Ceará

Eleições 2022

Entrevista | “O povo cearense reconheceu e retribuiu elegendo um filho da luta ao Parlamento”

Deputado estadual eleito, Missias do MST falou com o Brasil de Fato sobre o a população pode esperar de seu mandato.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

Ouça o áudio:

O candidato recebeu 44.853 votos na primeira eleição em que o MST lançou candidaturas próprias. - Foto: Reprodução/Redes Sociais

Manuel Missias Bezerra, também conhecido como Missias do MST, se tornou o primeiro deputado estadual representante do MST eleito no Ceará. O candidato recebeu 44.853 votos na primeira eleição em que o MST lançou candidaturas próprias em diversos estados brasileiros. O deputado eleito falou com o Brasil de Fato sobre suas bandeiras de luta, o que esperar do seu mandato e como foi realizada a sua campanha nas eleições 2022. Confira. 

O que representa a sua eleição para o MST, para a sociedade e para a política no estado do Ceará?

Primeiro, a nossa candidatura representa esse crescimento de um movimento popular como o MST, que luta pela terra, luta por reforma agrária, por justiça social, que vem aí das lutas com os campesinos mais pobres, mais desfavorecidos, mais miseráveis – vamos dizer do ponto de vista das condições – e hoje a gente ter aqui no Ceará 24 mil famílias assentadas, eu tenho muita alegria em fazer parte dessas famílias do MST. Hoje a gente poder chegar, representar o nosso povo na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, isso demonstra uma grande conquista da classe trabalhadora cearense, especialmente do MST.

Eu que vim de acampamento do MST, dois anos acampado de baixo da lona preta, depois, desde os meus nove anos de idade estou na militância do MST e hoje temos a alegria em ter tido garantido aqui no Ceará uma candidatura, que a gente chamou de candidatura em movimento para ocupar o Parlamento, e pela primeira vez o MST ocupa, em 33 anos no Ceará, o Parlamento cearense. Na votação onde nós tivemos 182 dos 184 municípios, onde a nossa votação teve um êxito muito importante. A gente está muito feliz.


"Nós queremos reafirmar que o mandato terá a cara do povo, terá a cara daquilo que nós acreditamos", Missias do MST. / Foto: Yuri Juatama

E como foi a escolha do seu nome para as Eleições 2022? Você já pensava em se candidatar em algum momento?

O MST Ceará sempre participou das eleições no Ceará por entender que esse é um processo importante da política partidária, porém, nós apoiamos candidatos e nós não tínhamos a pretensão de lançar nenhum candidato. Apesar do MST Nacional estar fazendo esse debate nacionalmente, mas aqui no Ceará nós tínhamos um candidato, que é o nosso atual governador, o Elmano Freitas, que era o nosso deputado estadual, que foi advogado do MST, e que por muito tempo militou no MST. Foi uma grande alegria para nós ter elegido Elmano no primeiro turno e o Elmano nos convidou, o MST, para que a gente pudesse assumir a vaga a qual ele não poderia representar. O MST dialogou internamente, depois dialogou com os movimentos que compõem hoje a nossa candidatura no Ceará, que foi uma candidatura dos movimentos e não apenas uma candidatura do MST.

Aqui nós tivemos a alegria de caminhar junto com o Levante Popular da Juventude, o Movimento Brasil Popular, os indígenas, os quilombolas, os pescadores, os povos de terreiros, os ciganos, a juventude, as mulheres, LGBTQIA+, então foi uma candidatura muito bonita. Uma candidatura em que todos abraçaram e fizeram uma bonita campanha. Portanto, é o resultado de tudo isso, a junção das pautas das lutas dos nossos movimentos.

E como é que você define a sua campanha nessas eleições?

Eu defino a minha campanha como nós chamamos, uma campanha em movimento para ocupar o Parlamento, porque todos nós sabemos que as elites cearenses, como a do Brasil não querem que um filho de camponês, um Sem Terra, especialmente do MST ocupe esses espaços. Então a nossa candidatura vem para romper a cerca da ignorância, a cerca como nós sempre ocupamos na luta do MST e nós defendemos ocupar mais esse espaço, o Parlamento.

Então a nossa candidatura veio com essa vontade de eleger o primeiro Sem Terra da reforma agrária no Parlamento cearense, em que tivemos em toda nossa campanha uma adesão muito grande de professores, intelectuais, padres, pastores, jovens, mulheres, todos os segmentos da sociedade aderiram a nossa candidatura por entender de que o movimento precisaria estar representado, por isso que foi tão importante. Foi muito linda a nossa campanha. Uma campanha animada, uma campanha mistificada com toda a nossa militância, fizemos muito trabalho de base. Uma candidatura sem estrutura, sem dinheiro, sem apoio de prefeitos. Foi com a garra da nossa militância. Foi muito prazerosa.

Dizer que foi o resultado da luta dos movimentos, do trabalho que os movimentos têm prestado no estado do Ceará, especialmente do MST. E agora a sociedade cearense reconheceu e retribuiu elegendo um filho da luta para assumir o Parlamento Cearense. Então é uma conquista coletiva. Até falo que não foi uma conquista minha, foi uma conquista de todos nós que acreditamos no Ceará melhor, no Brasil melhor, que acredita em uma sociedade mais justa e igualitária.

Missias, você acredita que a sua candidatura e eleição abrirá portas para as outras candidaturas do MST e de outros movimentos populares no estado?

Acredito que sim. Eu acho que nós estamos amadurecidos nesse debate da eleição partidária, tanto que o MST lançou vários candidatos e tivemos a alegria de termos em vários estados candidatos eleitos do MST. Então nós estamos iniciando, vamos ocupar esses espaços. Esse debate que estamos fazendo da importância das eleições, não só porque nós queremos eleger um parlamentar, mas porque nós estamos fazendo um debate para além da eleição. Nós estamos fazendo um trabalho de base para fortalecer as nossas organizações, fortalecer um projeto de sociedade, fortalecer o poder popular, e eu acredito que isso vai abrindo outros caminhos para outras lideranças do movimento e de outras organizações para que possam entender de que isso também é importante para que possamos nos fortalecer.


Produção orgânica, vinda diretamente de assentamentos do MST no DF e Entorno, pode ser encontrada no Armazém do Campo de Brasília / Matheus Alves

Na corrida eleitoral deste ano vimos candidatos criminalizarem o MST nas propagandas eleitorais e você, como um candidato que leva o nome do Movimento, como você recebeu essas falas?

Aqui no Ceará nós fomos bombardeados pelo ex-prefeito Roberto Cláudio e pelo Capitão Wagner, que eram os candidatos mais fortes a governador na disputa com Elmano, nosso hoje governador do PT. Então tentaram em todo momento colocar na imagem do MST que nós éramos baderneiros, que nós éramos terroristas para tentar queimar a imagem do governador Elmano, mas parece que foi o contrário, por toda a relação política que MST tem hoje com a sociedade cearense.

Para nós, não foi estranhamento, porque nós do MST aprendemos na nossa vida militante e porque em toda a nossa vida nós fomos bombardeados pelas elites. Eu sempre dizia, e digo até hoje, que jamais a elite cearense ia aceitar um filho que um Sem Terra, que vem dos porões da casa grande, tenha oportunidade de ir em uma candidatura e ser eleito deputado estadual. Porque nós representamos não só um indivíduo, nós representamos uma ideia, nós representamos um projeto, nós representamos um sonho de construir uma sociedade socialista, igualitária, sem preconceito, sem fome, sem miséria e, acima de tudo, defendendo um projeto, acima de tudo defendendo um país melhor, um estado melhor, e para isso nós vamos lutar com todas nossas forças para que nossas ideias e o nosso projeto sejam respeitados e que a gente possa avançar o máximo possível dentro daquilo que a gente acredita.

Gostaria que você falasse quais são as suas principais propostas?

Na verdade, a nossa principal proposta é ter um mandato, como eu falei no início, um mandato popular, um mandato que tenha nele a representatividade dos movimentos do campo e da cidade, que tenha representatividade das nossas pautas e que represente o desejo do povo mais pobre do estado do Ceará. Por tanto, nós temos que representar todas essas bandeiras de luta, que hoje muitas delas são invisibilizadas, muitas delas são injustiçadas e muitas vezes não tem oportunidade de ser vista. Então nosso mandato vai ser para abrir portas e abrir caminhos.

E o que as pessoas podem esperar do seu mandato?

Primeiro um mandato leal. Leal à nossa história, à nossa luta, àquilo que dizemos em campanha, àquilo que nosso movimento diz a cada dia. Nós queremos reafirmar que o mandato terá a cara do povo, terá a cara daquilo que nós acreditamos, e que nosso mandato, em nenhum momento vai dar as costas para as pautas de lutas, para as organizações. Vamos esperar que nosso mandato abra as portas para as pessoas, principalmente para aquelas que estão desacreditadas, aquelas pessoas que estão desorganizadas, aquelas pessoas que estão desesperançadas. Que a gente possa acolher, que a gente possa organizá-las nas suas organizações para que elas possam também ser vistas, para que elas também possam ser ouvidas, para que elas possam também ser atendidas nas suas necessidades. Eu acho que é isso que nós temos que fazer e o que nós vamos fazer nos quatro anos do nosso mandato: construir, abrir e dialogar.

Para receber nossas matérias diretamente no seu celular clique aqui.

Edição: Camila Garcia