O presidente eleito, Luiz Inácio da Silva (PT) já vem anunciando os primeiros nomes para os ministérios do novo governo, o que faz crescer a expectativa para a indicação do nome que ficará à frente do prometido Ministério dos Povos Originários. A Associação dos Povos Indígenas (Apib) divulgou uma carta aberta em que sugere três nomes para comandar a futura pasta. São eles: Sonia Guajajara, Joenia Wapichana e Weibe Tapeba, este último uma liderança com vasta participação nas políticas indígenas, advogado, vereador de segundo mandato na cidade de Caucaia/CE e nome de consenso dos povos e organizações Indígenas do Nordeste.
O documento, que pode ser lido na íntegra aqui, foi assinado pela Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin Sul), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Conselho do Povo Terena, a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), a Grande Assembléia do povo Guarani (ATY GUASU) e Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
Weibe Tapeba conversou com o Brasil de Fato sobre essa indicação e as expectativas para a criação do Ministério dos Povos Originários. Confira.
Qual o sentimento sobre ter o nome cotado para o Ministério dos Povos Originários?
Minha vida foi toda dedicada à nossa causa. Aqui no Povo Tapeba participei diretamente de todas as 34 retomadas realizadas e nas principais conquistas do nosso povo. A nível estadual, nossa atuação sempre ficou no fortalecimento do nosso movimento e das nossas organizações representativas, e a nível nacional, sempre buscamos contribuir com a agenda de lutas coordenadas pela APIB e suas organizações regionais. Por tanto, o sentimento que tenho nesse momento é de gratidão, já que essa indicação surgiu a partir da indicação do meu nome nessa lista tríplice, a partir de uma provocação da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME, com o apoio da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Sudeste – ARPINSUDESTE e outras organizações estaduais e locais, e que foi crescendo a manifestação de apoio de lideranças indígenas espalhadas por todo o país. Compreendo que essa indicação é reconhecimento pela nossa militância e atuação firme na defesa dos nossos direitos.
De alguma forma você esperava essa indicação?
Confesso que inicialmente não tinha muito a expectativa dessa indicação. Participei de uma reunião do Fórum de Lideranças Indígenas da APIB no mês de novembro, evento que reuniu cerca de 60 lideranças de todo o país, a partir das indicações das sete organizações regionais de base da APIB, em que avaliamos o cenário nacional, definimos estratégias de incidência no processo de transição e planejamento do movimento para os próximos anos. Nesse evento, cinco das sete organizações ligadas a APIB manifestaram inicialmente o interesse em apoiar o nosso nome para esse ministério. A partir daí, passei a acreditar que seria possível construirmos politicamente a proposta desse ministério.
Foi importante esse momento, porque a APIB acabou indicando representantes para compor o GT de Transição e, a pedido da APOINME, a APIB emplacou a minha indicação para contribuir nesse processo de transição que encaminhou em seu relatório final a proposta de estrutura administrativa e atribuições desse novo ministério. Por tanto, caso o Lula acolha todas as nossas contribuições, terei ainda mais segurança, pelo fato de nós termos contribuído na construção dessa proposta de ministério.
Você se sente preparado para ficar à frente desse Ministério?
Comecei a trabalhar muito cedo. Com 14 anos já ajudava no letramento de crianças do meu povo. Sou professor de formação, bacharel em direito e advogado atuando no departamento jurídico da APOINME, no primeiro escritório de advocacia popular indígena Ybi e já fui gestor escolar, integrei a equipe do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza e integrei os quadros da Funai por quatro anos, assumindo a função de assistente técnico, acumulando com a função de Coordenador Regional Substituto da FUNAI, atuando com povos indígenas do Ceará, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte.
Embora compreenda que a missão de assumir um ministério seja uma função totalmente fora do padrão das que já assumimos, entendo que seria uma tarefa coletiva, pelo fato de conhecer bem a realidade dos povos indígenas do Brasil e compreendendo que nossa gestão seria baseada na participação social dos nossos povos, sobretudo, a partir do funcionamento do Conselho Nacional de Política Indigenista-CNPI, e sempre ouvindo as lideranças e organizações indígenas.
Caso a sua indicação se confirme no Ministério, quais serão as prioridades de trabalhos para os próximos quatro anos?
Tenho a certeza de que faremos uma gestão séria e comprometida com a reconstrução da Política Indigenista Brasileira, marcada, sobretudo, pela necessidade de retomada da agenda de demarcação e proteção de terras indígenas e da promoção e defesa dos direitos indígenas.
Já temos um retrato sobre a situação fundiária dos nossos territórios. Na proposta encaminhada pelo GT de Transição, esse ministério passaria a ter a atribuição de edição das Portarias Declaratórias, hoje sob responsabilidade do Ministério da Justiça. Iniciaríamos com a missão de publicar as portarias de todas as terras indígenas pendentes desse ato administrativo e atuaríamos para assegurar providências em todas as demais demandas territoriais. Nosso foco também será pelo fortalecimento do Controle Social, a partir da reinstalação do Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI.
Também focaremos nas ações de proteção para os territórios ocupados pelos povos isolados e de recente contato, com atuação especial também para os povos que ocupam regiões transfronteiriços.
O Ministério dos Povos Indígenas terá a função ainda de implementar ações interministeriais e interinstitucional para assegurar a implementação das demais políticas sociais para assistirem os nossos povos. O fortalecimento da FUNAI, que deve ficar vinculada ao MPI é uma prioridade nossa, que vai desde o esforço para ocupação dos mais de mil cargos vagos, realização de concurso e regulamentação do poder de polícia para servidores que atuam nas ações de proteção territorial, até a nossa atuação para assegurar o incremento orçamentário para a instituição, já que a Funai nos últimos anos teve as suas ações totalmente corrompidas pela condução escusa do atual presidente, que conduz a pasta a partir de interesses do setor do agronegócios e da mineração.
Será nossa meta lutar para que a Funai consiga pactuar com organismos da cooperação internacional e instituições como universidades e entes federados, a consolidação de instrumentos de pactuação para assegurar a conclusão e início de novos relatórios de identificação e delimitação de terras indígenas, bem como a necessidade de realização das demarcações de terras indígenas, pendentes a bastante tempo.
Você acredita que a criação desse Ministério irá avançar as ações de demarcação de terra e de garantia dos direitos para os povos originários?
Estive no Acampamento Terra Livre deste ano, realizado em abril, em Brasília. O ATL é a maior assembleia dos povos indígenas do Brasil e do mundo. Conseguimos reunir este ano mais de 8 mil lideranças. O Presidente Lula esteve lá. Ainda era pré-candidato. Tive a oportunidade de discursar para ele e para o nosso movimento. Disse a ele, que nós, povos indígenas, não queríamos contribuir com ele somente no voto ou na campanha eleitoral, disse que queríamos ajudá-lo a governar esse país. Essa provocação foi importante, porque foi ali, a primeira vez em que Lula prometeu e defendeu a criação do Ministério dos Povos Indígenas. Portanto, tenho a certeza, de que esse ministério será capaz de reconstruir a nossa política indigenista brasileira e ser responsável por fazer a pauta indígena avançar.
Qual a importância da criação desse Ministério?
O Ministério dos Povos Indígenas é a certeza de que a pauta indígena será prioridade nesse próximo governo. Estarmos no primeiro escalão, dialogando com o presidente de forma mais direta, respeitosa e com maior compromisso com os direitos dos povos indígenas. Não tenho dúvidas que esses quatro anos serão fundamentais para assegurar o avanço nas políticas para os nossos povos e um divisor de águas na relação do Estado Brasileiro com os nossos povos.
Esse ministério é um aceno para a comunidade internacional, do novo tratamento que os nossos povos terão a partir de um governo progressista que terá na sua agenda institucional prioridade absoluta com a pauta ambiental e de proteção dos direitos indígenas. É um aceno também para o povo brasileiro de que a reparação, por todo tipo de violações de direitos humanos dos povos indígenas, começa a acontecer de verdade. Estaremos ajudando o Lula a governar esse país a partir dos nossos territórios e da relação com o Estado Brasileiro, compondo pela primeira vez na história o primeiro escalão do governo federal.
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Edição: Camila Garcia