Algumas famílias em cidades do interior do estado do Ceará vêm utilizando uma tecnologia social que a princípio pode soar de forma estranha, mas que possui diversos benefícios. O biodigestor, uma uma tecnologia social que possibilita a decomposição de fezes de animais para produzir biogás e biofertilizante de alta qualidade.
Ademir Ligório, coordenador de projetos do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador e à Trabalhadora (Cetra), explica que o biodigestor é uma tecnologia simples, um sistema dividido em três partes, onde tem um pequeno tanque feito de placa de cimento chamado de “alimentador” fica um pouco mais alto do que o segundo tanque que é chamado de “tanque de fermentação”, onde acontece o processo que as bactérias se multiplicam na ausência de oxigênio e produz vários gases, principalmente o gás metano, que é esse gás que é direcionado por meio de um sistema de cano PVC de 20 mm até o fogão a gás, e o terceiro tanque é chamado de “descarga”.
“Então a gente alimenta esse sistema pelo ‘alimentador’, ele fermenta nesse tanque maior que é a ‘câmara de fermentação’ e aí depois ele sai pela ‘descarga’ que é parecido com o ‘tanque alimentador’, mas um tanque menor, fica um pouco mais abaixo do nível do ‘tanque alimentador’ e lá esse esterco sai nessa descarga e já saí, inclusive, um material pronto para ser utilizado na horta, no quintal das famílias”, explica Ademir.
De acordo com o técnico, esse material que pode ser utilizado nas hortas e quintais das famílias consiste em um produto mais líquido, chamado de ‘chorume’. Ele pode ser dissolvido em água e misturado no momento de irrigação. Do biodigestor, também sai um material mais concentrado, mais pesado que já pode colocar diretamente nas plantas.
A digestão anaeróbica, que consiste num processo de decomposição de matéria orgânica por bactérias em um meio onde não há a presença de oxigênio, é o princípio ativo do biodigestor como explica Ademir. “O ‘tanque de fermentação’ é mais complexo. É um tanque maior e aí você tem uma caixa de fibra investida com a parte da boca virada para baixo que ela sobe desce em um eixo central, que faz quando fermenta esse material que foi alimentado, que foi colocado no sistema”. Ademir informa que o biodigestor pode ser com esterco fresco de bovinos, suínos, galinhas e de ovinos e caprinos. “Essas bactérias se alimentam e se multiplicam e produzem esse gás, e quando produz, essa caixa sobe, ela é a câmera que sustenta o gás, como se fosse o botijão de gás, e quando ela vai fermentando, essa caixa vai subindo, vai aumentando esse gás, e aí, quando a família aciona os registros, tanto o registro que fica acima da caixa da câmera que está guardado o gás e o registro fogão vai sair gás nas bocas do fogão a gás, e a família pode acionar a chama e preparar seus alimentos”.
A agricultora Márcia Maria Monte Silva, moradora da comunidade de Casa Forte, no distrito de Baracho, em Sobral, no Ceará é uma das beneficiadas pelo projeto. Ela recebeu o biodigestor em outubro de 2018, mas afirma que no início duvidava da sua potencialidade. “Eu não conhecia o biodigestor. O que eu senti quando soube que ia receber fiquei curiosa, né? Eu falava para o meu esposo: ‘isso vai dar fogo mesmo?’, até ele ria. Só acreditei quando vi e fiquei surpresa com a potência do fogo. Isso para mim foi uma surpresa grande, uma maravilha, porque eu não acreditava que esterco de animais poderia gerar gás, mas realmente gera”.
Ana Lima, agricultura, artesã, cozinheira e coordenadora executiva da Rede Cearense de Turismo Comunitário (Rede Tucum) é moradora da Comunidade de Caetanos de Cima, no Assentamento Sabiaguaba, no município de Amontada, no Ceará. Ela recebeu a tecnologia em outubro de 2021, quando o projeto chegou na comunidade através da parceria entre o Cetra e o Instituto Terramar, financiado pela Fundação Rosa Luxemburgo. Ana fala sobre o que mudou no consumo de gás com a chegada o biodigestor em sua casa. “Estamos no final do mês e o consumo de gás [butano] foi mínimo, muito pouco mesmo, porque o biodigestor tem a produção que ele é equivalente para sustentar uma família de quatro pessoas. Então aqui a gente usava e durava quinze dias, quando eram essas épocas de alta estação, que a gente recebia muita gente, um gás do fogão durava quinze, vinte dias, no máximo um mês quando vinha pouca gente, agora o gás dura. Você vai fazer aí as contas, dura mais de dois meses um botijão de gás aqui”.
Ana afirma que a chegada do biodigestor tem sido uma vitória, e que o dinheiro que usava para comprar gás, está sendo utilizado para complementar o dinheiro da compra da ração dos porcos que cria. Outra economia que a família está tendo é com o gasto em esterco. “O dinheiro que a gente comprava o gás, hoje ele é comprado a comida dos porcos, claro que com mais um pouquinho, porque a ração está muito cara, mas substituiu sim, a comida dos porcos. A economia que a gente teve do gás, a economia que a gente está tendo com a compra de esterco também diminuiu bastante e aumentou a tecnologia social, valorizou o quintal”.
De acordo com Ademir, o biodigestor possibilita maior autonomia para as famílias agricultoras, pois, elas conseguirem produzir o seu próprio gás para utilizar na preparação dos alimentos. “Com a alta do preço da cesta básica, com a alta do preço dos combustíveis, do botijão de gás muitas famílias da zona rural voltaram a cozinhar no fogão a lenha, e aí, quando você traz uma tecnologia social dessas para a família, ela volta a preparar seus alimentos no fogão a partir do gás metano que é produzido do biodigestor”.
Ademir afirma que a tecnologia social tem uma grande importância econômica. “O dinheiro que seria utilizado para comprar um botijão a família vai utilizar para comprar os alimentos, porque está tudo muito caro, assim como as que não utilizavam mais o fogão a gás pelo fato de o gás ter ficado caro e ela ter voltado a cozinhar no fogão a lenha. Agora ela para de cozinhar no fogão a lenha e volta a cozinhar no fogão a gás a partir do gás metano”.
O Cetra já construiu 916 biodigestores no Ceará.
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Esta matéria faz parte quadro “Do Campo à Cidade”, veiculado no programa de rádio Notícia popular e tem o apoio cultural da CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço e em Defesa dos Direitos Humanos.
Edição: Camila Garcia