Desde o dia 11 de novembro está acontecendo a XIV Bienal do Livro do Ceará. Com a última edição realizada em 2019, o evento ocorre após um período de ausência do calendário oficial diante da necessidade das ações de prevenção ao coronavírus. Assim, com o tema "de toda gente para todo mundo" pode-se dizer que a Bienal deste ano é um reencontro para matar a saudade entre livros, autores, leitores e artistas.
Levi Magalhães é animador 2D e um desses leitores que aproveitou para visitar a Bienal usufruindo do passeio entre os estandes de livros. Levi diz que uma das primeiras memórias que vem em sua mente quando se fala de Bienal é a realizada em 2019, quando sua mãe, Assunção Sousa, estava fazendo o lançamento do livro "Nações Entrecruzadas" dentro da programação do evento. “Foi lindo ver a empolgação dela conversando com as pessoas que estavam andando pelo evento e que se interessaram pelo livro também”.
Este ano, Levi afirma que foi para a Bienal apenas para passear, mas que durante as voltas dentro da Bienal acabou vendo livros que nem sabia que queria e falou aproximação entre leitores e autores locais que a Bienal possibilita. “Vi que tem estandes focados nos autores locais, inclusive muitos ficam ali comentando sobre suas obras. Fica minha recomendação, para quem está andando por ali, procurar ter um contato maior com os autores de livros, não apenas com os lojistas”, indica o animador.
Sheryda Lopes é artista visual, professora e pesquisadora e já frequenta a Bienal há várias edições. Ela descreve como a Bienal do Livro do Ceará é um momento que tem uma importância em sua vida. De acordo com a artista, a Bienal é um dos eventos que lhe ajudou enquanto adolescente e jovem adulta a acessar a leitura como um prazer, não somente como uma obrigação. “Lembro de garimpar títulos baratinhos na adolescência e completar minhas coleções de mangás. E amo as paradas de ônibus na volta com a galera folheando livros, as sacolinhas nas mãos, mostrando para as pessoas o que compraram”.
Hoje, Sheryda Lopes não só visita a Bienal do Livro do Ceará como leitora, como também compõe a programação do evento com uma obra em exposição fixa. “A minha obra é uma das que estão expostas no Festival de Ilustração do Ceará, ao lado do estande da Bece, no Pavilhão Leste. É um trabalho que fiz durante a pandemia. O original é feito com guache e representa o contexto que estávamos vivendo, usando máscaras, fazendo o Lockdown, quem podia, claro, procurando preservar alguma leveza e saúde mental”.
“Esta Bienal é a Bienal do retorno. Ver o evento, os livros, as pessoas, depois de tudo o que passamos na pandemia, é especial demais. Estar lá quer dizer que sobrevivemos. Amei ver meu trabalho junto aos de outres artistes incríveis e que admiro muito. E participar da mesa sobre ilustração feminista junto com a Alexia (@colagemnegra) foi forte demais. Foi um momento de grande alegria e sensação de reconhecimento”, afirma Sheryda.
MST na Bienal
Esta Bienal também é uma edição muito especial para o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Ceará, pois é a primeira vez que o Movimento está participando do evento. Clarice Rodrigues, da direção estadual do MST e coordenadora do Centro Frei Humberto afirma que está sendo uma experiência muito bonita e fala um pouco sobre essa participação. “Uma das importâncias é a própria venda dos nossos produtos, e a outra, é a possibilidade de estarmos dialogando com um público que ainda não teve acesso as feiras da reforma agrária, que não conhece o Movimento e que muitas vezes o que conhece do MST é através dos meios de comunicação. Portanto, além da comercialização dos nossos produtos, da divulgação da marca Terra Conquistada, temos conversado com muitas pessoas mostrando que foi através da luta e conquista da terra, da reforma agrária que temos conseguido produzir em quantidade e qualidade necessária para alimentar nossas famílias nos assentamentos e acampamentos, vender nas feiras e participar de espaços como este da bienal”.
Quem comparecer ao estande do MST na bienal vai encontrar além de livros, requeijão, queijo, castanha, farinha, fava, biscoito de castanha, rapadura de caju, mel, jerimum, arroz orgânico, mamão, caneca, boné, blusa, goma, feijão, farinha e nata. “Nosso estande está sempre cheio. Temos vendido bastante e conversado muito com todas as pessoas que passam por lá. É uma alegria receber cada um e uma que passa querendo saber sobre os nossos assentamentos, os nossos produtos e nossa história”, informa Clarice.
A força da leitura
“Acho que é uma importância que carrego para minha profissão. Trabalho com cinema, vídeo, animação e contar história nessa área é fundamental. Já vi muita gente comentar que prefere vídeos a livros, mas eu acredito que um complementa o outro, principalmente agora quando se tem cada vez mais criadores de conteúdo em diversas plataformas. Acho que ler livros vai aprimorar e amadurecer as possibilidades nessa área. Para além disso, meus pais são professores, cresci escutando o quanto ler livros é uma porta para um pensamento crítico maduro, não só para o trabalho, mas para ter um melhor discernimento das coisas”, afirma Levi.
“Ah, é fundamental. Ajudou a ampliar minha visão de mundo, melhorar minha escrita e vocabulário. Hoje tenho mais dificuldade em manter leituras longas como antes, por causa das correrias e das demandas, mas sempre estou com um título em vista para ler. E estar entre livros é muito bom”, afirma Sheryda.
Consciência negra na Bienal
Durante a programação da Bienal foram realizados diversos debates sobre o combate ao racismo e representatividade. No último domingo (13), o Babalorixá e professor, Linconly Jesus Alencar Pereira realizou o lançamento do seu livro 'Exu nas Escolas: uma proposta educacional antirracista'. “A recepção do público foi superpositiva em relação ao que estava sendo falado, ao que estava sendo apontado ali no livro. Muita gente estava passando, olhando, querendo escutar, uns paravam, outros amigos assinavam, outros que estavam escutando ali naquele momento pararam para comprar o livro. Então foi uma boa recepção e eu acredito que muito positivo. A Bienal é um espaço muito importante que tem que ser ocupado por nós, povos de terreiro também”.
Para quem comparecer na Bienal, o livro está disponível no estande da Livraria Lamarca, do Comitê de Expressões Culturais Afro-brasileiras e no da Unilab também. Ele está disponível online para baixar em formato PDF, no site do Instituto Parentes em www.institutoparentes.com.br. Você vai poder baixar tanto Exu nas Escolas como outros livros que estão sendo publicados pela instituição. Também está disponível na Casa Olorum, na Casa Xangô e na livraria Lamarca.
Segundo Linconly, 'Exu nas Escolas: uma proposta educacional antirracista' vai tratar da necessidade de uma outra compreensão de ciência que também dê conta de perceber aqueles que foram invisibilizados até hoje, por exemplo, os povos originários, quilombolas, os povos de terreiro, os PCTs - Povos e Comunidades Tradicionais. "Como deve, na verdade, ser uma educação pautada a partir de uma didática da circularidade, que compreenda a conexão com todos os alunos que estão dentro da sala de aula, não só priorizando os melhores alunos, mas, também, a todos os alunos, porque todos têm inteligências e potencialidades a serem desenvolvidas”, explica Linconly.
De acordo com ele, geralmente, a escola só potencializa inteligências que vão dar base a uma sustentação mínima, por exemplo, inteligência linguística ou verbal, lógica e matemática. "Ficam de fora todas as outras inteligências múltiplas que o terreiro potencializa. O terreiro permite com que essas expressões aconteçam”, reflete o professor.
De toda gente para todo o mundo
Este ano, a Bienal do Livro do Ceará propôs o tema “de toda gente para todo o mundo”. Questionado se a Bienal está realmente refletindo a escolha para esta edição, Levi afirma. “Acredito que vários passos estão sendo dados. Percebi mais inclusão em diversos pontos, agregando vários públicos, divulgando minorias, roda de capoeira, estande sobre o movimento indígena, tinha um estande do MST, entre outros movimentos. Achei isso tudo muito lindo, trazer esses movimentos cada vez mais para perto, as pessoas passarem a ter novos contatos, gerar mais diálogo, isso é ótimo, mas por outro lado, quando vemos os preços das lojas... acho que os preços de muitas coisas por ali ainda não são acessíveis”.
Já Sheryda diz que a programação está muito rica, valorizando a educação antirracista, publicações independentes e também há uma ampla programação de oficinas e contação de histórias. “Certamente o público infantil está curtindo. Eu vi uma grande diversidade na programação e nos estandes, títulos e atividades sobre agroecologia, fantasia, estandes sobre os povos originários. Então sim, há bastante representatividade. Espero que surjam boas promoções também para que toda a gente consiga levar muitos livros pra casa”.
Linconly diz que gostaria muito que o tema da Bienal fosse uma realidade de fato. “A gente sabe que infelizmente a grande massa da população não tem acesso à educação como deveria, muito menos à leitura, nem a possibilidade de leitura de livros físicos. Então se você pegar qualquer estatística que vai falar da quantidade de livros que foi lido por uma criança em um ano, você vai ver a defasagem que no Brasil se apresenta. É muito bom que esse tema tenha sido escolhido porque demarca realmente como nós nesse período de grande levante planetário, grande levante das políticas públicas, nós vamos construir realmente o espaço que seja para todos, um espaço que seja para a compreensão das diversidades. Então eu acredito que realmente a gente tem que fazer isso tornar-se uma realidade e é por aí”.
A Bienal do Livro do Ceará segue até o dia 20 de novembro. Para conferir toda a programação acesse seu perfil no instagram: @bienaldolivroce ou por meio do site bienaldolivro.cultura.ce.gov.br
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Edição: Camila Garcia