Ceará

Eleições 2022

Quais as propostas dos principais candidatos ao governo quando o assunto é a questão hídrica?

Planos debatem abastecimento, mas não abordam conflitos ambientais e disputas por água no Ceará

Fortaleza, CE |
Perímetro Irrigado na Chapada do Apodi/Limoeiro do Norte - Arquivo MST

A memória da seca e o medo da falta d’água são preocupações que sempre rondam o eleitorado cearense, com as crises climáticas dos últimos anos, porque não dizer eleitorado brasileiro. Questões políticas e administrativas que atravessam diferentes esferas governamentais transformaram a pauta hídrica em um dos grandes desafios dos candidatos às chapas majoritárias no país.  No Ceará, dados divulgados em março deste ano pelo Instituto Trata Brasil, apontam, por exemplo, que em Fortaleza e Caucaia, os dois maiores municípios do estado, respectivamente, 77,27% e 62,9% da população possui abastecimento de água.

A boa quadra chuvosa deste ano deixou mais de 40 açudes sangrando e outros 10 com armazenamento superior a 90%. Apesar do aporte ser considerado o melhor dos últimos 13 anos, é permanente a escassez hídrica no estado e é a gestão desses recursos hídricos que vai garantir o abastecimento do Ceará para os próximos dois anos. Mas a crise hídrica não se resume à falta irregular de chuvas. As mudanças climáticas, a falta de saneamento básico, o descarte irregular de resíduos sólidos, o uso da água nas usinas termelétricas, a falta de incentivo para uso de fontes alternativas de energia, e o desmatamento ambiental formam um grande bloco de dificuldades para a atuação governamental.

O território do Ceará está majoritariamente inserido no Semiárido Brasileiro. Os debates sobre acesso e uso da água são centrais para a população. Por isso, o BDF analisou as propostas dos três principais candidatos ao governo do Ceará nas eleições de 2022, com relação à gestão dos recursos hídricos.

De acordo com seu plano de governo, o candidato pelo PDT, Roberto Cláudio, pretende “Garantir segurança hídrica para todos, tendo a água como direito e insumo estratégico para o desenvolvimento sustentável”. No documento, Roberto Cláudio destaca o legado hídrico do Ceará, como referência no Brasil e aponta algumas obras como a construção do açude Castanhão e o primeiro trecho do Cinturão das Águas do Ceará, fundamental para garantir o abastecimento hídrico da região do Cariri. O ex-prefeito de Fortaleza, coloca como desafio conciliar a garantia do acesso à água como direto, com o uso da água como insumo para o desenvolvimento. “No nosso Governo, buscaremos a universalização do acesso à água para as populações, como prevê o novo Marco do Saneamento. Além disso, queremos que o Estado do Ceará amplie a garantia e a segurança hídrica e o acesso à água como direito, ao tempo em que consiga liberar os reservatórios para trabalhar, principalmente, como insumo para produção e para o desenvolvimento sustentável”, ressalta.

O candidato Elmano Freitas (PT) apresenta, em seu plano de governo, uma série de ações para ofertas alternativas e conservação da água, da energia e de proteção ao patrimônio geológico, dando continuidade aos Planos Fortaleza 2040 e Ceará 2050. “O governador Camilo Santana enfrentou uma das piores secas da história do Ceará. Em outros tempos, era comum haver saques em cidades do interior, grandes ondas migratórias, mas essa realidade mudou por conta das políticas públicas para enfrentar esses períodos mais difíceis e conviver melhor com a seca. Já tivemos excelentes resultados, mas precisamos avançar ainda mais nessas políticas. Nossas propostas dialogam diretamente com esses avanços”, ressalta Elmano.

O plano considera “parcerias público-privadas para reuso e combate às perdas de água, nas usinas de dessalinização, sifões para o transporte da água e a transposição do Rio São Francisco, garantindo água para o consumo das pessoas e para o desenvolvimento de atividades produtivas”. De acordo com o documento, o Plano busca “melhorias na convivência com o semiárido, por meio de políticas integradas e de uma gestão proativa das secas, orientadas pelo que foi definido no Pacto das Águas e Pacto pela Convivência com o Semiárido”. Em outra diretriz, Elmano garante a “Proteção, recuperação e valorização do meio ambiente nas cidades e territórios rurais, com ênfase na preservação das áreas de proteção ambiental, mitigação dos impactos das mudanças climáticas, sobretudo no território do semiárido, com gestão eficiente de recursos hídricos e combate à desertificação”.

Sobre a questão do abastecimento, o candidato do PT, garante reforçar a Política Estadual do Ceará e buscar investimentos visando assegurar o acesso universal aos serviços, previsto no Novo Marco Legal do Saneamento Básico, como forma de garantir mais saúde e qualidade de vida para a população, além de preservação ambiental.

O candidato Capitão Wagner (União Brasil) garante, por meio do seu plano de governo, um meio ambiente sustentável e uma adequada infraestrutura de saneamento e abastecimento de água, além da transição energética no Ceará. Wagner fala em ampliar a distribuição de água e coleta de esgoto na capital e no interior, implantando um Programa de Gestão Estratégica da Água, de modo a reduzir os custos da Cagece e consequentemente, diminuir os preços cobrados juntos ao consumidor. “É fato que o desperdício que acontece hoje na distribuição de água no Ceará é um dos maiores do Brasil. Por isso, a gente precisa implementar um programa para reduzir os custos da Cagece, utilizando tecnologias e sensores para reduzir o vazamento de água, o desperdício e melhor utilizar nosso recurso hídrico”, defendeu Wagner. O candidato destacou que 94 dos 184 municípios cearenses têm até 5% das casas com ligação de esgoto e que tem o objetivo de “ampliar o saneamento e abastecimento de água e garantir água potável nas residências para garantir a saúde das pessoas”, finalizou.

Propostas não mencionam desafios ambientais


Indígena Anacé olhando para a Lagoa do Cauípe que fica em seu território, de onde não lhes é permitido retirar água, enquanto seu povo não tem acesso ao abastecimento de água. / Francisco Barbosa

Nenhuma das propostas aprofunda a política hídrica ou explica, de fato, como serão implementadas as ações que qualifiquem a governança da água no Estado. Tão pouco, abordam as questões ambientais mais debatidas em 2022 no Ceará, como por exemplo, as consequências das obras de desassoreamento e dragagem na Lagoa do Cauípe. Lá a luta do Povo Indígena Anacé é contra a retirada da água do Lagamar do Cauípe para abastecer o Complexo Industrial Portuário do Pecém (CIPP), enquanto muitas residências de povos originários sequer tem abastecimento. “Não nos surpreende que a questão hídrica no Cauípe não esteja nos planos de governo desses candidatos. Nenhum deles nunca no procurou para conversar sobre nossa luta. Seguiremos aqui lutando pela nossa mãe terra, nossa água sagrada e nosso povo”, lamenta a liderança indígena, da AIPAPC (Associação Indígena do Povo Anacé da Aldeia do Cauípe), Marcelo Anacé.

Outra pauta não contemplada nos planos de governo, diz respeito as bandeiras defendidas pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e os impactos de grandes obras como a transposição do Rio São Francisco. No Ceará, os atingidos reivindicam uma política de segurança para as famílias impactadas no Maciço de Baturité e na região do Cariri. Vale lembrar que em agosto de 2020, o rompimento em um duto na parede da Barragem de Jati, ocasionou a evacuação de mais de 2 mil pessoas e intensificou o medo e a insegurança nas inúmeras famílias que vivem abaixo dessas obras na região. Já em fevereiro de 2021, o rompimento de uma tubulação na barragem de Atalho, em Brejo Santo, matou três trabalhadores que realizavam testes no sistema de barragens.

O doutor em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), Leandro Cavalcante analisa como fundamental que o debate sobre a água esteja como prioridade nas agendas de campanha. “Os planos revelam distintas concepções acerca do uso e da gestão da água e não consideram a quantidade e intensidade de conflitos pela água que observamos no Ceará. Muitos desses conflitos são gerados em decorrência da política hídrica vigente no estado e da matriz produtiva hidro intensiva caracterizada pela presença de grandes indústrias e de empresas do agronegócio, que consomem diariamente significativas somas de água, o que agrava ainda mais a injustiça hídrica marcada pelas desigualdades históricas no acesso à água em território cearense”, ressalta o especialista.

Saiba Mais

O povo indígena Anacé habita, há centenas de anos, às margens do Lagamar do Rio Cauípe, localizado entre Caucaia e São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Fortaleza. Os povos originários foram citados em documentos escritos por Padre Antônio Vieira no século XVII.  Em 1995, com a construção do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), as famílias indígenas sofreram com a ameaça de desapropriação daqueles que sobreviviam principalmente da pesca e da agricultura. Em 2018, 163 famílias foram remanejadas dos seus territórios dando espaço para a Refinaria Premium 2, da Petrobrás. A divisão rachou a etnia que hoje se divide em dois grupos. 25 famílias que se recusaram a sair das suas terras, resistem na luta pela preservação do ambiente. 

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Edição: Camila Garcia