O Ceará tem 998 candidaturas válidas para as eleições deste ano e apenas 10 são de jovens entre 20 e 24 anos. Se esticarmos a juventude até os 29 anos, esse número sobe para 41 candidaturas, uma média de 4% do total de candidatos. Apesar da pouca representatividade no pleito, especialistas apontam que o descrédito da juventude é no político e não na política.
A pesquisadora Celecina Veras Sales, professora dos programas de pós-graduação em Educação e Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), há anos estuda a relação da juventude com a política. “Para incentivar os jovens é preciso entender que a política é muito maior do que o partido. Eles precisam aprender no movimento estudantil, com movimentos sociais, participando de debates e buscando sua identidade. Na minha época, aprendi com o movimento pastoral que alimentava muito essa participação. Se candidatar é um segundo passo, muito maior, consequência desse interesse que deve ser estimulado”, explica a pesquisadora.
Mari Lacerda é candidata pelo PT para ser a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa do Ceará (ALCE) e conhece bem o poder de transformação dos movimentos sociais na vida dos jovens. Ela é uma mulher negra, bissexual, moradora da Parangaba, militante antirrascista e feminista que sempre atuou em associação de moradores. Tem na mãe, a referência para participar de debates políticos, até colaborar com o Orçamento Participativo de Fortaleza, atuar na União Nacional dos Estudantes (UNE) e se envolver com a política partidária. “Eu acredito na possibilidade real de transformação da sociedade por meio da luta coletiva, para que sujeitos como eu parem de sofrer com diversas opressões todos os dias”, defende Mari.
A cientista social e mestranda em Sociologia diz ainda que é preciso credibilizar a juventude para que ela possa ser vista como capaz de participar de grandes debates. “Temos um conjunto de pautas urgentes e emergentes ditadas contra a juventude pelo atual governo. Muitos jovens não conseguem estudar ou chegar ao mercado de trabalho. A juventude negra, especialmente, tem sido vítima de um genocídio ou pelo braço armado do estado ou pelas facções. A polícia sabe nosso endereço certinho, mas as políticas públicas não batem com facilidade na nossa porta,” ressalta Mari.
Juventude conectada para debater política
Foi a internet quem livrou o artista, agitador cultural e influenciador digital, Léo Suricate da rota do crime. Léo ganhou reconhecimento no Ceará a partir de seu trabalho nas redes sociais com a página de humor Suricate Seboso e a co-criação do selo audiovisual Vetinflix, com conteúdo produzidos da periferia para a periferia. O acesso gratuito à internet, inclusive, é a mais importante proposta do candidato a deputado estadual pelo PSol, o único a promover o debate público sobre o tema. “As eleições de 2018 foram um grande exemplo da força das redes sociais tanto para o bem quanto para o mal, e a internet passou a ter papel fundamental na política porque virou palco para grandes debates populares, e a juventude está nas redes recebendo essas influências. No caso do jovem da periferia, a internet é muitas vezes o único espaço para ele debater. Então, temos que ficar atentos ao uso dessa ferramenta como vetor social”, acredita Léo, que também traz como principais pautas o combate à fome, o direito à moradia e os territórios de cultura.
Mari e Léo fogem da tradição nepotista do Brasil que dificulta a renovação na política, tratada muitas vezes como negócio de família, especialmente em partidos de direita e centro-direita. Com sobrenomes de peso e o envolvimento de velhos caciques políticos, é comum a formação de pequenas oligarquias. Embora na política haja espaço para todos, e cada vez mais surjam candidaturas jovens dispostas a quebrar as estruturas arcaicas que nos movem como país, a missão é dura para quem leva em conta os interesses da maioria da população, como analisa a antropóloga, mestre em antropologia social, Izabel Accioly. “Ter tempo e disposição para fazer política institucional é algo mais difícil se a pessoa é periférica negra e está lutando para pôr comida no prato e voltar viva para casa. Mas nos seus territórios e movimentos sociais, sempre tivemos jovens negros da periferia, especialmente mulheres, fazendo política e reivindicando seus direitos em várias esferas”, afirma a especialista.
Juventude como sujeito das transformações sociais
Outra candidatura que desponta tendo como base a política para a juventude é a do candidato a deputado federal pelo PDT, Júlio Brizzi. Advogado, eleito deputado estadual em 2018, já foi vereador, ex-presidente do Conselho Estadual de Juventude do Ceará, do Diretório Central dos Estudantes da UFC, entre outros cargos ligados à juventude. Júlio desenvolveu um importante trabalho de disseminação dos Cucas, como política de juventude em rede e foi autor do Projeto Bolsa Jovem, que transfere renda para que jovens periféricos do esporte, da cultura e do protagonismo social possam desenvolver suas habilidades com dignidade. “Fortaleza tem 1 ⁄ 3 da população de jovens e o Ceará tem muito mais. Estamos vivendo um momento histórico porque no país inteiro nunca tivemos tantos jovens como agora e nunca mais teremos e eles precisam de acolhimento e inclusão. É uma massa de gente que tem necessidades específicas por suas condições biológicas e sociais que o Estado tem que prover com educação, esporte, trabalho, o direito a ser feliz e a viver em segurança,” destaca o candidato.
O jovem sempre foi agente relevante nas transformações políticas e sociais. A participação dos jovens na vida política de um país é de suma importância para a oxigenação da democracia e para a pluralidade nos debates. Em 2013, essa massa crítica se organizou contra o aumento da tarifa do transporte público. Em 2016, foram eles que ocuparam escolas e universidades pelo país contra a PEC 241 que congelava os gastos em saúde e educação e contra o governo golpista do Temer. Em 1992, os jovens caras-pintadas tomaram as ruas e exigiram o impeachment de Collor. Em 1998, eles lutaram pelas “Diretas já”. Nos anos de chumbo, pós-golpe militar de 1964, o movimento estudantil enfrentou perseguições e mortes.
Agora, iremos enfrentar, em meio a um cenário polarizado, uma das mais difíceis eleições dos últimos tempos, com uma enxurrada de escândalos, corrupções e fake news com a campanha eleitoral se concentrando no ambiente digital. De acordo com o TSE, são 2.116.781 eleitores e eleitoras, entre 16 e 17 anos aptos a votar. Em comparação a 2018, houve um aumento de mais de 51%. A estudante Beatriz Dutra, de 17 anos, encara sua primeira escolha nas urnas e ela vai seguir o coração: “Rejeito essa política que se diz inclusiva, mas não protege a população Negra, indígena, LGBTQIAP+ ou pobre. Não quero enterrar meus amigos ou consolá-los pela morte constante do povo deles. Vou votar logo porque acredito que é possível, mas estamos só começando a virar esse capítulo”, afirma.
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Edição: Camila Garcia