O auditório da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, em Limoeiro do Norte, na Região do Baixo Jaguaribe, foi decorado com parte da produção do Acampamento Zé Maria do Tomé. Banana, limão, manga e mamão foram distribuídos entre os presentes na audiência, promovida pela Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE), ocorrida na manhã desta segunda-feira, 27, com os moradores do Acampamento. A iniciativa debateu a situação das famílias que ocupam há sete anos uma área da União, no Vale do Jaguaribe, e vivem sob constante ameaça de despejo. Um temor que andava abrandado durante a pandemia, mas que a partir de 30 de junho, volta a rondar os agricultores Sem Terra diante do fim do prazo estipulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a não realização de despejos no Brasil.
Em abril, o Plenário do Supremo decidiu ampliar, até 30 de junho, a medida cautelar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que conseguiu a suspensão das reintegrações de posse durante a pandemia com a constatação da situação de vulnerabilidade das populações mais pobres em relação à Covid-19. Entretanto, com o prazo prestes a encerar, pelo menos 3.480 famílias cearenses estão em risco de ficarem desabrigadas, segundo estudo feito pela Campanha Despejo Zero. Os dados revelam ainda, só no Ceará, que outras 1.472 famílias foram possivelmente despejadas entre março de 2020 e fevereiro deste ano.
No caso do Acampamento Zé Maria do Tomé, por se tratar de uma ocupação localizada em terras do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), do Governo Federal, a DPCE não pode atuar como parte no processo do Acampamento. Desde antes da pandemia a União conseguiu uma decisão para a reintegração de posse da área. A Defensoria tem trabalhado na mediação do conflito, em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU), de forma a reduzir os danos às famílias que vivem e produzem no terreno.
Durante a audiência pública, a agricultora Heloísa Sousa, moradora do Acampamento desde o início da ocupação, em 2014, definiu como dor, tristeza e gratidão os sentimentos após sete anos de luta. “Nosso desejo não é prejudicar ninguém. Estamos lá tentando construir uma vida melhor. Tudo o que nós temos lá, tivemos que colocar o suor. Chegamos lá e não tinha nada”, conta. Na busca por dignidade, conta que construiu tudo com esforço. Emocionada, a mulher, que faz parte do movimento ‘Mãos que Criam’ e que a busca é para dar casa e comida para os filhos.
As mais de 100 famílias produzem e vivem com dignidade, mas a insegurança de não saber se nos próximos dias terão um teto e um espaço para produzir e retirar o sustento é muito presente. As mulheres, homens, crianças e idosos, com o fim da ADPF 828, têm a insegurança de que os despejos poderão acontecer a qualquer momento.
Para Sâmia Costa Faria, subdefensora Pública Geral do Ceará, o intuito é que empresários e pessoas trancadas em gabinetes possam ouvir e vivenciar essa realidade. “É impossível não se sensibilizar com a pauta e com as demandas. O quão importante seria se todas as instituições viessem conhecer e ouvir o que vocês têm pra falar. Porque, às vezes, nem a gente que é da área consegue compreender as decisões judiciais”, condensa.
Segundo Sâmia Costa, existe uma articulação da Defensoria Pública do Estado junto com o Poder Legislativo, em uma audiência marcada para o próximo dia 29, na Assembleia Legislativa, para discutir como será feita essa reintegração. “Porque existe uma preocupação. Ninguém quer sangue, ninguém quer violência. O Estado do Ceará também tem essa preocupação, mas a gente sabe da decisão judicial que precisa ser cumprida e hoje a realidade é essa”. Ela explicou, durante a audiência, que a Defensoria Pública do Ceará não atua no processo, mas que a DPCE vai tentar intermediar o diálogo.
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Edição: Camila Garcia