A Prefeitura de Fortaleza divulgou em fevereiro deste ano os dados do II Censo Municipal da População de Rua. De acordo com a pesquisa, mais de duas mil pessoas vivem em situação de rua na capital cearense, sendo a maioria do sexo masculino e com idade entre 31 a 49 anos. Em comparação à última pesquisa feita em 2014, esse total teve um aumento de 53,1%. Mas o que representa essa realidade? Quais os planos de políticas públicas que estão sendo pensadas para mudar esse cenário? Para falar sobre o tema vamos receber Messias Douglas, mestre em antropologia pela UFC/Unilab, com a dissertação "O pessoal do Ceará: A mobilização das pessoas e do movimento nacional da população em situação de rua em Fortaleza". Confira.
O II Censo Municipal da População de Rua, divulgado pela Prefeitura de Fortaleza em fevereiro deste ano aponta que mais de duas mil pessoas estão vivendo em situação de rua, o que representa um aumento de 53,1% em comparação ao último censo feito em 2014. É possível apontar fatores para esse aumento?
Com certeza. Se a gente pegar os dados do censo, nós temos uma predominância na ideia do rompimento familiar como o fator primordial para a pessoa ir parar nas ruas, mas eu sou muito cético quanto a essa ideia de colocar o rompimento familiar como fator predominante das pessoas em situação de rua, porque suponho que todo mundo tem problema familiar, mas nem todo mundo está morando em situação de rua.
Tem algo a mais, tem o fator de desemprego, tem o fator de um governo neofascista que corta os direitos, inflação alta, está tão difícil manter uma vida nos moldes ortodoxos que acaba que as pessoas veem a rua como uma forma de expandir seus horizontes, mas ao mesmo tempo a rua não é um filme romântico, é uma realidade nua e crua.
Eu suponho que o desemprego seja o fator primordial para o aumento desse número de pessoas em situação de rua junto com a questão da pandemia.
Então o ideal seria uma pesquisa mais aprofundada para a gente realmente ter essas informações mais concretas, é isso?
Na verdade, essas pesquisas mais aprofundadas a gente já tem, quando pega os dados nacionais de desemprego, de inflação, a gente só vai para o campo mesmo para bater os dados. Por que tem muita gente em situação de rua? Porque temos um número de desemprego altamente crescente, tivemos uma reforma trabalhista que não gerou empregos, tivemos inflações altas, você vê o preço do óleo, você vê o preço do café, meu Deus do céu, não tem condições, e tudo isso influencia, porque aumenta o aluguel, as pessoas não têm renda em casa, as pessoas têm que escolher, ou você mora ou você come.
Há políticas públicas para mudar essa realidade?
A gente até tem algumas iniciativas bem interessantes. A gente esteve na prefeitura de Fortaleza, no pós-censo, com o secretário Ilário Marques. A gente teve umas conversas com ele e ele anunciou um plano emergencial em fevereiro, um plano emergencial que em parte está sendo executado e outra não porque exige uma certa burocracia, mas a gente está meio que em contato constante com ele.
As políticas atuais, amigo, eu suspeito que não resolveram, não resolvem a questão da problemática da situação de rua, ainda mais porque a gente vive em um mundo capitalista que sempre vai devolver pobreza, sempre vai ter que ter a pobreza para ter os ricos. A gente tenta amenizar com as políticas de assistência social.
Essa realidade do aumento de pessoas em situação de rua é exclusividade de Fortaleza, ou também acontece em outros municípios do Ceará?
Há uma grande quantidade de pessoas em situação de rua em Juazeiro do Norte, no Crato, não é uma realidade exclusiva de Fortaleza, há também em Caucaia, apesar de no Ceará só ter nove Centros Pops, há população em situação de rua em boa parte dos municípios do Ceará. A gente luta para que também haja uma certa coordenação estadual para tratar do tema, porque a gente vê que é um tema muito sensível, um tema muito específico.
Por que essas pessoas acabam sendo invisibilizadas pelo poder público?
Não tem uma causa única, há um sistema produtivo capitalista que gera riqueza em detrimento de ter pessoas na margem da extrema pobreza. Elas são invisíveis para o estado porque o estado às vezes se recusa a enfrentar esse sistema, mesmo que minimamente, para tornar menos desigual do que já é, aí acaba que eles evitam fazer esses enfrentamentos mais enérgicos e toda a complexidade do tema eles evitam, porque fica sempre nessa confusão e acaba que as políticas públicas que devem ser realizadas, mesmo incentivadas elas não são feitas da forma que é para ser feita, de uma forma continuada, às vezes é só uma política pela metade.
A gente tem até iniciativas bacanas do Governo do Estado como a Lei nº18.091, de 02 de junho de 2022, que instituiu um Conselho Estadual dos Direitos da População em Situação de Rua e da Superação da Situação de Rua.
Sobre essas ações voltadas para as pessoas em situação de rua, gostaria que você comentasse um pouco sobre o Projeto de Lei 5.740 de 2016.
É um Projeto de Lei de autoria do deputado do PT, o Nilto Tatto, de São Paulo. Pelo que eu pude acompanhar, ele basicamente traduz vários pontos do decreto 7.053 para a Legislação Nacional, porque o que a gente tem assim de concreto para pessoas em situação de rua nacionalmente é o decreto de 2009 assinado pelo ex-presidente Lula que institui a Política Nacional da População em Situação de Rua, bem como o Comitê Intersetorial de companhamento dessa política.
A gente teve essa Política Nacional em 2009, mas só que é uma política que os movimentos populares já estavam vendo que o decreto gera uma insegurança, porque entra governo e tira decreto, e foi o que aconteceu quando o cara que não precisa nem dizer o nome entrou. Ele meio que destruiu o Comitê Intersetorial, não só isso, mas alguns pontos da política nacional foram suprimidos, enfim.
É um decreto que já saiu da Comissão de Desenvolvimento Urbano, agora está, desde o ano passado, vai completar dia 15 de junho um ano que está parado lá na Comissão de Seguridade Social e Família. Está seguindo seus trâmites, mas os trâmites estão tão lentos, mas é um decreto que visa dar essa segurança para as ações para as pessoas em situação de rua.
Aqui no Ceará a gente teve uma iniciativa parecida, justamente com essa ideia do Conselho Estadual dos Direitos da População em Situação de Rua e Superação da Situação de Rua. A gente tem um decreto que institui a política estadual, que institui também o Comitê Estadual, que é inseguro, aí a partir disso foi pensado a criação de uma lei mesmo, que inclusive passou da Assembleia Legislativa, que institui esse conselho, que institui também algumas diretrizes com a política estadual também, tá só aguardando sanção da governadora Izolda.
Gostaria que você pontuasse quais são os movimentos que lutam pelas pessoal em situação de rua no estado do Ceará
Aqui em Fortaleza a gente tem, principalmente, o Movimento Nacional da População de Rua, célula de Fortaleza – CE, que é coordenado pelo Arlindo Ferreira. A gente tem, além do Movimento Nacional da População de Rua, que é o protagonista dessa luta, temos também o Coletivo Arruaça, nós temos o Fórum da Rua de Fortaleza, nós temos vários outros movimentos que meio que junto com o Movimento Nacional da População de Rua seguem nessa luta por moradia, por mais direito para a população em situação de rua.
A gente também tem algumas entidades que também ajudam esses movimentos populares como o Grupo Espírita Casa da Sopa, nós temos também a Pastoral do Povo da Rua, daqui de Fortaleza, com padre Lino, com a Fernanda, com muita gente bacana mesmo, que meio que compõem uma rede de proteção para população em situação de rua.
Junto com isso também tem o Ministério Público, com a promotoria da doutora Giovana, doutor Helder, são várias pessoas. Há uma rede de pessoas muito unidas que conseguiram botar para frente o censo, conseguiram botar para frente esse PL do Conselho, conseguiram trazer várias coisas aqui.
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Edição: Camila Garcia