Ceará

Fim da ADPF 828

Fim da Lei Despejo Zero deixa mais de 190 mil famílias apreensivas no país

Só no Ceará, mais de 150 ações de reintegração de posse que já estão em andamento

Brasil de Fato | Fortaleza, CE |
O Acampamento Zé Maria do Tomé é fruto de uma grande ocupação realizada em maio de 2014, onde resistem mais de 100 famílias. - Foto: Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará

Entre março de 2020 e setembro de 2022, mais de 35 mil famílias foram despejadas no Brasil, segundo dados da Campanha Nacional Despejo Zero. As remoções aconteceram mesmo estando em vigor uma decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu despejos durante a pandemia, já que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 828 em vigor não se estende a todos os casos. Como explica a pesquisadora da Rede Nordeste de Monitoramento de Conflitos Fundiários Urbanos, Lara Costa: “a gente tem hoje uma ADPF no Supremo Tribunal Federal, a ADPF 828, que prevê nacionalmente uma liminar, uma liminar do Ministro Luís Roberto Barroso, que suspendeu os despejos durante a pandemia em alguns casos, sobretudo de famílias vulneráveis. Só que essa ADPF não abrange qualquer situação de despejo que iniciou antes da pandemia, antes de março de 2020, esses casos não estariam salvaguardados por essa ADPF”. 

E a situação pode piorar, já que a regra deixou de valer no último dia 31 de outubro. “Após esse prazo, se não for prorrogado, se não for feita uma nova decisão, a expectativa é que os juízes possam executar essas decisões liminares. Então assim, as que foram suspensas, ou mesmo a execução não aconteceu por conta da ADPF, elas podem vir a acontecer agora, o que significa que são mais famílias sendo despejadas, aumentando o déficit habitacional, aumentando muitas vezes o número da população de rua”, reitera Lara.

Maria Assunção e Roney Sena vivem hoje no acampamento Zé Maria do Tomé, na Chapado do Apodi, no Ceará, e falam sobre a apreensão que vem tomando conta de suas vidas nos últimos dias: “tenho muito susto que a lei acabe, não tenho pra onde ir, vivo aqui, construí minhas plantinhas, vivo dessas plantas, tenho minha moradia aqui, não pretendo que a lei acabe, porque é muito bom aqui, não podemos deixar todos desabrigados”, relata Maria. Roney também demonstra preocupação: “como está se vencendo, fica aquela angústia, a gente não sabe para onde vai, a gente vive aqui, tira o sustento da gente daqui e é disso que a gente tem medo, pra onde que eu vou se sair daqui? Para onde eu vou levar minha família, não vou conseguir sobreviver”, relata. 

Essa mesma angústia é parte do cotidiano de quase 190 mil famílias brasileiras que neste momento também estão ameaçadas de despejo. Segundo dados da Corregedoria do Tribunal de Justiça, só no Ceará são mais de 150 ações de reintegração de posse que já estão em andamento, ou seja, com o fim da lei, estão prontas para serem executadas.

A líder comunitária, Jorgiane Silva Granjeiro, acompanha de perto a realidade de dois acampamentos em Fortaleza onde vivem mais de 100 famílias. Todas sob o medo constante de terem de deixar seus lares: “a gente não tem onde colocar as famílias, então assim, se voltar o despejo do jeito que ele acontecia antigamente muitas famílias vão sofrer. Sem contar que não tem empreendimento para colocar as famílias, aí uma pergunta fica no ar: aonde essas famílias vão morar? Porque não existe mais o Programa Minha Casa Minha Vida. Sem contar que as famílias podem sofrer tamanha violência, que é ser retirada daquele local onde ela está morando por questões financeiras, porque só vai pra dentro de ocupação realmente, quem precisa”, reitera.

Este é o retrato da falta de política de habitação no país. É o que defende o advogado popular e coordenador do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Dom Aloísio Lorscheider da Câmara Municipal de Fortaleza, que acompanha famílias em risco de despejo, Cláudio Silva: “despejos coletivos forçados, seja resultado de medidas judiciais ou de medidas administrativas do poder público, que despejam uma grande quantidade de famílias, por si só deveria ser retirado do direito brasileiro. A gente tem que parar de naturalizar os despejos de famílias e de comunidades. Nós temos que pensar isso numa perspectiva da mediação do conflito e do atendimento das famílias por políticas habitacionais. O que a ADPF do Supremo trouxe, fundamental, e que a pandemia escancarou, é o problema da moradia no Brasil. Então nós precisamos olhar pra essa situação não numa perspectiva de remover as pessoas de onde elas estão, mas de atender essas pessoas com políticas sociais”, defende. 

Edição: Camila Garcia