Ceará

Eleições 2022

Queda no poder de compra pode influenciar o voto para presidente

Pesquisadores apontam como o aumento do endividamento entre os que recebem de 2 a 5 salários pode impactar as eleições

Brasil de Fato | Fortaleza, CE |
Dados do Banco Central mostram que o endividamento das famílias representava 56% da renda anual em dezembro de 2020, patamar recorde da série estatística iniciada em 2005.
Dados do Banco Central mostram que o endividamento das famílias representava 56% da renda anual em dezembro de 2020, patamar recorde da série estatística iniciada em 2005. - Valter Campanato/Agência Brasil

César Maia tem 48 anos e vem de uma família de agricultores que viveu épocas difíceis no interior do Ceará. Ele relembra com orgulho a trajetória do pai, meeiro de uma propriedade em Itapiúna, onde a família de 8 irmãos viveu por 23 anos. Mas também recorda da  primeira eleição de Lula em 2002 e de como a vida aos poucos se modificou durante os governos do PT. “As duas cisternas que eu tenho foram dadas por Lula, a luz também. A minha casa também foi ele que deu e ele me deu poder de compra pra eu aumentar ela e encher de eletrodoméstico. Tudo que eu conquistei foi graças a ele”, diz emocionado o agricultor que mora em um assentamento Curimatã em Ibaretama, distante 115 quilômetros de Fortaleza.

César é pai de cinco filhos e todos foram criados no assentamento. Hoje, ele mora com a esposa e uma filha menor, plantando, colhendo e fazendo um movimento de resistência e consciência política, protagonizando sua própria história. “Criei todos os meus filhos sem as dificuldades que passei. Quando eu era jovem sofri pra comprar uma bicicleta, juntava o dinheiro e nunca dava. Com o PT, comprei três motos, paguei minha terra e não devo nada ao banco porque Lula e Dilma perdoaram muitas dívidas, quase todas. Com esse governo não consigo nem comprar o portão da casa. O óleo, açúcar, leite, tudo caro e dificultoso e não é só pro pobre do interior não, na capital é pior”, conta o agricultor.

Gilson não quer dizer o sobrenome porque tem medo de ser identificado no prédio onde trabalha, mas conta que está sendo difícil se manter e cuidar da família nos últimos anos. “No governo Lula eu consegui comprar meu carro, mas eu tive que vender e passei a andar de bicicleta. Eu comecei a construir minha casa, mas com o preço do material de construção eu tive que parar também. Tudo caro, ninguém consegue fazer nada nesse governo”, lamenta. 

César e Gilson fazem parte de um movimento iniciado com o fim da recessão econômica em 2003, primeiro ano do governo Lula e que se seguiu até 2014, quando diversas articulações políticas e institucionais culminaram no golpe da presidenta Dilma, em 2016. Época onde houve crescimento da renda das pessoas acima do crescimento do PIB, a redução contínua da desigualdade e o avanço da economia. “A política econômica do PT vê o estado como um agente ativo que deve interferir na economia em casos de crises estruturais. É um governo que propõe maior investimento em políticas sociais, com oferta de crédito para micro e médios empresários, com créditos rurais e fortalecimento das empresas públicas, isso acaba influenciando no crescimento econômico. De forma mais ampla há uma diferença enorme entre a visão do papel do estado na economia”, analisa o economista e professor da Universidade Estadual do Ceará, André Lima, ao comparar a política econômica dos governos do PT e a do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL).

A redução dos gastos do governo, inclusive os sociais, impacta no consumo agregado que interfere diretamente no PIB. Quem precisa de auxílio tem propensão a consumir tudo que recebe de renda. Eles não conseguem economizar porque têm baixa renda. Mais quatro anos de governo Bolsonaro vai agravar ainda mais a situação da classe trabalhadora, sobretudo, baixa e média”, reflete Lima.

Dados do Banco Central mostram que o endividamento das famílias representava 56% da renda anual em dezembro de 2020, patamar recorde da série estatística iniciada em 2005. Um ano antes, em 2019, estavam em 49%. Desemprego e  queda na receita familiar causados pela política estabelecida na pandemia; perda dos auxílios e a alta dos preços compõem o retrato atual do Brasil. É com essa pauta econômica que se preocupa boa parte da classe média, uma parcela numerosa da população brasileira que está na mira dos presidenciáveis durante as eleições. “A classe média baixa e mediana, que ganha entre 2 e 5 salários, não é beneficiada diretamente pelo governo e também não ascendeu economicamente como a classe média alta. É um grupo que ainda sente os efeitos da crise econômica, mas que ideologicamente é contra a interferência do estado na economia”, analisa o consultor político Luiz Cláudio Ferreira Barbosa, que complementa, “Estão polarizadas. No Nordeste, Bolsonaro precisa conquistar a classe média das capitais e Lula precisa ser ouvido pela classe média dos pequenos e médios municípios do Sul e Centro-Oeste”.

Classe média no Brasil

De acordo com a pesquisa Ipec, divulgada na última segunda (24), entre os eleitores de Bolsonaro, 54% estão na faixa de renda entre dois e cinco salários mínimos. Entre os eleitores de Lula, 40% estão dentro dessa renda. Essa população representa 34% dos cidadãos brasileiros. Controversa, não existe uma classificação consensual para a classe média no Brasil, mas especialistas são unânimes em apontar a queda monetária do grupo.

Critérios econômicos avaliam a renda das famílias, mas aspectos sociais e culturais também entram nas estatísticas. Para o professor de Economia e Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará, Fábio Sobral, cidadãos que recebem entre dois e cinco salários mínimos foram formados na ideia do empreendedorismo e quem teve relações formais com uma empresa, de modo geral, não compreende o papel da organização sindical coletiva. “Há a percepção do estado como inimigo, uma aceitação da ideia de que basta a vontade individual ou esforço próprio para vencer no mundo. Existe a ideia do sucesso como recompensa do esforço individual ou até mesmo da força divina. Bolsonaro expressa esse conservadorismo na compreensão religiosa e esse liberalismo extremado do ponto de vista econômico, eis o motivo da adesão ao projeto dele”, analisa.
 

Edição: Camila Garcia