No dia 1º de janeiro de 2023, Elmano Freitas assumirá o cargo de governador do estado do Ceará para os próximos quatro anos e o Brasil de Fato conversou com Martír Silva, advogada e titular da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial, para saber o que se pode esperar da nova gestão em relação a políticas públicas para a promoção da igualdade racial no Ceará e sobre as ações de enfrentamento e combate à discriminação racial. Confira.
Gostaria que você falasse um pouco sobre sua experiência na frente da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial.
Estar à frente da CEPPIR foi uma experiência muito rica, primeiro porque a experiência de compartilhar a partir de um órgão de gestão aquilo que eu já exercia largamente na minha vida militante, mas em uma outra perspectiva, na perspectiva de estado, de políticas públicas, de governo. Então essa experiência me trouxe um enriquecimento e o aumento da convicção do quanto as políticas de igualdade racial devem ganhar espaço nos governos. Fazendo aqui o devido destaque que sempre em governos democráticos, porque evidentemente que há uma relação muito forte entre democracia e promoção da igualdade racial. Nós não podemos falar na reflexão das questões raciais, das relações raciais, do enfrentamento ao racismo sem uma perspectiva de um estado democrático, de direitos, que faça reparações históricas, mas, especialmente, nesse momento histórico que nós enfrentamos aqui, um momento de muito desafio diante de um governo federal que negava qualquer avanço das políticas de igualdade racial, muito pelo contrário, que atuou contrariamente aos direitos conquistados, de uma política nacional, que é encapada por pessoas que queriam destruir tudo que tinha sido construído, principalmente se falando da Fundação Palmares.
Pois bem, estar a frente da Coordenadoria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial foi também a possibilidade de fazer articulações institucionais com municípios, com gestores municipais, com gestores de outras políticas como as políticas de educação, de saúde, de assistência social, de direitos humanos, enfim, a possibilidade que revela para a gente, que dá dimensão para a gente de como podemos ir longe.
Evidente que temos limites ainda do ponto de vista do tamanho da institucionalidade da política de igualdade racial no Brasil e no Ceará, mas foi uma experiência muito rica porque também pudemos compartilhar o momento de avanço significativo: a criação das cotas estaduais para concursos públicos, a criação do Selo Município Sem Racismo e também de ter dado continuidade à Campanha Ceará sem Racismo, essa que hoje entendemos que teve um papel grandioso no processo educativo em uma busca de letramento da sociedade cearense, seja ela sociedade civil, movimentos populares em geral, seja também das gestões públicas sobre as relações raciais.
Qual é o papel da Coordenadoria?
A Coordenadoria tem o papel institucional de desenvolver ações voltadas para a igualdade racial. Como é que se faz isso de uma forma efetiva e não abstrata? Na verdade, o papel da Coordenadoria seria um papel de transversalizar. Transversalizar entre os setores governamentais, ou seja, entre todos os órgãos de gestão pública e também com os municípios, já que nós estamos no âmbito estadual, que dialoga e que leva políticas para os seus municípios, de dialogar com esses setores sobre a questão racial.
A grande diferença entre nós e as demais políticas é que as outras políticas já chegam para os municípios com a expectativa de atendimento, por exemplo, você vai com a política pública de saúde para qualquer município cearense ou com a política de assistência social, de moradia, de educação e a expectativa dos gestores municipais é de fortalecer nos seus respectivos municípios, de trazer para si, vamos dizer, possibilidade de recursos, de financiamento, de projetos, de ações que fortaleçam essas políticas no seu município. No nosso caso, ir para o interior, fazer esse diálogo, essa interlocução era levar uma proposta daquilo que ainda não estava sendo percebido ou que nem sempre era levado em consideração do ponto de vista do interesse da gestão.
Então é um papel também de criar informações e desenvolver convencimentos. Não é um papel simples. Além do mais a Coordenadoria tem um papel de catalisar, vamos dizer assim, o diálogo com a sociedade civil organizada, com os movimentos populares antirracistas, com os movimentos populares negros, e com isso, ampliar a capacidade de diálogo do estado, e aí não só com os movimentos negros, mas também com os movimentos indígenas, quilombolas, com os movimentos ciganos. Quer dizer, de articular aí o Fórum de Participação e Controle Social, que é o Conselho Estadual da Igualdade Racial, ao qual eu tive a honra de ser conduzida como presidenta nesse período.
Quais pontos foram avançados no atual governo em relação a políticas públicas para a promoção da igualdade racial e de enfrentamento e combate à discriminação racial?
Eu destacaria como principais pontos de avanços no governo atual, que aí a gente faz a devida informação de que o governo atual também representa o período do governador Camilo Santana, continuado pela governadora Izolda Cela. Nesse período nós tivemos avanços significativos. O primeiro deles, a possibilidade de encampar a política Ceará Sem Racismo, e aí nós tivemos apoio institucional, diálogos institucionais que nos deram a estrutura e a legitimidade para fazer esse debate amplo em todo o estado do Ceará.
A promulgação da lei que cria as cotas raciais foi um ponto alto da política efetiva de promoção da igualdade racial, porque ela cria resultados possíveis, imediatos, a curto e a médio prazo. É a possibilidade que nós temos de tornar o serviço público mais democrático do ponto de vista do acesso democrático, do ponto de vista racial, do ponto de vista de acesso de pessoas para quem até hoje as oportunidades foram comprometidas em função de razões históricas que nós já conhecemos. Então a criação de cotas no serviço público é aquela medida mínima de reparação histórica dentro da modalidade cotas na qual nós achamos que sempre podemos avançar, seja em compreensão, em conceito, em diálogo com a sociedade.
Mais concretamente é isso, é saber que nos próximos anos a cada concurso nós teremos mais presença negras nos serviços públicos estaduais em todos os cargos, e isso também nos proporcionou levar para os municípios essa inspiração de modo que hoje nós já temos três municípios, é pouco diante do tamanho do nosso estado, mas também podemos cantar isso com muita alegria, contar essa história de que Tamboril, Horizonte e Crato são municípios que, a partir dessa nossa interlocução criaram suas próprias cotas, suas Leis Municipais próprias estabelecendo cotas para os concursos dos seus respectivos municípios.
Avançamos sobremaneira na política estadual de cultura. O diálogo com a Secretaria da Cultura foi muito profícuo, muito produtivo e de forma que hoje às políticas estaduais de culturas contemplam a valorização e o respeito à nossa diversidade étnico-racial.
E a outra questão, o outro ponto de avanço também foi a criação do Selo Município Sem Racismo, uma estratégia de interiorizar a política de igualdade racial destacando ainda a criação, a instituição do primeiro concurso público para professores de escolas indígenas. Isso é histórico.
Quais pontos devem ser melhorados no próximo governo?
Olha, todas as políticas públicas e todos os direitos sociais, vamos dizer assim, precisam. Tem pontos que devem ser melhorados sempre, e quando a gente elege governos alinhados com as perspectivas populares, democráticas, de justiça social como tem sido a nossa experiência com a eleição do Lula e com eleição do Elmano Freitas, essas perspectivas ficam potencializadas e a política de igualdade racial, em particular, como é uma política muito nova, muito recente, no Brasil, nós só temos 19 anos de instituição das políticas de igualdade racial, no Ceará um pouco menos de tempo ainda, uma questão que ainda não se tornou de toda evidenciada no debate social, porque a sociedade é atravessada ainda pelo racismo e ainda há uma naturalização do racismo, ainda há uma ignorância quanto a ênfase que o racismo estruturado tem nas relações sociais, é um processo que caminha de longas datas, mas que ainda precisa avançar muito.
Portanto, é uma política que eu não diria frágil, pelo contrário, do ponto de vista da expectativa política, dos atores sociais que estão por trás dele é uma política que tem se revelado muito forte, mas como é uma política nova nós vamos ter vários pontos para melhorar. Isso foi conversado, isso foi pactuado de forma muito respeitosa e muito bem recebida no plano de governo do Elmano Freitas. Nós participamos da elaboração desse plano de governo, propusemos e foi aceita que a questão da igualdade racial é um eixo estruturante de governo, então o eixo estruturante do programa de governo do Elmano está lá: igualdade racial, desenvolvimento e direitos, ou seja, há um leque que amplia a igualdade racial no espectro da ação de governo, isso já é uma sinalização importante de avanço para as políticas de igualdade racial.
Qual a expectativa para a continuação dos trabalhos da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial para os próximos quatro anos?
Primeira coisa quando a gente fala em expectativas é deslocar a personalidade da atual gestora com qualquer outra possibilidade futura. Nós falamos isso porque a expectativa não é a partir da coordenadora, mas a partir da coordenação da Coordenadoria e a partir das propostas que foram construídas coletivamente para as políticas de igualdade racial. Então nessa perspectiva, a continuação dos trabalhos da Coordenadoria para os próximos quatro anos é de avanço, é de ampliação da equipe de trabalho, é de ampliação de escopo de atuação, é de ampliação dos diálogos que vem sendo feito de forma muito profícua com os municípios, de ampliação de interiorização da política, de criação de um ambiente onde se possa encaminhar as denúncias, promover as denúncias, amparar e acolher as vítimas de racismo, que aí seria a criação do Centro de Referência da Igualdade Racial, o Centro de Referência de Enfrentamento ao Racismo e também a perspectiva, que aí é um ponto de melhora, voltando um pouco para a pergunta anterior, que é a criação da Delegacia de Combate aos Crimes de Intolerância de Racismo e de Discriminação quanto a Orientação Sexual, que é a DECRIN.
A DECRIN já tem um projeto de lei, está na Assembleia nós esperamos que o governo possa, de forma imediata, aprovar esse projeto junto aos parlamentares lá, na sua base governamental e com isso fazer esse órgão se inserir também no fortalecimento da política de igualdade racial, porque a igualdade racial se faz, sobretudo, e também não apenas, mas também com medidas efetivas de combate ao racismo.
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Edição: Camila Garcia