Ceará

Eleições 2022

Entrevista | “Um grupo mais radical que ainda está fazendo barulho, mas bem frágil, sem adesão”

Rogério Babau, do MBP, fala sobre os atos antidemocráticos e bolsonaristas ainda realizados após o resultado das urnas.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Manifestantes estão nas ruas desde o dia 30 de outubro, quando Jair Bolsonaro fracassou nas urnas - Foto: TERCIO TEIXEIRA / AFP

Após a derrota de Bolsonaro no segundo turno das eleições 2022, diversos simpatizantes bolsonaristas foram às ruas e realizaram bloqueios ilegais do tráfego de veículos nas rodovias do Brasil e a aplicação do artigo 142 da Constituição Federal, que disciplina a função das Forças Amadas, para pedir intervenção militar contra o resultado da eleição presidencial.

Até hoje, 23, algumas dessas ações ainda estão acontecendo, mas é possível observar uma adesão cada vez menor por parte dos manifestantes bolsonaristas. Em Fortaleza, manifestantes têm realizados atos em frente a 10ª Região Militar, o Forte de Nossa senhora da Assunção. O Brasil de Fato conversou com Rogério Babau, da Coordenação do Movimento Brasil Popular no Ceará, para saber sobre os impactos desses atos e que se espera do poder pública em relação a elas. Confira.

Quais são os impactos dessas ações bolsonaristas?

Primeiro gostaria de parabenizar todo mundo que lutou pela democracia. Não foi uma luta fácil, foi uma luta brutal onde a grande maioria da população votou a favor de um governo, de um candidato que mostrava nitidamente que ia defender a Constituição, que ia defender o estado democrático, as instituições etc. Então esse é o primeiro passo para a gente avançar nesse debate.

Para nós, do campo democrático, não é novidade que pós-eleição ia acontecer esses reboliços aí de uma pequena, de uma minoria, de uma fração da população contestando as eleições. Isso porque dos quatro anos de governo do presidente Bolsonaro, nos seus dois últimos anos ele veio elevando a narrativa que as urnas eletrônicas não eram o mecanismo mais confiável, inclusive vinha pedindo a volta da eleição via papel e ele implementou uma narrativa muito forte nesse último período, no processo de uma possibilidade de recontagem de votos, de golpe, questionando todo o sistema eleitoral.

Isso ficou muito mais forte após a derrota do Trump, nos Estados Unidos, que ele contestou e aquela contestação da invasão do Capitólio criou também essa musculatura e esse fortalecimento de narrativa para o próprio governo Bolsonaro.

A gente acreditava que o processo poderia ter sido pior, no pós-eleição eles questionarem o processo das urnas, mas, na verdade, foi uma derrota brutal, uma derrota não só eleitoral, mas uma derrota também ideológica e uma derrota moral, porque o governo Bolsonaro está isolado no mundo todo e isolado nacionalmente. Então, quando surge agora alguns pequenos grupos tentando se manifestar e contestar o processo eleitoral acho que o único prejuízo que teve a priori foi para a economia, porque alguns caminhões em alguns estados ficaram presos, as mercadorias não puderam passar.

Isso é interessante colocar porque é meio que uma ironia, né? Porque parte do empresariado, parte do empresariado do agronegócio, de carga de caminhões apoiaram o governo Bolsonaro e esses mesmos foram prejudicados por esses atos de bloqueio nas ruas.

Como os movimentos populares que tem em seu histórico a presença nas ruas lutando por direitos estão vendo e recebendo esses atos bolsonaristas?

Quando surgiu os primeiros blocs, nós, dos movimentos, começamos a fazer um alerta e tentar entender e compreender que tal força seria capaz deles avançarem, ou não. Acho que o Bolsonaro e sua equipe apostaram que no pós-eleição uma grande massa, esses 40 milhões de pessoas, fossem para a rua. Falando a preço de hoje, se fosse um milhão para a rua seria muita gente, poderia realmente ter dado um impacto. Mesmo mantendo esse um milhão nas ruas, o que não teve, na verdade teve centenas de alguns milhares, o golpe não teria força de viabilidade.

O primeiro país que parabenizou o presidente Lula foi os Estados Unidos, esse é um dos países que patrocina golpes políticos do mundo todo. Não esperou nem o STF confirmar, já foi logo parabenizando, isso já neutraliza totalmente a possibilidade de um golpe via forças armadas, porque todos os generais, todas as forças armadas são submetidas a patente dos Estados Unidos. Então os caras se tornaram isolados, e nesse contexto também a mídia, que sempre deu muita ênfase às ações do Bolsonaro também não colocaram gasolina nesse processo do golpe, a não ser a Record. Esse segundo elemento não teve força midiática. Setores da burguesia, aqueles bolsonarista, que acho que é a grande maioria que votaram nele, ali os mais comportados, da classe média, da burguesia, da classe média alta também não aderiram. Então é o terceiro elemento que a gente avalia que não teve força para concretizar um golpe. 

É um grupo mais radical que ainda está fazendo barulho, mas que a tática de bloqueio não deu certo e agora estão ali pedindo apoio, tentando chorar perante os quartéis em todo o Brasil, mas muito frágil, muito pouca gente, isso mostra que não teve adesão e que o golpe agora falhou e não vai acontecer, e é provável que essa “seita” bolsonarista tenha um fim à sua história.


Frame de vídeo onde bolsonaristas dizem à PRF que aguardam orientação de Bolsonaro / Reprodução/Youtube

Você acha que esses atos poderiam ou podem estar trazendo alguma preocupação para a sociedade ou elas estão enfraquecidas?

Eu sou um camarada que tenho a oportunidade de andar em alguns agrupamentos na classe média, na periferia, na classe trabalhadora, na classe intelectual mais ligada à universidade, e o interessante que para nós, e eu moro dentro de uma favela, a nossa vida está completamente normal. Todo mundo trabalhando, os ônibus superlotados, o fluxo trabalhando, a única diferença é que o povo está mais feliz porque tem expectativa e esperança de um futuro, saiu aquele peso das costas, uma tonelada de maldade nas costas. O povo estava engasgado, as mulheres, principalmente.

Aqui as paradas de ônibus superlotadas, muitas mulheres indo para o trabalho, estudantes indo para suas escolas, os velhinhos fazendo suas caminhadas, a classe trabalhadora passando de bicicleta, os sinais lotados, ou seja, eles estão isolados. Mas para a sociedade não mudou e não vai mudar nada, pelo contrário, nós estamos a todo vapor esperançosos que dias melhores virão.

E qual é o papel do poder público em relação a essas ações?

Acho que você viu um vídeo que aconteceu lá no Pará onde a Polícia Federal foi hostilizada. Jogaram pedra, atiraram rojões nela e era um agrupamento militar muito forte, parece que teve gente presa. O papel do poder público é justamente coibir, acabar, tentar fazer e dispersar isso o mais rapidamente. Não pode dar “trela” para ideias fascistas, porque, mesmo que tenha gente boa que queira fazer ali sua manifestação de forma pacífica, tem uma parcela com pensamento violento, com pensamento fascista, com vontade de implementar táticas terroristas, porque você atacar a polícia, atacar uma instituição não deixa de ser um ato terrorista, né? Ainda mais você reivindicando, tentando justificar que é contra um processo democrático, que foi essa eleição.

Então o papel do governo é justamente coibir, prender e dispersar essa massa, porque senão ela pode ganhar outros ares, e não podemos deixar que isso aconteça. E que sirva de lição, o poder público, nesse momento, tem o papel, um papel histórico de mostrar força, de mostrar poder, de dizer que as leis existem e prender esses golpistas para que sirva de exemplo, inclusive para as próximas gerações, porque é através de um ato desse, de repulsa à democracia, que vem crescendo a violência contra as mulheres, contra o povo negro, contra as religiões de matriz africana. Esses grupos vêm disseminando discurso de ódio. Eu acredito que o papel das instituições nesse momento não é só ficar vigilante, pelo contrário, ela tem que ser agora um mecanismo de coibir, de prisão e de justiça.

A gente vê nas redes sociais alguns vídeos de dentro desses atos bolsonaristas e é possível ver que eles transmitem muitas fake news para fortalecer os atos deles ali dentro da ação. Como você avalia essa alimentação deles com eles mesmos dessas fake News?

É muito interessante porque nós somos educadores, nós somos militantes de movimentos populares e a nossa tarefa é cada vez mais formar o povo, educar o povo a partir de uma concepção do senso crítico. Então nós estamos dizendo também para o nosso povo não criar suas bolhas, olhar a sociedade no seu geral. Eu tenho amigos bolsonares e fico falando para eles: “cara, você sai dessa bolha. Essa bolha é perversa”. E interessante, que eu andando com eles, a gente vê vídeo, eles recebem, só acompanham canais, só vê jornais, só vê noticiários bolsonaristas, então eles criaram uma bolha e é meio que um delírio total.

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Edição: Camila Garcia