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Belchior revivido na interpretação sensível e singular de Silvero Pereira

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Silvero Pereira construiu diversos momentos de interação com o público com falas potentes que mesclavam a sua história, a de Belchior e a nossa mesma - Foto: Guilherme Silva
Vivemos uma hora de uma profunda catarse. Todo mundo se emocionou, chorou, sorriu e cantou.

No último dia 16 de outubro, em meio ao caos que alguns tentam instaurar nas eleições brasileiras, vivi um momento de prazer, esperança e beleza. Silvero Interpreta Belchior é uma das coisas mais potentes que assisti este ano. Não por ele ser um cantor excepcional, não é sobre isso, pois como ele mesmo fala ele é ator e ali ele faz um tributo pessoal sobre sua relação com um dos maiores artistas brasileiros do final do século passado, nosso querido e contraditório Antônio Carlos Gomes Belchior que, por ventura, é um rapaz latino-americano parido no Ceará.

Em vários momentos me emocionei, tanto pela recepção do público que encheu as duas sessões realizadas no Cineteatro São Luiz, quanto pela interpretação e narrativa construída por Silvero Pereira. Além da simplicidade da produção.

Como grande ator e realizador de espetáculos que o Silvero é, construiu diversos momentos de interação com o público com falas potentes que mesclavam a sua história, a de Belchior e a nossa mesma, rompendo a distância que naturalmente existe entre o palco e a plateia. Coisas, por exemplo, sobre como nós, que somos do interior, e eu sou do Cariri, as vezes lançamos voos para outras regiões ou para a capital atrás de nossos sonhos, de melhorias em nossas vidas, mas como nossa terra nunca nos deixa e que está sempre de portas abertas para nos receber de volta, pois temos para onde voltar, temos nossas casas que nunca deixam de ser nossas casas, diferente de pessoas que nascem nas selvas de pedra e poder de nosso Brasil, que vivam o que viver não tem para onde voltar.

Eu ainda completaria que para esses sujeitos e sujeitas, talvez o caminho seja migrar para o Nordeste do país ou talvez para o Norte e viver as delícias, não sem contradição é claro, que nossas regiões proporcionam na vida de uma pessoa. Mas não quero ser separatista ou ufanista, não creio nem no “Ame-o ou Deixe-o” que tentam reintroduzir por aqui ou no “só nós somos legais e maravilhosos”, mesmo que o Sul, o Sudeste e o Centro-Oeste teimem em insistir em figuras que agem contra o Brasil. Nós seguiremos teimando na esperança de sermos felizes de novo e o show de Silvero é sobre isso também.

Outra surpresa positiva foi como foi montado o repertório, que passou por músicas famosíssimas, mas também por músicas desconhecidas, para os que não são grandes fãs do Belchior ou que são jovens demais e talvez desinteressados demais para conhecer bem o ícone cearense. Maravilha é ver como o Bel é reoxigenado na cultura brasileira ao ser interpretado por um dos expoentes da atuação no país, que recoloca a melancolia, a alegria e a crítica social das letras em voga mais uma vez.

Podemos notar também uma peculiaridade de quem vem de trabalhos coletivos como é, sobretudo, o teatro brasileiro realizado por diversos artistas em início de carreira ou que mesmo estando a anos trabalhando e com espetáculos incríveis nos seus repertórios não conseguem se consolidar no difícil cenário cultural de nossa nação, como foi a trajetória de Silvero Pereira com a Inquieta Cia. de Teatros e o Coletivo Artístico As Travestidas, os quais ele fundou em Fortaleza e atuou anos.

A peculiaridade em questão é a forma como ele apresenta toda sua equipe e como ele politiza sua montagem. Já no início do show Silvero faz uma pausa e apresenta cada uma das musicistas e o musicista que lhe acompanham em cena, que diga-se de passagem, garantem lindos arranjos para as músicas apresentadas e backing vocals de uma beleza sem igual. A produção é por conta da Peixe-Mulher, de Luana Caiubi e Renata Monte, que também faz a assessoria de imprensa. A banda foi composta por Caio Castelo na guitarra, Rochanna Farias no sax, Joana Lima no teclado, Dândara Marquês no baixo, Vladya Mendes na bateria e Naiara Lopes na técnica de som. Silvero faz questão de demarcar a maioria de mulheres e LGBTQIAPN+ em sua equipe, faz questão de demarcar que esses corpos também podem atuar na arte, que contraditoriamente ao que o senso comum pensa também é um lugar marcadamente masculino, branco, cis e hétero. Por isso a importância da posição do artista que rompeu tantas barreiras para estar onde está hoje. Rolou ainda uma participação especial da cantora Daniella Campelo, nossa conterrânea e cantora de forró das antigas.

Vivemos uma hora de uma profunda catarse. Todo mundo se emocionou, muita gente chorou, outros sorriram e todos cantamos nossas músicas preferidas com a banda que deu seu nome. Obrigada Silvero, obrigada toda a equipe em nome da Peixe Mulher e obrigada ao Cine São Luiz por sediar essa preciosidade. Vida longa ao povo que se desafia fazendo arte.

*Lívio Pereira é trabalhador da cultura e militante social, escreve para o BdF há mais de um ano.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Francisco Barbosa