O último fim de semana foi de luta para centenas de manifestantes do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) que realizaram um ato nacional e ocuparam grandes redes de supermercados em dez capitais brasileiras. As mobilizações fazem parte da campanha “Natal sem Fome e Sem Miséria”, que acontece há dez anos, em busca de doações de cestas básicas para famílias que vivem em contextos de vulnerabilidade.
Nas redes sociais, o MLB destaca que as doações feitas nessa época do ano, abastecem mais de 50.000 famílias nas 5 regiões do país. O Movimento faz um alerta para o excesso de concentração de riqueza existente no país e denuncia a desigualdade social e econômica agravada pelo Governo Bolsonaro. Para a coordenadora geral do MLB, Poliana Souza, a fome chegou a níveis alarmantes. “O Governo Bolsonaro colocou 125 milhões de pessoas em situação de fome no país, em algum grau de segurança alimentar. A maioria são mulheres e crianças. Além disso, as grandes redes de supermercado jogam fora todos os anos cerca de 270 milhões de toneladas de alimentos. Essa Campanha garante que a gente atenda milhares de famílias muito pobres que não sabem se comerão no dia de Natal,” defendeu nas redes.
Em Fortaleza, o MLB presta apoio a centenas de famílias durante o ano todo. De acordo com a coordenação local, o Movimento organiza famílias em 8 ocupações na capital cearense. No último sábado (17), algumas dessas famílias ocuparam um supermercado na Avenida Antônio Sales, no bairro Joaquim Távora. Sob o lema “com luta, com garra, a cesta sai na marra”, os manifestantes realizaram uma ocupação pacífica para denunciar a situação de fome e miséria do país e exigir a doação de cestas básicas para alimentar de forma adequada, centenas de pessoas, durante as festas de fim de ano.
De acordo com a coordenação do movimento no Ceará, o supermercado não realizou nenhuma doação. A polícia foi chamada e as famílias saíram pacificamente. A trabalhadora Jocelma Oliveira, que integra a coordenação do MLB em Fortaleza, diz que o Movimento abraça as causas da falta de moradia e da falta de alimentação, lutando por dignidade. "Eu não consigo dormir com o barulho de pessoas que estão com fome, ou das pessoas que estão vivendo na rua porque não conseguem pagar o aluguel e tem que escolher entre comer e morar. Então, o MLB não vai parar. Vamos continuar levantando nossas bandeiras", disse.
De acordo com os dados apresentados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional em 2022, são 33,1 milhões de pessoas em situação de fome no país. Cerca de 125 milhões de pessoas estão em algum grau de insegurança alimentar. Em contrapartida, o Relatório de Riqueza Global divulgado pelo Credit Suisse, um dos principais grupos de investimento do mundo, apontou a existência de 266 mil milionários no Brasil, até o fim de 2021. Em 2020, esse número era de 207 mil.
Confira vídeo divulgado nas redes do MLB sobre a ação em Fortaleza
O BDF entrou em contato com a rede de supermercado ocupada, mas não houve retorno até a publicação da reportagem.
Fake News
Em meio aos atos democráticos que pedem doações de alimentos, o Deputado Estadual André Fernandes (PL) tentou criminalizar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, atribuindo à ação promovida pelo MLB em Fortaleza ao MST. O deputado afirmou que estavam invadindo e tomando o controle do supermercado. Após ter a informação desmentida por internautas e seguidores, o parlamentar manteve a postagem nas suas redes sociais até à tarde de ontem, quando atualizou a postagem após contato com a reportagem. "Já atualizei dizendo que foi o MLB", disse ao BDF.
A Revista Ceará também veiculou a informação falsa de que o MST teria coordenado à ocupação. Depois que o Movimento soltou uma nota de repúdio, a publicação editou o post feito nas redes sociais.
Na nota, a coordenação do MST do Ceará rebateu e repudiou as acusações. "O Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra do Ceará, vem a público repudiar a difusão de notícia falsa, acusando o Movimento de invadir supermercados em Fortaleza exigindo cestas básicas. Isso não é verdade, façam apuração dos fatos e sigam os princípios éticos do jornalismo", disse o MST.
Procurada pelo BDF, a revista Ceará não respondeu os contatos feitos por e-mail.
O Deputado Estadual eleito Missias do MST também repudiou a divulgação das notícias falsas sobre o movimento. "Ainda que o MST tivesse participado, não haveria problemas porque foi um movimento pacífico que não trouxe dano ao supermercado ou aos clientes. É apenas um protesto para chamar a atenção para a fome", ressaltou.
Em entrevista ao BDF, o parlamentar se solidarizou com os trabalhadores que ocuparam os supermercados. "Se o MST tivesse participado do movimento, seria uma ação legítima porque na situação que estamos vivendo, com muitas pessoas sem ter o que comer, é a única forma dos trabalhadores chamarem a atenção para a grande situação de pobreza que precisa de uma urgente solução. Não dá pra esperar o ano que vem para comer. A fome tem pressa", disse.
O parlamentar aproveitou para destacar que somente no Ceará, durante a pandemia, o MST fez a doação de 70 toneladas de alimentos para famílias em situação de vulnerabilidade.
Sobre o MST
Fundado oficialmente em 1984, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) luta pela reforma agrária e por justiça social num país que possui um dos maiores índices de concentração de terras e de renda do planeta. Enquanto luta por reforma agrária, o MST alimenta em média as 450 mil famílias assentadas com o que é produzido nos seus territórios conquistados. O que sobra é doado, como aconteceu na pandemia da Covid-19, quando o Movimento doou mais de 6 mil toneladas de alimentos e mais de 1 milhão de marmitas para pessoas que voltaram à situação de fome e insegurança alimentar, em 24 estados do Brasil.
Outra parte do que é produzido pelo MST é comercializada nas feiras da agricultura familiar, onde as organizações e cooperativas vendem produtos agroecológicos e reafirmam a importância de defender a reforma agrária e a luta pela terra. Além disso, a iniciativa aproxima o MST da população das grandes cidades, integrando as pessoas e dando a oportunidade delas entenderem a proporção e a importância do movimento.
Edição: Camila Garcia