Todos nós sabemos que o Brasil é um país geograficamente continental, – com mais de 210 milhões de pessoas espalhadas em vários territórios se dividindo em cinco grandes regiões. Em cada região, a diversidade cultural no seu conceito amplo é gigantesca. Mas a ideia aqui não é falar dessa amplitude que segundo Edward Tylor (1832-1917) significa dizer que "a cultura é todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Aqui vou tratar dos espaços e territórios da arte e cultura nesses últimos tempos da luta de classes no Brasil.
Inauguro uma série de artigos sobre as culturas de resistência, que vem cumprindo um papel central nessa conjuntura. Para nós, do Movimento Brasil Popular, organizado em dezenas de estados e capitais, elas despontam como um dos elementos que justificam a polarização do atual ambiente político: a Guerra Híbrida patrocinada pelos EUA em 2013.
Podemos dizer que o embrião do conceito de derrota estratégica nasce desse cenário? Talvez, pois olhando hoje para aquele momento, no Brasil tudo ficava contra o governo da então presidente Dilma Rousseff. A Copa do Mundo da FIFA foi um exemplo, a paixão cultural pelo futebol que sempre unificou o país, dessa vez dividiu com a derrota da seleção brasileira para Alemanha por 07 a 01, na semifinal em Minas Gerais, naquela terça-feira (08 de julho), dois dias depois da largada oficial das campanhas eleitorais, amplificando assim a disputa ideológica.
A partir daí as três dimensões da luta de classe se aguçaram em um ritmo acelerado que foi implementado tanto pelos inimigos do povo, como também pelas forças populares. Puxado pela luta institucional, combinando as lutas de massas e ideológicas, chegamos a eleger a presidenta Dilma no 2° turno em 2014 com 51,64% dos votos válidos, ou seja, 54,4 milhões de votos.
Nessa eleição, o país ficou nitidamente dividido, a cultura de resistência, grande parte da cultura popular e alguns famosos, mesmo com as críticas apoiaram massivamente o PT, – lançando um manifesto que concluía com essas palavras - “O caminho iniciado por Lula e continuado por Dilma é o da primavera de todos os brasileiros. Por isso, apoiamos Dilma Rousseff”, e assinavam: Gregório Duvivier, Camila Pitanga, Osmar Prado, Paulo Betti e Matheus Nachtergaele (atores), Emicida, Ellen Oléria, GOG, Chico Buarque, Chico Cesar, Beth Carvalho e Zezé Motta (músicos), Fernando Morais e Luís Fernando Veríssimo (escritores), o cartunista Ziraldo além de outros intelectuais e jornalistas.
Na outra mão, alguns agentes que fazem parte da cena cultural, em especial do mainstream financiado pelo agronegócio e a Rede Globo, apoiaram o golpista do Aécio Neves do PSDB (que teve 48,36% dos votos válidos e teve pouco mais de 51 milhões de votos). Entre eles estavam os apresentadores: Luciano Huck e Danilo Gentili; os esportistas: Ronaldo Fenômeno, Junior Cigano (lutador de MMA), Oscar Schmidt, Zico e outros; os músicos: Sandra de Sá, Wanessa e Zezé Di Camargo, Fagner, Fafá de Belém, Chitãozinho e Xororó, Eduardo Costa, Bruno e Marrone, Banda Jota Quest e outros; Os atores: Ney Latorraca, Marcelo Cerrado, Lima Duarte, Tom Cavalcante e Marcelo Madureira (humorista), entre outros.
Faço esse resgate para mostrar que a cultura já era um elemento chave na luta de classes e foi usada exaustivamente na disputa ideológica, tanto para a consolidação do golpe, como também na resistência popular entrincheirada na defesa da democracia e de um governo legitimamente eleito pela soberania popular através do voto.
Nos dois anos seguintes, o sabor amargo de uma derrota institucional via impeachment azedava o paladar, as forças populares jogaram peso e centralidade na luta de massas, atos de rua, manifestações, greves, foram organizadas mês a mês com participação de vários artistas em todo país, já que o inimigo vinha ocupando essa dimensão e dominava, avançava e acumulava vitórias no campo institucional e ideológico.
O golpe (de um novo tipo) jurídico-midiático-parlamentar foi violento, destrutivo e inevitável. Só a cultura seria capaz de resistir, furar a bolha e informar as massas. A cultura de rua seria a locomotiva que levaria luz a escuridão de forma poética como as sonoras palavras da presidenta “O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência.” Couberam aos artistas e militantes da cultura de resistência a árdua tarefa de organizar um levante popular contra o fascismo, assim se iniciou a reação organizada, mobilização permanente, a defesa ativa foi parida e a cultura se torna vital pra luta.
*Assistente Social, militante do MTD e defensor dos direitos humanos e da paz na periferia.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Camila Garcia