Ceará

VOLTOU ATRÁS

Comunidade acadêmica pressiona e governo recua nos cortes na educação superior

Só no Ceará, pelo menos R$ 3 milhões deixariam de chegar nos cofres das universidades e institutos

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
A Educação é a área mais atingida pelos cortes orçamentários desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PL). - Foto: Felipe Alves

O Ministro da Educação, Victor Godoy, anunciou em suas redes sociais que o Governo Bolsonaro recuou da decisão de bloquear os recursos no valor de R$ 328 milhões destinados às Universidades e Institutos Federais em todo o país. O anúncio de mais um corte no orçamento do Ministério da Educação (MEC) do governo de Jair Bolsonaro (PL) causou revolta e muitas mobilizações de docentes e discentes em todo o país.  Associações e sindicatos ligados à educação superior federal no Ceará realizaram plenárias na capital e interior nos últimos dias para debater os impactos diretos nas Universidades e Institutos Federais no estado. Só no Ceará, pelo menos R$ 3 milhões deixariam de chegar nos cofres das universidades e institutos, impactando diretamente no funcionamento das instituições públicas.

A Universidade Federal do Cariri (UFCA) chegou a emitir nota informando que o bloqueio imediato de quase R$ 916 mil comprometeria o pagamento de receitas básicas. “Esse bloqueio afetará despesas discricionárias (que dependem de avaliação de gestor) planejadas ou comprometidas, com consequências que poderão inviabilizar o funcionamento da Universidade”, diz o texto. A Universidade Federal do Ceará (UFC), que tem à frente o Reitor Cândido Albuquerque, escolhido pelo Presidente Bolsonaro, mesmo tendo sido o menos votado pela comunidade acadêmica em 2019, minimizou, em nota, os efeitos do corte e não chegou a informar o valor que seria bloqueado na instituição. Para a Unilab, (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) o bloqueio seria de quase R$ 2 milhões. 

Apesar do recuo do governo, os últimos cortes no orçamento da educação, deixaram um sentimento de preocupação e revolta entre aqueles que vivem a realidade das Universidades.  “Como o interventor não dá nenhuma transparência sobre os repasses, o clima é nebuloso. Preciso da bolsa e não sei como vai ficar, preciso de auxílio moradia e não sei se vou conseguir. Tiraram o suco dos restaurantes universitários, enfim, a sensação é de terrorismo. Minha família vem da pobreza e eu, meu irmão e meus primos conseguimos entrar na Universidade graças às políticas afirmativas dos governos do PT. É desesperador porque não sabemos se vamos finalizar o curso depois de todos esses anos na faculdade”, relata a universitária Rafaela Teixeira do curso de designer da UFC e integrante do Centro Acadêmico.

Na noite desta quinta-feira (8/10), O Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC-Sindicato), soltou uma nota repudiando o bloqueio. “A redução do orçamento, ano após ano, em conjunto com a baixa execução orçamentária e com os contingenciamentos, tem prejudicado o funcionamento das universidades, institutos federais e Cefets", consta no documento.

Preocupações e desafios na Unilab

Desde os primeiros cortes anunciados pelo governo Bolsonaro, o dia a dia da Unilab é tomado por redução de serviços e demissões de terceirizados. “Esses cortes que já vinham acontecendo afetou em tudo aqui. A frota do transporte universitário já diminuiu e deixou o deslocamento precário, já que estamos em duas cidades. No curso de agronomia, que chegou com uma proposta diferente dos outros cursos de agronomia do Brasil, pois é voltado para agricultura familiar e às práticas extensionistas, nossos pedidos para aulas de práticas agrícolas estão sendo negados cada vez mais por falta de verba, e sem essas práticas, nosso curso perde a identidade”, relata Matheus Felipe que está no último semestre do seu curso na Unilab.

O clima de incerteza também envolve a formação de Rodrigo Paulino, aluno do décimo semestre de agronomia da Unilab. De acordo com o universitário, muitas turmas estão sendo prejudicadas em cursos como farmácia, biologia e enfermagem. Ainda segundo o estudante, o Restaurante Universitário reduziu a quantidade de alimentos e as filas dobram o quarteirão, especialmente à noite, quando funcionam dois dos três restaurantes do campus. “É assustador demais, pra mim como discente da Unilab que não tenho condições de me manter se não for com o recebimento do auxílio de permanência estudantil, ver os ataques deste desgoverno que olha a educação como sua maior inimiga. É muito triste e realmente me dá medo”, desabafa. 

Em 2022, a Unilab completou 12 anos de existência. Criada pelo ex-presidente Lula, ela foi instituída com a missão que envolve a formação de recursos humanos para o Brasil e países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), especialmente africanos, para a promoção do desenvolvimento regional e, ainda, o intercâmbio cultural, científico, educacional, dentre outras atribuições. Uma conquista resultado da luta dos movimentos sociais, principamente do movimento negro.

Com alunos do Brasil, Angola, Cabo Verde, Congo, Guiné-Bissau, Moçambique, além de Peru, Costa Rica, Cuba, Portugal, Itália e Alemanha, a Universidade trabalha na perspectiva de reparação histórica com os povos africanos. No site oficial, a instituição diz que “a Unilab é negra, indígena, quilombola e abraça todas as bandeiras e causas sociais que preconizam emancipação de grupos historicamente excluídos e invisibilizados''.

É com o desenvolvimento dessas pessoas, que a professora Mara Rita se preocupa. Ainda à frente da Pró-reitora de Políticas Afirmativas e Estudantis da Unilab, cargo que está em transição de entrega, a professora alerta para os prejuízos acumulados em virtude dos sucessivos cortes na educação superior. “Nossa prioridade é garantir as bolsas e os demais auxílios e o funcionamento do RU porque nós ainda temos recursos próprios. Mas estamos no limite do limite dos recursos institucionais”, ressalta a docente.

Projetos de acessibilidade foram afetados. O campus deveria passar por melhorias na infraestrutura para adequação aos estudantes com mobilidade reduzida, cadeirantes ou deficientes visuais. A construção do Laboratório de Tecnologia Assistiva e de Inclusão precisou parar. “Precisamos mais do que tranquilidade financeira para terminar o semestre, precisamos manter nossa Política de Inclusão e  Acessibilidade dos PCDs, e precisamos que o governo libere mais recursos para nós, pois nossa universidade tem o eixo de internacionalização, que não tem recebido recursos deste desgoverno,” relembra a Pró reitora de Políticas Afirmativas e Estudantis.

A preocupação também existe com o funcionamento básico da instituição. “A gente precisa pagar água, luz, funcionário. No início do ano já perdemos R$ 5,5 milhões de recursos e com isso tivemos que demitir, negociar contratos, reduzir o uso do transporte e das viagens para não afetar bolsas e o RU”, afirma Mara Rita.

Em 2022, os recursos destinados para as Universidades Federais giram em torno de R$ 5,6 bilhões. O valor é 12% menor do que em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. Em nota, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), se manifestou contra o novo bloqueio, afirmando que o corte colocaria em risco todo o sistema das universidades que já estava comprometido com os cortes feitos pelo governo em julho e agosto deste ano, em cerca de R$ 1 bilhão para as instituições federais. 

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Edição: Camila Garcia