A assinatura de um contrato de gestão entre a Rádio Universitária FM (RUFM) e a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que retiraria boa parte da autonomia da emissora ligada à Universidade Federal do Ceará (UFC), foi negada pela Coordenadoria de Comunicação da UFC. Segundo o comunicado enviado pela assessoria, nesta quinta-feira, 30, seria realizada “uma visita de cortesia” da EBC à UFC, “sem previsão de nenhuma assinatura de convênio durante o encontro”, define. No entanto, levando em consideração as questões levantadas pelos servidores que atuam na RUFM, a UFC cancelou a reunião.
A visita prevista e a assinatura de um acordo serviriam, segundo carta de protesto publicada pelos servidores da RUFM, como fonte de submissão da rádio à EBC. Conforme a publicação, seria apresentado à Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC), gestora da emissora, o contrato considera a RUFM como uma mera retransmissora de conteúdos estabelecidos pela EBC e despreza a linha editorial da própria Rádio Universitária FM 107,9. “Acreditamos que o instrumento foi feito sob medida para emissoras cujo sinal pertence à EBC, o que não é o caso da Rádio Universitária FM 107,9”, informa o comunicado.
Diretor da Rádio Universitária durante 15 anos, presente desde o nascimento da emissora, há 40 anos, o professor Nonato Lima avisa que o contrato prevê uma censura à rádio. A retransmissão pela RUFM de conteúdos da EBC já estava em negociação desde o governo do presidente Michel Temer, mas que nunca tinha seguido adiante. Já no governo de Jair Bolsonaro, houve a chegada de uma proposta mais prejudicial à programação local. Isso numa situação em que a direção da FCPC já vinha tentando impedir de se tocar “músicas de macumba”, referindo-se à programação voltada à música afro nos programas sobre canções brasileiras.
“Parte da nossa cultura tem a ver com umbanda, com espiritismo. Outra parte com o candomblé, com o cristianismo. Não trabalhamos com preconceito religioso. Foi uma discussão muito tensa. Eu não me curvei”, conta. O professor conta que, já prevendo que algo poderia ocorrer, reuniu-se com a equipe da Rádio e relatou a situação. “Menos de um mês depois, eu fui exonerado”. A exoneração ocorreu em maio de 2022 e, após reunião com o reitor Cândido Albuquerque, dezenas de alunos, professores e servidores recepcionaram Nonato, na saída da reitoria, manifestando apoio ao educador.
Sobre a exoneração de Nonato e o posicionamento da Reitoria: Comunidade acadêmica denuncia censura em rádio da Universidade Federal do Ceará
A autonomia da RUFM deve ser, informa o Nonato, completamente perdida. “Do jeito que está lá no contrato, (a autonomia) desaparece. Porque até a nossa programação tem que estar adequada à programação da rede. E se a programação não for adequada, nas palavras do contrato, ‘incongruente’ eles tomam providências para resolver as incongruências. Ou seja, é uma intervenção mesmo”, declara.
Intervenção e subserviência
A previsão do professor é de o risco de extinção de alguns programas da grade da programação por censura. “A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) denunciou 138 casos de censura só em 2021. A equipe da EBC também é vítima disso”, denuncia.
Coordenadora do Curso de jornalismo da UFC, a professora Kamila Fernandes aponta que a Rádio Universitária se construiu, nos últimos 40 anos, como um espaço fundamental de debate e de difusão de cultura em Fortaleza. “E faz isso mantendo uma programação própria, autônoma e que respeita absolutamente a diversidade que está aqui, que existe na nossa (cultura), abordando temas de assuntos e de pessoas, dando espaço”, pontua.
O grande diferencial da Rádio Universitária é a possibilidade de acesso que ela proporciona. “As pessoas que nem sempre tem esse acesso aos meios de comunicação comerciais. Justamente por, muitas vezes, questões ambientais, questões sociais que confrontam com interesses do mercado, interesses de investidores”, elenca. Segundo Fernandes, que também é professora do Curso de Jornalismo, por ser uma emissora pública, a RUFM garante esse espaço, o debate, privilegia um olhar social. “E o olhar é cultural dentro dessa diversidade também. São as músicas mais ouvidas do Brasil, do Spotify? Não, são as músicas locais, as músicas são produto aqui, de artistas da terra ou do Nordeste de uma maneira mais ampla”, defende a professora.
Esse papel da Rádio Universitária estaria sob ameaça se o contrato com a EBC fosse assinado nos moldes em que se estabeleceu na minuta apresentada aqui à Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, reitera Fernandes. “O contrato basicamente estabelecia só obrigações. Muitas obrigações para rádio, de pedir permissão se fosse alterar qualquer coisa na programação. Uma série de obrigações, de penalizações e daria a EBC o direito fazer intervenções diretas no conteúdo”, conclui.
É importante que a comunicação pública troque conteúdo entre as mais diversas empresas públicas. No entanto, segundo a secretária-geral do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (Adufc-Sindicato) e professora de jornalismo da UFC, Helena Martins, os termos do contrato não é uma relação de parceria, mas de subserviência. “Condiciona aprovação da programação da Rádio Universitária à EBC”, diz. Outro ponto citado pela professora é o de não dispor de nenhum mecanismo que aponte para a veiculação de conteúdos da rádio também junto à EBC. “Então o que a gente vê realmente é uma fragilização da programação local da rádio numa lógica muito desigual entre as emissoras e que é pouco pautada por uma perspectiva de troca de compartilhamento”, analisa.
Para Helena Martins, é importante que a EBC, que produz sobretudo em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo, possa também receber e veicular conteúdos de outros estados. Outro ponto crítico apontado pela professora é que não estamos em um cenário em que a EBC esteja sendo reconhecida pelo seu viés público. “Muito pelo contrário, nos últimos anos, a EBC tem sido duramente atacada em seu viés público e o que nós temos hoje é uma empresa que, em vez de cumprir o princípio constitucional de fazer uma comunicação pública, está muito mais a serviço do bolsonarismo".
A proposta vinda da reitoria da UFC, ainda de acordo com Helena Martins, se dá sem nenhum debate público, inclusive sem haver debate no Conselho Universitário da UFC (Consuni), que deveria aprovar esse tipo de proposição. “Não houve, ainda, efetivamente uma avaliação, inclusive, sobre esse contrato que, a meu ver, há problemas com vista legal de um contrato que acaba transferindo a responsabilidade de uma programação de uma rádio difusão para um outro ente e, mais uma vez, mostra como a intervenção da UFC está absolutamente alinhada com o bolsonarismo e à sua intervenção na EBC”, conclui.
Reitor nomeado não foi o mais votado
Vale lembrar que o atual reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cândido Albuquerque, foi nomeado sob protestos e contestação na Justiça em 2019, pois obteve o menor número de votos da comunidade acadêmica (4,61%).
O professor Custódio Luís da Silva foi o candidato mais votado, com 7.772 votos, seguido por Antônio Gomes de Souza, com 3.499 votos e, Cândido Albuquerque em terceiro lugar, com 610 votos.
Com a lista tríplice formada, Cândido Albuquerque foi nomeado por Bolsonaro em 19 de agosto de 2019 e empossado dia 22 de agosto, sob a gestão do então Ministro da Educação, Abraham Weintraub.
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Edição: Camila Garcia