, 1250
Pousada Social - II Meire Hellen de Oliveira Jardim
Pernoite, alimentação e higiene pessoal. Capacidade para cem hospedagens, somente pessoas acima de 18 anos. Diariamente no período das 20h às 7h.
AV. do Imperador, 769 - Centro
Casa de passagem Elizabeth Almeida Lopes
Serviço de acolhimento temporário com capacidade de atendimento para 50 pessoas, fornecimento de alimentação e hospedagem provisória
Aluguel social para a população de rua
Auxílio financeiro de 420 reais para moradia durante dois anos. Cadastramentos nos Centros Pop. 300 vagas
Edição: Camila Garcia