Ceará

PERFORMANCE

Festivais independentes driblam desmonte e promovem encontros internacionais no Ceará

A arte da performance é o foco da difusão dos festivais contemporâneos que acontecem em Fortaleza e no Cariri

Brasil de Fato | Fortaleza, CE |
“Ponto Final, Ponto Seguido”, performance da artista indígena contemporânea Uýra Sodoma - Foto: Guilherme Silva

Foi aberta nesta terça-feira (29), a quarta edição do Festival Internacional Imaginários Urbanos que aborda trabalhos de performance na promoção e difusão da arte contemporânea e integra artistas internacionais ao Norte e Nordeste. Com o tema "Comunidades Porvir", o festival propõe uma reflexão sobre como a performance pode ser dispositivo de criação de comunidades porvir, a partir de processos de partilhas coletivas e de exercícios públicos de imaginações políticas, para além dos regimes de poder estabelecidos.

A abertura do festival aconteceu na Praça do Ferreira, onde o público assistiu a performance “Ponto Final, Ponto Seguido” da artista indígena contemporânea Uýra Sodoma. Natural do Pará e moradora de Manaus, Uýra gosta de construir imagens que proporcionem debates sobre as naturezas que nos circulam. A performance no Ceará é a  décima e última apresentação de um ciclo que passou por seis países e agora, quatro estados brasileiros. “A proposta é de um plantio usando terra onde se desenham raízes que serpenteiam sobre esse cimento estéril e duro dos padrões que cobrem, limitam e cerceiam a vida. É para lembrar que somos essa terra, e que apesar de todos os cenários de crises econômicas e políticas, há outros poderes, há outras vozes no mundo que são de mulheres, trans, negras, indígenas e tantas vozes, que são tão violentadas como a terra é, mas nunca deixaram de viver”, explica a artista.

Depois da performance, houve a exibição do documentário “Uýra – A Retomada da Floresta”, de Juliana Curi. Nele, a artista indígena e trans, viaja pela floresta amazônica em uma jornada de autodescoberta usando arte performática e mensagens ancestrais para ensinar jovens indígenas e enfrentar o racismo estrutural e a transfobia no Brasil. “São mundos onde as diferenças foram colocadas como barreira de contato e atravessar essas diferenças, respeitando-as, abre chances para diálogos entre territórios, entre regiões, diálogos internacionais e às vezes, dentro do próprio quintal,” reflete Uýra.

Como parte do Festival, a performer mexicana Violeta Luna ministra a residência artística “O Corpo em ação: direções para uma cartografia pessoal”. A formação acontece entre os dias 30 de novembro e 3 de dezembro no Porto Dragão e no dia 4 haverá uma apresentação com o resultado do que foi trabalhado com os artistas.  Esta é a primeira vez que a artista vem ao Ceará. Além da residência em Fortaleza, Violeta também irá ao Cariri participar de outro evento cultural de performance. “Para mim é muito significativo ver como esses encontros estão gerando um movimento de teoria e prática das performances, contribuindo para descentralizar o conhecimento, que às vezes fica em cidades como São Paulo. Vai ser muito significativo ter diálogos com outros artistas que estão trabalhando e pensando o corpo como um espaço político onde podemos articular poéticas e narrativas”, conta Violeta.


Performance da artista mexicana Violeta Luna / Foto: Isil Sol Vil

Na Vila das Artes, no Centro de Fortaleza, o performer paraense Juliano Bentes/Skyyssime está ministrando a residência imersiva "Themonização", focada em debater sobre a história do movimento, da montação e da performance drag em Belém, além de exercitar a criação de maquiagens e experimentações de intervenções urbanas. 

Em sua quarta edição, o Imaginários vem se estabelecendo no cenário nacional dos festivais de performance. Mas como festival independente, enfrenta diversos desafios para promover a internacionalização do Norte e Nordeste. "Para trazer uma artista como a Violeta, além do edital da Secult, a gente contou com outros apoios, como do Instituto Mirante e do Porto Dragão, porque a produção para trazer um artista internacional envolve muito recurso. O eixo do Nordeste é ainda marginalizado com relação ao eixo Sudeste até para comprar a passagem. O único voo que tinha pra Fortaleza era um de 27 horas",  explica a curadora adjunta do festival Marie Auip. "E  enquanto artista é uma oportunidade de alcançar quem mora por aqui e não precisa ir até Rio, São Paulo ou Minas Gerais para obter uma formação'', completa Marie.

O Festival segue em Fortaleza até o próximo dia 9. Entre os dias 1 e 6 de dezembro, cinco obras serão exibidas na "Mostra de Videoperformance", que acontecerá no Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS CE). São elas: "Negrume da Guerra" de Victor Freitas, "O verbo se fez carne" de Ziel Karapotó, "Negro" de Marcelo Diogo, "How to Heal the Word Bank" de Graham Bell Tornado e "Sinfonia do Encontro - Primeiro Ato" de Augusto Leal.  “Temos trabalhos muito distintos e aglutinados nessa mostra. Trabalhos que falam sobre o processo de retomada, que trabalham com dimensões de simpatia, de procedimentos ligados às encantarias. De maneira ritualística, dentro das suas individualidades, são diversas potências que juntam falam do discurso desse Brasil, dessas comunidades que estão por vir. É nítido como os trabalhos operam dentro dessa ferida colonial, dessa ferida após o governo Bolsonaro, avalia a artista Aires, curadora adjunta de videoperformance.

Sindicato da Performance prepara sua segunda edição


"Dança para um Futuro Cego", da artista Maria Macedo está entre as atrações do Festival Sindicato da Performance que acontece no Cariri Cearense. / Foto: Jaque Rodrigues

A performer mexicana Violeta Luna também é uma das atrações da segunda edição do Festival Internacional Sindicato da Performance que acontece no Cariri, entre os dias 5 e 9 de dezembro. As inscrições para participar do festival estão abertas até o próximo dia 2.
 
Com o tema "Conflitos entre o Real, Simbólico e o Imaginário" o festival propõe lançar um olhar sobre as distorções da realidade que o país vive desde o golpe na presidenta Dilma em 2016, sobre a desvalorização da vida e supervalorização da violência que tem crescido no Brasil, colocando a arte da performance em ambientes públicos como ponto de reflexão, desdobramentos e partilhas. 

"O Sindicato Performance nasceu ano passado como uma resistência a lógica que a pandemia impôs a produção de artistas, de ter sempre que está produzindo algo novo no meio do isolamento e usando ferramentas novas como as plataformas digitais, mas também como resistência a sempre falta de estrutura, de apoios e de equipamentos culturais", explica Lívio Pereira, curador e idealizador do Festival. 

O setor da cultura foi um dos mais prejudicados nos quatro anos de governo de Bolsonaro. O Ministério da Cultura foi extinto no primeiro dia de governo do atual presidente. Na equipe de transição para o governo Lula, membros do GT da cultura têm como prioridade reestruturar o Ministério, revogar decretos que inviabilizam as atividades culturais no país e readequar o orçamento da pasta. Lívio conta que essas reflexões fazem parte da proposta da segunda edição do Sindicato Performance. "O festival se propõe e convida a refletirmos junto com os e as artistas que participam desta edição, sobre como as transformações políticas que vivemos desde 2016 afetam a cultura, pensando sobre como essa relação entre o real, o simbólico e o imaginário se dá na arte, mas também é afetado por uma leitura que é política", diz. 

Serviço

4º Festival Internacional Imaginários Urbanos - Comunidades Porvir
De 29 de novembro a 9 de dezembro
Mais informações em @imaginarios_arte

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2° Festival Internacional "Sindicato da Performance - Conflitos entre o Real, o Simbólico e o Imaginário" 
De 06 e 09/12
Mais informações em @sind.perfor.art

Edição: Camila Garcia