Ceará

Mestre Nena

Secult acompanha investigação sobre agressões de PMs ao Mestre Nena em Juazeiro do Norte

Caso aconteceu na tarde do último sábado, quando a PM averiguava denúncias de porte de arma e drogas

Brasil de Fato, Fortaleza, Ceará |
Mestre Nena de 71 anos foi agredido por policiais do Raio que faziam uma verificação no bairro João Cabral, periferia de Juazeiro do Norte, no Cariri Cearense - Vitória Gomes

O Mestre da Cultura Francisco Gomes Novaes, mais conhecido como Mestre Nena, tesouro vivo do Ceará, denuncia ter sido vítima de uma abordagem violenta por parte de policiais militares do batalhão do Raio, em Juazeiro do Norte, na região do Cariri. De acordo com o relato do Mestre Nena e de seus familiares, o caso aconteceu no último sábado (21), durante uma ação da polícia para investigar um de seus filhos por posse de armas e de drogas. 

Segundo o Mestre Nena, que tem 71 anos, três viaturas estavam na frente da sua casa no bairro João Cabral quando outro filho dele chegou e quis saber o que estava acontecendo. De acordo com os relatos das testemunhas, um dos policiais chegou a perguntar se o filho era advogado, antes de começar as agressões. Quando soube pela neta o que estava acontecendo, Mestre Nena foi em defesa do filho e ao tentar parar as agressões foi surpreendido com um disparo de arma de fogo e uma sequência de xingamentos tapas e chutes, por parte da polícia que deixaram marcas pelo seu corpo. “Eu sei que vou apanhar de novo se eu ver uma filha ou filho meu sendo agredido daquela maneira. Fiquei com a mão inchada por conta de um chute, mas tô me sentindo bem. Eu me sinto acolhido com esse apoio que todos estão me dando”, disse Mestre Nena ao BdF.

De acordo com os familiares que presenciaram o caso, as agressões só pararam quando os policiais foram chamados para atender outra ocorrência, sem ter efetuado nenhuma prisão ou encontrado algo ilícito na residência. Em seguida, Mestre Nena e os filhos fizeram boletim de ocorrência na Delegacia Regional e o exame de corpo de delito. "O bairro é mal visto por conta da violência, mas em todo lugar tem gente ruim. Eles não perguntaram nem meu nome. Quando se é preto e pobre, eles já chegam batendo”, lamentou o Mestre.

Durante coletiva de imprensa na noite desta segunda-feira, a advogada do Mestre, Luciana Dantas, informou que a Secretaria de Cultura do Ceará entrou em contato com o Mestre para se solidarizar e repudiar as agressões. “A primeira ligação que eu recebi foi da secretária Luiza Cela, depois me ligou o secretário de cultura de Juazeiro e a advogada Luciana que está me ajudando com tudo pra gente identificar os policiais”, informou o Mestre. A Secult e a Secretaria de Segurança e Defesa Social soltaram uma nota conjunta informando que estão acompanhando o caso.  "As duas secretarias estão acompanhando a investigação e, diante dos fatos esclarecidos, serão tomadas as providências cabíveis", informa a nota.

O secretário de cultura de Juazeiro do Norte, Wanderlúcio Lopes, colocou a pasta à disposição e repudiou os atos de agressão ao Mestre da Cultura. “Mestre Nena é uma pessoa tranquila, com quase 72 anos, e tem um legado cultural e como cidadão na nossa cidade. Qualquer ato que não seja ordeiro, vamos repudiar vindo de quem quer que seja”, afirmou o secretário.


Em 2006, Mestre Nena fundou o grupo “Bacamarteiros da Paz” que reconta o legado do cangaço de Lampião. / Vitória Gomes

Legado cultural

Na casa onde tudo aconteceu, funciona desde 2009, um museu orgânico com fotos, bacamartes, espadas e indumentárias que contam um pouco da trajetória do Mestre Nena. Ele nasceu no dia 30 de agosto de 1951 no Sítio Malhada, na zona rural do Crato. Aos 12 anos, Mestre Nena começou a brincar como figura do reisado de congo do Mestre Moisés Ricardo. Por sua trajetória, chegou a receber o título de embaixador e contra mestre do reisado. Em 2006, Mestre Nena fundou o grupo “Bacamarteiros da Paz” que reconta o legado do cangaço de Lampião. “O mestre sempre fala que o objetivo dele é promover a cultura popular e a paz e contraditoriamente ele quase foi vítima de uma arma de fogo. Isso mostra o lugar que a cultura ocupa no imaginário de grande parte da sociedade”, afirma a professora Vitória Gomes, que estuda memória e patrimônio cultural na Universidade Federal do Cariri. 

Nesta terça-feira,24, está marcado um novo movimento na praça central de Juazeiro do Norte para protestar contra a ação da polícia. “Não bastasse toda a forma como a cultura foi tratada, sobretudo nos últimos quatro anos, ainda atentam contra a vida do Mestre para transformar essa marginalização em um extermínio. O extremismo e a violência que incitaram no país chega na polícia e na forma como a polícia age contra a cultura e contra quem faz a cultura. Identificar os autores é parte fundamental desse processo”, acredita a professora.
 

Edição: Camila Garcia