De 2 a 4 de dezembro aconteceu a 8ª edição da Festa do Mangue do Cumbe, realizado no Quilombo do Cumbe, em Aracati, no Ceará. A festa é umas das formas de resistência que os quilombolas do Cumbe encontraram para fortalecer a luta pela defesa do território, pela afirmação da identidade quilombola pesqueira e o fortalecimento das práticas culturais, saberes e modos de fazer. O Brasil de Fato converso com Cleomar Ribeiro, pescadora, liderança quilombola, defensora dos direitos humanos e presidenta da Associação Quilombola da Cumbe para saber mais sobre a festa e sobre as lutas e desafios enfrentados pelos moradores do Cumbe. Confira.
Qual a importância da realização da Festa do Mangue do Cumbe?
A festa tem um processo de fortalecimento. Então a ideia já é esse fortalecimento da identidade quilombola pesqueira, de nossos saberes, nossas práticas e mostrar toda essa riqueza que nós temos no território, a importância do manguezal, que é o berço da vida e desconstruir a imagem que o mangue é um lugar feio, fedido, cheio de mosquito, porque tivemos muita essa impressão associada e nos associavam a isso, que somos feios, fedidos e não é. Nós temos uma riqueza que não há dinheiro que compre. É mostrar o que nós temos de mais belo e dar visibilidade às pessoas que aqui moram, que vivenciam esse território e aí conectar também ao turismo comunitário. Entra uma renda.
A cultura alimentar da comunidade que isso é muito fortalecedor, isso é muito forte, essa cultura alimentar do território, as práticas, o comer no mato. São práticas ancestrais. Então é tudo isso. É a ocupação também do território, é mostrar uma ocupação que temos nesse território tão riquíssimo para nós, tão importante para nós. Ela simboliza muito esses 25 anos de luta, de organização.
Como surgiu a ideia para a realização da festa que já está na sua oitava edição?
Na verdade, são práticas ancestrais feitas pelos meus avós, pelos meus pais e por nós hoje, então são práticas que nossos amigos chegavam, nossos familiares, ou nós mesmos se reunia e ia praticar a pescaria. Todo mundo ia pescar, partilhar aquele alimento. Então isso são práticas ancestrais, e aí a ideia da gente realmente é dar essa visibilidade à ocupação no território, mostrar para outras pessoas, mas que eram práticas nossas. Nós oficializamos, digamos assim, como uma forma de receber nossos visitantes, e nesse três dias eles sentirem essa vivência nesse território tão importante para nós.
Gostaria que você falasse sobre as bandeiras de lutas dos moradores do Quilombo do Cumbe.
A luta se iniciou em defesa realmente do território e do manguezal, e eu me sentia muito provocada com a situação de ameaça ao território, e você percebe que o seu território está tendo algumas consequências, de algo que está acontecendo com ele, e nos provoca a nos organizar, lutar e isso não foi diferente, aconteceu comigo, com o João do Cumbe. João foi um dos que levantou mais a bandeira e as mulheres também foi quem mais acolheu essa luta. Então assim, é um papel muito importante das mulheres em defesa desse território. E como eu disse, nos provoca quando você tem um território que você tem referência, tem uma relação ancestral e que você sente que esse território está ameaçado, aí surgem as bandeiras, surge a organização de uma associação, de uma comunidade, de um povo quilombola pesqueiro.
Quais seriam essas ameaças para o território e para os quilombolas?
Colocar empreendimento dentro do manguezal. Eu vejo um abuso do poder público em relação a isso. É muito violento o que as comunidades estão vivendo, estão sofrendo. É muito violento tudo isso e nós estamos fazendo esse papel de defesa dessas agressões, de empreendimento, do poder público quando licencia esse tipo de empreendimento dentro dos territórios, que machuca, que destrói vida, destrói território. A gente está lá para defender, e defendemos com as nossas vidas. Quantos quilombolas, indígenas, defensores dos direitos humanos foram mortos em defesa de uma causa? Em de defesa de seus direitos? Então esses empreendimentos que vêm violando os territórios, que vêm agredindo os territórios, que vêm maltratando nós percebemos, nós somos natureza também. Se meu mangue está sofrendo eu vou sentir consequência disso.
O Quilombo do Cumbe está presente nas redes sociais e no perfil de vocês, vocês informaram que há uma ação para anular o processo administrativo de demarcação e titulação do território quilombola do Cumbe. Você pode falar um pouco de como está essa situação? De como está essa luta?
Esses processos se dá devido a toda essa luta, a toda essa defesa. Então ele surge daí, porque a gente incomoda. A gente sabe do poder muito grande que corre no nosso território. Então qual o seria o papel? Ter toda uma articulação empresarial no território onde pessoas da comunidade, que não se reconhecem – eu acho que é um direito de cada um, eu só não acho direito tirar o meu direito de me reconhecer, isso não pode ser aceito – e que chegou essas ações judiciárias que seria entrar com essa ação e dizer que a comunidade não é quilombola, porque tem pessoas que não se reconhecem, porém, tem outras pessoas que se afirmam, que conhecem sua história, sua identidade e não pode ter essa sua afirmação porque eles não querem deixar.
Isso acontece, dessa articulação julgar que a comunidade não é uma comunidade quilombola e parar o processo do INCRA que, por incrível que pareça, nossa certificação veio muito rápida, o INCRA entrou muito rápido para fazer o seu trabalho, e aí pessoas com os empresários, articulando, foi paralisado todo o processo porque você sabe, gera o conflito. Onde há comunidade que luta há conflitos, e aí o conflito intencionou muito, onde veio a dar nessas ações. A gente também entrou com ação que eles não paralisassem o trabalho do INCRA, eles estão atrapalhando o nosso processo de demarcação do território.
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Edição: Camila Garcia