2023 chega com expectativas, pois com ele se iniciam as novas gestões, tanto na presidência como no governo do estado do Ceara. Mas quais são essas expectativas de acordo com os movimentos populares? A região Nordeste do país começa fortalecida com os governos eleitos? Para falar sobre esses temas o Brasil de Fato conversou com Joana Borges, psicanalista, historiadora, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará e da Direção Nacional do Movimento Brasil Popular. Confira.
Quais as expectativas dos movimentos populares para esses próximos quatro anos, principalmente aqui no Ceará?
As expectativas dos movimentos, principalmente saindo desse cenário meio de terra arrasada que a gente vem estão bastante altas, mas, ao mesmo tempo, também compreendendo que pelo menos a nível Federal teremos aí ainda um processo, um certo tempo para conseguir reverter alguns processos, algumas ações que feriram violentamente o estado brasileiro. Também temos noção da responsabilidade dos movimentos de dar um tipo de suporte, inclusive político, principalmente nesses cem primeiros dias que vão ser dias ainda muito disputados em termos ideológicos na sociedade, mas a gente acredita que em algum momento a gente vai conseguir retornar com o processo que foi uma boa marca do governo do presidente Lula, uma boa marca do governo Camilo e que a gente espera que vai se aprofundar com o Elmano, que é um processo de redução de desigualdades cada vez maior.
Essa é a grande meta quando a gente mira nesses nossos candidatos: conseguir eleger pessoas e programas que estejam dispostos a implementar políticas públicas que enfrente a questão da desigualdade no Brasil. Então a nossa expectativa, obviamente, é muito alta.
No governo Bolsonaro os movimentos estiveram presentes nas ruas lutando por direito. Você acredita que nos próximos anos os movimentos populares, de um modo geral, vão continuar nas ruas? Agora com outras pautas?
Acho que a tarefa do movimento popular é estar nas ruas. É garantir que o trabalho popular seja feito no cotidiano, que aí não é necessariamente em grandes atos, em grandes ações massivas, mas um trabalho cotidiano nas periferias, nos territórios, nas universidades e, com certeza, este trabalho irá continuar. Acredito que agora, justamente por esse tipo de avanço que a conjuntura está nos permitindo, conseguir pautar coisas ainda mais avançadas.
A gente estava agora no governo Bolsonaro pedindo o básico. A gente queria viver, as pessoas querem comer, tomar vacina, então assim, trabalhar coisas bem básicas dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, agora a gente acredita que o importante é avançar nas pautas. Então, além de garantir moradia, garantir condições das pessoas permanecerem nos territórios da moradia popular, ter escola, ter posto de saúde, enfim, expandir o nosso leque de políticas públicas para garantir que essa redução de desigualdade, que é o nosso grande foco, avance.
Obviamente que existe um pouco mais de delicadeza quando a gente fala de como faz o diálogo com o governo que teoricamente é o nosso governo, mas a tarefa do movimento popular é saber diferenciar isso também, garantir que o governo seja apoiado nas decisões que a gente julgue necessário dar suporte, inclusive ideológico, mas também saber onde é que a gente aperta o governo para conseguir avançar.
E como você avalia a situação da região Nordeste após as Eleições deste ano? O Nordeste se encontra mais forte?
Olha, eu diria que existe pelo menos um grande fator interessante do Nordeste que é a vitória do Jerônimo em cima do ACM Neto, na Bahia. Acho que é uma vitória bastante contundente, histórica e que nesse momento representa muita coisa para fortalecer a região Nordeste. Aqui no Ceará a gente tem a continuidade de um governo do Partido dos Trabalhadores, obviamente que a figura do Elmano a gente até avalia um pouco mais à esquerda. É um companheiro que vem de uma tradição política de mais alinhamento com os movimentos populares, mas que para nós é um pouco também da continuidade do governo do companheiro Camilo, que também foi um bom governo.
Tem a continuidade da Fátima, no Rio Grande do Norte, que para nós também é uma grande alegria. A gente tem também o companheiro Rafael, no Piauí, mas assim, se a gente for pegar os outros estados tem ali os dois PSB que dá um suporte, a gente consegue dialogar, mais tem PSDB, tem MDB, que a gente não conseguiu ganhar, mas assim, levando em consideração o nível de politização da região Nordeste, que é uma região muito politizada e a responsabilidade, inclusive, que os governadores do Nordeste tiveram durante a pandemia com o consórcio Nordeste, isso deixa marcas na cabeça das pessoas.
Então mesmo esses governos mais a direita e propriamente de direita, eu diria que aqui no Nordeste tende a ser um pouco mais gerenciável porque acaba tendo ali um confronto com outros governadores da mesma região que tende a ser mais avançados e implica um pouco nessa necessidade de pelo menos manter o republicanismo, então acho que de alguma forma, principalmente com a eleição do governo Lula, esses governos mais à esquerda do Nordeste agora tendem a avançar ainda mais.
Agora de um modo geral, você acredita que a gente avançou na eleição de governos progressistas?
No Brasil? Aí acho que fica mais difícil nosso cenário, porque se você pega o Brasil, a direita, o espectro da direita saiu bem mais vitorioso. O pessoal dos Republicanos, União Brasil, PSDB, PMDB, Novo... até o Novo ganhou governo e, principalmente, o estado de São Paulo ter ficado com Tarcísio, que ali é uma experiência de reprodução, em uma microescala em relação ao Brasil, mas de permanência do bolsonarismo enquanto experiência política de massas aqui no Brasil. Então ainda vão ter algum foco de resistência dessa experiência fascista que o Brasil vem acumulando e o governo de São Paulo, que é um governo muito estratégico para o Brasil ter ficado com Tarcísio, que inclusive já está colocando dentro do seu quadro do Governo do Estado algumas figuras notadamente bolsonarista. Uma coisa é ganhar do Bolsonaro nas eleições, outra coisa é o bolsonarismo, que vai permanecer na sociedade durante um tempo.
A eleição do Lula muda alguma coisa nas pautas dos movimentos populares?
Muda, por dois motivos. Primeiro porque é muito mais fácil fazer luta por direitos em um estado democrático realmente de direitos. Porque antes, no governo Bolsonaro, a gente estava vendo o desmonte, não simplesmente de um projeto em si, mas da própria democracia. A gente não tinha condição de lutar por coisas avançadas. A gente tinha que lutar pelo básico e ainda com muito medo porque se instaurou um tipo de violência na política muito aguda. Então a primeira coisa que muda é a gente conseguir, de fato, fazer uma luta em um terreno favorável.
Uma coisa é tentar lutar por direito no fascismo outra coisa é lutar por direitos na democracia. Então a primeira coisa que muda para os movimentos com certeza é o cenário. E a segunda coisa que muda é que agora a gente vai pedir para nossa companheirada, para os nossos movimentos fazerem cada vez mais ações tendo em mente de que a gente agora vai cobrar de um dos nossos. Então não pode vacilar na defesa do nosso governo, mas, ao mesmo tempo, não pode fraquejar no sentido de achar que temos que esperar simplesmente sentados o que o governo vai nos oferecer, na verdade, é aproveitar esse momento para avançar ainda mais. Porque o que a gente percebeu com o governo Bolsonaro é que se a gente não garante avanços significativos e estruturantes, no primeiro governo de extrema-direita que chegar, ou mesmo de direita, a gente já perde bastante direito. Então ou a gente consolida políticas públicas de efeito perene, de efeito duradouro, que consiga de fato transformar algumas estruturas do estado brasileiro ou na primeira eleição que a gente perca, a gente de novo vai voltar para esse buraco.
E o que deve avançar nas lutas e conquistas em comparação ao governo Bolsonaro?
A gente espera primeiro um canal de diálogo muito mais aberto, obviamente. A gente precisa que um canal de diálogo seja estabelecido com os movimentos populares para que a gente consiga avançar nas pautas que os movimentos acumularam historicamente. Então existe muita elaboração sobre como melhorar o Brasil e é necessário que exista um canal aberto para esse diálogo.
O próximo governo sinaliza que vai ter esse canal de diálogo mais aberto do que teve nos últimos governos do Partido dos Trabalhadores. Em relação ao governo Bolsonaro é abissal a diferença. Só de sermos reconhecidos como movimentos populares digno já é demais. Então a gente espera que os avanços se pautem nesse diálogo e quando necessário também no enfrentamento, mas que os movimentos consigam contribuir de maneira decisória no modo como essas políticas são elaboradas e implementadas.
Como é que o movimento popular pode trazer mais pessoas para a luta nas ruas?
Acho que esse momento que se inaugura também é muito bom para que esse tipo de processo aconteça, porque quando a gente está em um governo que rasga os nossos direitos por completo, como foi o governo Bolsonaro, as pessoas não têm mais tempo para pensar política porque elas estão muito preocupadas em ter as três refeições no dia, elas estão muito preocupadas em como vão pagar uma conta, estão muito preocupadas em como procurar um emprego, em como não ser morto em alguns casos. Somente no estado democrático e com um Governo Federal que respeita e que garanta minimamente esses acordos democráticos é possível avançar na luta por direitos.
Quando as pessoas também têm mais tempo, além de pensar só no estômago, as pessoas têm mais tempo para pensar política e se envolver, pensar em conseguir coisas maiores, porque quando a gente está com fome a gente só quer comer. Não tem como avaliar de uma maneira negativa quem não se envolveu tanto nesses últimos anos, as pessoas estavam lutando por sobrevivência. Agora não. Agora o cenário, se a gente consegue ter uma retomada econômica real, se a gente consegue diminuir a taxa de desemprego, se a gente consegue colocar mais pessoas nas universidades, aumentar as universidades, se a gente consegue garantir políticas públicas de transferência de renda, se a gente consegue trabalho, moradia digna, mais saúde, enfim, processos que já vinham avançando nos governos dos Partidos dos Trabalhadores, se a gente consegue fazer com que eles avancem um pouco mais, o mais natural, digamos assim, é que os movimentos populares tendem a crescer um pouco, porque daí a gente começa a organizar as pessoas para lutar por mais, e aí o mais é sempre mais legal.
Os movimentos populares estão muito interessados no fortalecimento de um estado brasileiro que garanta essa redução de desigualdade e que é bom para todo mundo no final das contas, porque reduzir a violência, reduz a miserabilidade, garante nível de dignidade maior para a população que garante obviamente muito menos conflitos.
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Edição: Camila Garcia