Seu Erinaldo Castro acorda cedinho. Sua primeira tarefa do dia é no pasto, ordenhando as vacas, uma atividade que aprendeu com o pai. A diferença é que depois de assentado no Nova Canaã, em Quixeramobim, no interior do Ceará, o resultado do seu trabalho, em vez de ir para o dono da fazenda, permanece na sua família: “no tempo da fazenda, meu pai que hoje está com 84 anos e é a prova viva disso, se deslocava 3 km pra tirar leite na fazenda Manajú, para ganhar 2 litros de leite. Esses 2 litros de leite era para nos sustentar. Nós não tínhamos gado. A partir daí [do assentamento], melhorou muito porque tivemos o acesso, acesso a comprar sua própria vaca. Daí pra cá é nossa fonte de renda. Aí você não fica dependendo de ninguém, melhora a renda e sustenta sua família”.
O leite produzido pelo Erinaldo na sua pequena criação, assim como de outros produtores, vai direto para a mais nova conquista do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST): uma agroindústria com capacidade para beneficiar até 10 mil litros de leite por dia.
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Cerca de 26 assentamentos de reforma agrária possuem uma produção de leite com qualidade na região de Quixeramobim e Senador Pompeu. O problema era a figura do atravessador, que cobrava altos preços, não só para viabilizar o escoamento dessa produção, mas também para garantir o alimento do gado. Situações que encareciam o processo, deixando os produtores com mais dívidas do que lucro. Foi então que com o apoio do MST, os trabalhadores e trabalhadoras rurais iniciaram, em 2013, as discussões para a criação de uma cooperativa que pudesse mudar esta realidade. É o que explica a gestora da Cooperativa Regional dos Assentamentos de Reforma Agraria do Sertao Central do Ceara Cooperasc Ltda (Cooperasc), Florença Moreira: “a partir do momento em que essa cooperativa foi fundada, já se começou a pensar a ideia de se discutir com o laticínio a ideia da comercialização, mas também de construir seu próprio empreendimento”.
E em 2017, após assinar convênio com o Governo do Estado do Ceará, esse sonho começou a se desenhar, como conta Florença: “o laticínio foi pensado para ser construído no acampamento Nova Canaã, uma vez que o assentamento é bem central, bem localizado, todos os outros assentamentos da região estão no entorno dele, e junto com essa construção veio todo o fortalecimento na produção para a melhoria tanto na quantidade, quanto na qualidade desse leite”.
Em 2021, a instalação da agroindústria foi concluída e foram adquiridos quatro caminhões para fazer a coleta e o armazenamento do leite de forma adequada dos 26 assentamentos. São dois para a coleta do leite nas comunidades e dois baús refrigerados para a entrega dos produtos beneficiados. 19 assentamentos receberam ainda galpões com toda uma estrutura de tanque de resfriamento de leite: “depois de finalizada sua construção e instalação, nós tivemos o processo de vistoria do empreendimento, através da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (Adagri), então nós tivemos o nosso empreendimento registrado como também os 39 produtos”, reitera Florença.
Leite pasteurizado, requeijão, queijo, nata, iogurte. Hoje a agroindústria produz tudo isso, fruto do trabalho duro e de muita luta. Não à toa, a marca foi batizada de Terra Conquistada. “Nós iniciamos o funcionamento desse laticínio, em fevereiro de 2022, com o beneficiamento de 5 mil/litros de leite de saco, entregando em 15 municípios através do programa que a cooperativa também conquistou, que foi o Programa de Aquisição de Alimentos do Estado do Ceará. Então, hoje nós já estamos em Quixeramobim, em 5 supermercados e já estamos em processo de negociação com outra rede de supermercados aqui do Ceará, que tem em torno de 30 lojas espalhadas em todo o estado, para comercializar também os nossos produtos”, pontua Florença.
E da mesma terra de onde vem o sustento da família, vem a inspiração para seu Erinaldo, que traduziu em verso as belezas quem vem do sertão. Poesia que ele deu o nome de Mãe Natureza. Confira!
"Meus olhos vêem tantas coisas
olhando a Mãe Natureza,
eu vejo as nuvens lá em cima,
movendo que é uma beleza
e vejo as águas dos rios
formadas por correnteza.
Eu vejo a chuva caindo
e as cachoeiras formando,
vejo o peixe dentro d’água
que com certeza está nadando,
e o galo de madrugada
bem cedo já está cantando.
Vejo o gado malhado
na sombra do juazeiro,
vejo o pássaro cantando
na copa do cajueiro,
mostrando com alegria
o seu cantar verdadeiro.
Vejo a criança feliz
soltando sua carrapeta,
a lagarta se encantando
transformando em borboleta,
e a lua branquinha
iluminando o planeta.
Vejo um jardim bem plantando,
cuidado com muito amor,
passeando no jardim
meu querido beija-flor,
e um belíssimo arco-íris
pintado de duas cor.
Vejo um agricultor feliz
se acordar de madrugada,
tirar o leite das vacas,
merendar sua coalhada,
pra depois sair pra roça
com suas mãos calejadas.
Vejo um lindo pôr do sol
sumindo de trás da serra,
pedindo paz ao mundo
que não precisa de guerra,
e agora vai clarear
o outro lado da terra."
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Edição: Camila Garcia