A exploração ainda não começou oficialmente, mas o maior empreendimento de mineração de urânio do país já é alvo de denúncias de violação de direitos humanos e de risco de contaminação. O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a Plataforma Dhesca, também de direitos humanos, visitaram o município de Santa Quitéria, no Ceará, no início deste mês. O objetivo foi ouvir a comunidade local sobre eventuais violações decorrentes do projeto e realizar audiências públicas.
Rejane Mateus, Agricultora do Assentamento Queimadas, que fica há apenas 6 km da jazida, é quem fala sobre o medo das comunidades que poderão vir a ser atingidas. “O maior receio é a saúde humana, o impacto negativo que vai trazer para nós, as doenças, a poluição do ar, a poluição da água, a poluição do solo. Com isso, consequentemente, trará as doenças, tanto respiratórias como outras demais. Nós já temos um índice de câncer muito alto nessa região, isso com o ar natural que, então, nós sabemos que a partir do momento que for mexido esse índice [de radiação] do ar vai ser muito alto e, consequentemente, ele vai aumentar também as doenças’’.
A cacique Potiguara, Marinete Maciel, também demonstra preocupação. “A gente sabe que tem bastante gente que pode chegar a adoecer, a questão da nossa alimentação, dos bichos, a questão da natureza. Então assim, nós sobrevivemos disso, a gente já mora em interior, que não tem água, e aí a pouca água que a gente tem, se ela for ser contaminada’’, salienta a cacique, que soma forças na luta para barrar o projeto de mineração.
O projeto, proposto pela empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB), única empresa no país que tem permissão para extrair urânio, já passou por três processos de licenciamento ambiental que foram negados. Em maio deste ano, a mesa diretora do CNDH recebeu representantes do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Eles denunciaram a aprovação deste empreendimento voltado à exploração de urânio e fosfato a céu aberto, e que utiliza explosões. O movimento afirma que a mineração pode afetar diretamente as 156 comunidades rurais que vivem no entorno da jazida, além de 30 territórios de povos e comunidades tradicionais e cinco etnias indígenas.
Everaldo Patriota, conselheiro do CNDH é quem explica melhor o motivo da missão. “Nós recebemos a demanda do MAM, do Movimento Antinuclear, de toda a sociedade civil, dos atingidos, do conselho, e essa demanda chegou para nós com um parecer tão técnico, muito bem elaborado, do segmento da ciência e da academia aqui do Ceará, um parecer irretorquível. Submetido a análise técnica. Não há como se contrapor a ele, por isso que diante das gravidades ali apontadas, antes mesmo de ouvir os atingidos, a gente não teve dúvida em deliberar a missão”.
Erivan Silva, coordenador nacional do MAM, fala da importância de ouvir e dar voz aos diretamente atingidos pelo projeto. “Essa missão é superimportante porque esse caso de Santa Quitéria já tem, de fato, um histórico já de negação dos direitos humanos há algum tempo. Então esse momento é onde vamos juntar as comunidades tradicionais, as comunidades indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária, para que o Conselho Nacional escute, aqui das brenhas, dessas terras, o que é que eles estão sentindo desde o momento inicial quando o projeto Santa Quitéria chegou por aqui”, afirma.
Outro grave problema é o impacto que a exploração terá sobre o açude Edson Queiroz, praticamente a única fonte de água da região. É o que alerta Guilherme Zagallo, relator da plataforma Dhesca. “A preocupação deles é absolutamente legítima. O consumo do projeto Santa Quitéria é de 8 milhões de metros cúbicos de água por ano. As outorgas, já concedidas para o açude Edson Queiroz, são de 14,6 milhões de metros cúbicos de água por ano. Em 2016 e 2017, o açude teve, por problemas de seca, um nível muito baixo, da ordem de 24 milhões de metros cúbicos, ou seja, somadas aí, se já estivesse em funcionamento, as demandas já existentes com o fornecimento para cá, para o projeto, no final do ano, não haveria água. Ou as pessoas ficariam sem beber água ou a exploração da mina e beneficiamento do minério e do urânio teriam que ser interrompidos”, afirma. E pontua ainda. “Me parece que o momento é de preocupação e deveria ser de reavaliação’’.
E os prejuízos trazidos pelo projeto, não param por aí, e nem atingem só quem vive nas proximidades, como aponta Everaldo. “Ele [o projeto] não envolve só quem está lá perto. Se houver uma contaminação na nascente daqueles rios, rios importantes para o equilíbrio hidrológico do estado do Ceará serão atingidos. Vai ter a fuligem, não tem explosão sem fuligem, pode ter contaminação das águas, pode ter chuva ácida - dependendo dos gases que vão ser vaporizados -, então há todo um impacto ambiental ainda não dimensionado”, defende.
Entramos em contato com a INB. Sobre as possíveis violações e os perigos da extração de urânio, o consórcio Santa Quitéria esclarece que trabalhará com o urânio na forma como é encontrado na natureza, que tem como característica a baixa emissão de radiação que, segundo a empresa, não é prejudicial à saúde. A nota também ressalta que adota medidas de segurança no beneficiamento e no transporte do minério. Por fim, o consórcio afirma ainda que não há terras indígenas homologadas ou comunidades quilombolas nas áreas de influência do projeto Santa Quitéria, e que tem discutido o projeto com a sociedade civil.
Como parte da missão, após a visita, foi realizada ainda uma audiência pública com a sociedade civil e autoridades para debater o problema. Da missão, será expedido um documento que tem como objetivo tentar barrar o processo de licitação que poderá dar início a extração de minério na região.
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Edição: Francisco Barbosa