Pelas ruas do bairro Benfica, em Fortaleza, representantes dos povos indígenas do Ceará, indigenistas da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Indigenistas Associados (INA), do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado do Ceará (SINTSEF/CE) entre outras organizações realizaram, na manhã desta quinta-feira, 23, um protesto pelas mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Philips. Os manifestantes pediram o afastamento imediato do presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, o que já foi recomendado pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).
Os indígenas e servidores ocuparam a sede da Funai, no bairro, e fecharam um dos cruzamentos mais importantes da cidade, o da avenida 13 de Maio com Avenida da Universidade. Durante o protesto, Roberto Luque, coordenador geral do SINTSEF/CE lembrou que o ato de hoje é uma atividade nacional, os servidores da Funai e os povos indígenas estão nas ruas de todo o País para demonstrar repúdio ao assassinato de Bruno Pereira e Dom Philips no vale do Javari.
A Funai, no Ceará, é responsável por 66 mil indígenas - 50 mil deles somente no Estado, divididos em 18 etnias. Apenas 21 servidores dão conta de toda essa população, que são responsáveis ainda pelos estados do Piauí e Rio Grande do Norte.
“Foram assassinados pelo agronegócio, por estarem defendendo o País, defendendo as terras indígenas e os trabalhadores. Não dá para aguentar mais tanto crime, tanto assassinato, chega de assassinato”, disse Luque. Ele também lembrou dos homicídios de outras pessoas que lutavam pelo País, ou foram mortos de forma cruel. “Foi Marielle, foi Genivaldo (homem morto pela Polícia Federal em uma câmera de gás improvisada em uma viatura) tantos assassinatos. E agora Dom Philips e Bruno Pereira que estavam defendendo a Amazônia. Por isso, estamos organizando em todo o Brasil esse dia nacional de luta e aqui em Fortaleza estamos aqui no front”, aponta.
O protesto de hoje tem como pano de fundo o desmonte das políticas e dos órgãos públicos de preservação ambiental e proteção às populações tradicionais. De acordo com os servidores, a Funai funciona, no Ceará, de forma precária, em uma casa antiga com problemas de infraestrutura, sem ar condicionado. Eles denunciam ainda a falta de pessoal no órgão, a perseguição de gestores do governo Bolsonaro e os riscos de violência enfrentados nos territórios indígenas que ameaçam as equipes de trabalho, mas principalmente os povos indígenas.
As ameaças, conforme os manifestantes, perpassam todo o País, como demonstram relatos de servidores transferidos para o Ceará por sofrerem ameaças em seus estados de origem. Com o ato nacional, os servidores da Funai reivindicam uma audiência com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, e exigem a saída imediata do presidente da Funai, Marcelo Xavier e de sua equipe de ruralistas e militares.
No ceará, as lideranças indígenas denunciam ainda empreendidos sobre suas terras, como áreas de mineração, o Cinturão das Águas, linhas de transmissão, gasoduto, empreendimentos de energia eólica, carciniculutra e ferrovia.
Durante o protesto, Ceiça Pitaguary, coordenadora da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará, e integrante do povo que está localizado em Maracanaú e Pacatuba mostrou indignação contra o Governo Federal, que deu as bases para as mortes. "Esse ato é para demarcar a nossa indignação contra esse governo genocida que está acabando com as nossas unidades da Funai, no momento em que ele corta o orçamento e deixa indígenas e indigenistas desprotegidos"
Weibe Tapeba, liderança do povo Tapeba, de Caucaia, diz que o ato é mais que um protesto, é também para fazer uma denúncia contra o desmantelamento da política indigenista brasileira. Weibe, que é advogado do Escritório Indígena e coordenador da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince), denuncia que o Ceará é o estado mais atrasado no quesito de demarcações de terras indígenas do Brasil. “De 23 terras indígenas no nosso Estado, somente uma terra encontra-se regularizada. Metade dessas terras estão estágios diferentes do processo de demarcação e a outra metade, sem nenhum tipo de providência”, revela.
Segundo ele, o conflito fundiário e a criminalização das lideranças indígenas são um problema grave em todo o Estado. “Nossa vinda para Fortaleza nesta manhã é para repercutir essa campanha nacional em prol à defesa dos direitos indígenas, contra o marco temporal, em favor da demarcação do nosso território, em favor do fortalecimento da Funai e da política indígena brasileira e também para denunciar todo tipo de violação”, aponta.
Debate
Ainda na programação do dia de luta, na tarde desta quinta-feira, 23, aconteceu no auditório Luiz de Gonzaga, do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará uma mesa redonda promovida pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Étnicas (GEPE), pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Departamento de Ciências Sociais da UFC e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unileb) com o tema “Estado, política indigenista e violência: o Brasil atual” discute o tema.
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Edição: Camila Garcia