Com o avanço da campanha de vacinação contra a Covid-19, após dois anos de pandemia, os passos do anarriê e do alavantu das quadrilhas em diversos Assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) passam a voltar às quadras de diversos festivais no Ceará. Entre os temas apresentados no meio das rendas e retalhos dos pares juninos, sobressai um assunto muito caro aos brincantes: as questões sociais.
“Desde criança que eu faço parte desse processo. Posso dizer que já nasci dançando São João”, brinca Gilvando Santos, 37, coordenador da quadrilha Força Jovem, que é resistência desde o ano 2000, no assentamento do MST da cidade de Tamboril, a 295 quilômetros de Fortaleza. Os dois anos de peleja da pandemia, em que não pode organizar os passos dos pares, estão sendo compensados neste 2022, quando a quadrilha já está inscrita em diversos festivais no Ceará.
“A nossa quadrilha nasce numa tentativa voltada para a liberdade, para a realidade que vivenciamos, para a luta”, compromete-se o coordenador. Em 2018, a temática escolhida foi 'A conquista da terra e a luta do oprimido'. No ano seguinte, o último pré-pandemia, o mote foi 'O canto de um povo que jamais se calará'. Já este ano de 2022, o coletivo denuncia o processo de empobrecimento na pandemia, trazendo a memória das Comunidades Eclesiais de Base que são fontes de vida e de libertação a partir das vivências na diocese de Crateús.
“A chegada de Dom Fragoso [em 1964, o papa o nomeou como bispo de Crateús, cargo que exerceu até 1998] e a importância das Comunidades Eclesiais de Base para a nossa comunidade fez com que pensássemos em trazer o tema em forma de dança, para que a nossa população pudesse despertar contra o autoritarismo”, conta. A ideia, ainda e acordo com Gilvando, era de fazer com que a comunidade despertasse para duas bandeiras: a primeira, a luta contra a fome e a segunda, a bandeira contra a opressão das minorias, como negros, indígenas, sem terras, LGBTQIA+.
A temática, relata Gilvando, é para que a sociedade desperte e perceba que “existe uma maquiagem que deixa tudo bonito”, o que mascara, muitas vezes, os problemas. No total, a quadrilha leva às praças 20 pares de brincantes, que ensaiaram por cerca de cinco meses.
A programação para este ano inclui uma apresentação na comunidade indígena de Viração, em Tamboril no dia 19 e na sede do município no dia 25 - ambas às 19 horas. Em 2 de julho, o grupo vai se apresentar no distrito de Livramento, em Monsenhor Tabosa, às 20 horas.
Um viva à diversidade
Antes da conversa, o organizador da quadrilha Arraiá Pula Fogueira, Marcelo Matos, pede uma pausa para pegar o café, enquanto diz que os temas escolhidos são sempre os dos contextos relevantes da sociedade do País. Com sede no Assentamento 25 de Maio, em Madalena, a 190 quilômetros de Fortaleza, a quadrilha já teve uma conquista: uma rainha G, destinada à bandeira LGBTQIA+, Layse Ingrid, ficou em quinto lugar na disputa nacional.
“É, sobretudo, uma quadrilha de bandeira, da bandeira da inclusão”, define o organizador. Neste São João, a Pula Fogueira conta com 16 pares, mais a produção e a banda. Além de componentes do público LGBTQIA+, também fazem parte do grupo jovens negros, do campo e da cidade.
A novidade para este ano é que, pela primeira vez, apenas de quadrilhas de áreas de assentamento de reforma agrária se apresentarão no Madalena Junino. Somente do Assentamento que Marcelo faz parte serão três as quadrilhas - sendo uma infantil e duas adultas.
A ansiedade pela volta às quadras ganhou um incentivo. O grupo foi um dos selecionados no XXII Edital Ceará Junino para Quadrilhas Juninas – 2022, do Governo do Estado. O edital se propôs a proporcionar à população cearense o acesso aos direitos culturais e assegurar a participação dos grupos étnicos-raciais que promovam trabalhos artísticos e culturais nas comunidades e nos territórios onde são desenvolvidos.
“O campo não só produz o alimento. O campo produz cultura, é produtor de arte e discutir um tema como o racismo é fundamental. Porque se o racismo se reproduz por meio da cultura, também por meio da cultura que nós devemos enfrentá-lo e desconstruí-lo”, ensina Marcelo. Para ele, essa composição de grupos é importante porque eles vão se ajudando.
Raízes do sertão
A saudade é o mote que guia a coordenação de Renato Araújo, à frente da quadrilha Raízes do Sertão. Também do Assentamento 25 de Maio, em Madalena, o grupo, de acordo com ele, deve voltar ao São João com muita saudade daquilo que já viveram nos anos anteriores, antes desse período pandêmico. “Voltamos com muita expectativa para esse mês, para viver tudo aquilo novamente, as festas, as alegria e as cores que esse mês tem”, anseia. O tema “12 anos das escolas do campo” havia sido escolhido ainda em 2020, quando se comemorava uma década da conquista dos equipamentos de ensino. Mas, por conta da pandemia, teve de ser adiado e foi acrescentado mais dois anos ao enredo.
Este ano, a quadrilha é composta por 14 pares formados pela juventude do assentamento. “Começamos nossos ensaios lá em março. Ensaiamos na nossa Escola do Campo, a João Sem Terra. Começando nossos ensaios em março para que já pudéssemos estrear dia 25 de maio, no aniversário do MST Ceará, que também é a mesma data do aniversário do nosso assentamento”, celebra.
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Edição: Camila Garcia