Uma abolição inacabada, uma liberdade incompleta. Assim foi a história da abolição dos negros escravizados no Brasil. E aqui não vou entrar no tema de quando, ou como se institui o dia 13 de maio – Dia da Abolição da Escravatura - em nosso calendário. Já temos diversos livros que produziram uma folclorização da cultura negra por séculos, décadas e anos, ajudando na elaboração de uma história única, a história contada pelos vencedores.
Narrativas que seguem até os dias hoje para tentar deslegitimar o conhecimento e a existência de uma população que viveu as dores da escravidão em um tempo passado, e, que ainda vive discriminações e opressões constantes. Discriminações que vitimaram centenas de pessoas negras retiradas de suas terras, vítimas de uma diáspora que buscou, a todo custo, exterminar sua cultura, sua língua, seu corpo, sua vida.
Narrativas que perpetuam a opressão dos direitos e da dignidade do povo negro, que tem transformar suas manifestações culturais em algo irrelevante, algo que não tem valor para a formação cultural brasileira. Uma estratégia que percebemos, a todo instante, quando criam estereótipos sobre as religiões de matriz africana, como exemplo do candomblé e/ou da umbanda, os afoxés, maracatus e tantas outras manifestações que fazem parte da cultura negra.
Ao longo dos séculos fomos condicionados pela estrutura dominante para execrar, ou criminalizar, como ocorreu com a capoeira, que por muito tempo foi proibida no Brasil. Sem contar o atraso gigantesco no acesso à educação de qualidade, a saúde básica, ao trabalho digno e tantos outros direitos que seguem distante da realidade população negra que foi e ainda é assassinada pelo Estado que deveria lhe proporcionar melhores condições de vida.
Questões que revelam como este tal ‘13 de maio’ é, na verdade, um dia que nunca chegou para o povo negro, pois, continuam sem liberdade de direitos e cidadania. Uma abolição que levou esta população das senzalas para as periferias, do trabalho escravo para o trabalho desumano, dentre outros descasos. Na verdade, parece que a principal tarefa atribuída a ‘abolição da escravatura’ foi o aprofundamento das desigualdades raciais e sociais no Brasil, marginalizando a maioria da população.
Não por acaso a data é bastante questionada pelo movimento negro brasileiro, pois, compreende que sua celebração faz parte de um discurso estruturado para mascarar seu real significado. Um dia fantasioso que serve apenas de palco para enaltecer a falácia da miscigenação brasileira, uma mentira que alicerça a sociedade para tentar enfiar, de goela abaixo, o tal do mito da democracia racial, ainda valorizado na atualidade, no qual os negros exercem de forma plena sua cidadania no Brasil.
No entanto, não podemos dizer que não houve tentativas de promover uma abolição. Contamos com grandes lideranças negras que lutaram, incansavelmente para construção da verdadeira libertação do povo negro. Personalidades importantes, como Esperança Garcia e Luiz Gama e tantos outros que lutaram contra o perigo de uma história única. Lutadores que estiveram à frente do movimento abolicionista e são pouco lembrados pela história oficial. Homens e mulheres que precisam ser lembrados, pois, morreram batalhando por liberdade e dignidade.
Por isso, falar em abolição é falar de uma história que permanece inacabada, incompleta, com muitas lacunas. Que precisa ser (re)contada pelos vencidos, que necessita ser (re)escrita pelos que sofreram e ainda sofrem com o racismo. Uma libertação que só ocorrerá pelas mãos negras que escreverão suas histórias de força e resistência. Vozes negras ecoando memórias de coragem e esperança do seu povo.
* mulher negra, jornalista e doutoranda em comunicação pela Universidade Federal do Ceará.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Camila Garcia