Ceará

Saúde pública

Opinião | Saúde da população negra: retratos de uma desigualdade

67% dos brasileiros que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) são negros

Fortaleza, CE |
Inscrição na frente do Masp, na av. Paulista, em São Paulo: 2020 foi um ano marcado pelo combate ao racismo no país - Alma Preta

No dia 07 de abril foi celebrado o Dia Mundial da Saúde, a data foi definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948, com o intuito de conscientizar a população sobre ações para melhorar sua qualidade de vida. É importante lembrar que, em 1947, a OMS definiu Saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Pensando nisto, é como anda a saúde da população negra no Brasil? Pessoas negras vivem este um estado de completo bem-estar físico, mental e social?

Perguntas que abrem um leque de indagações sobre as condições de saúde e bem-estar desta população, pois, a Constituição Brasileira de 1988 que rege o país, no tocante da Saúde em seu artigo 196, afirma que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Uma lei tão bonita no papel que não faz parte da vida das pessoas que mais precisam.

Principalmente, quando entendemos que 67% dos brasileiros que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) são negros, como mostram os dados da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, ou seja, são negros (pretos e pardos) que mais utilizam o SUS nos estados e cidades brasileiras. No entanto, são os que mais sofrem com as péssimas condições de acesso, um número reduzido de profissionais e ainda vivenciam atos de discriminação e racismo em suas estruturas. 

Políticas públicas na área da Saúde não são implementadas pelo atual (des)governo que busca, cada vez mais, aumentar as desigualdades entre negros e brancos. Como é o caso da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) que tem como principal objetivo diagnosticar e governar as disparidades raciais em saúde. Uma política que foi instituída em 13 de maio de 2009, pela portaria n. 992 do Ministério da Saúde e completará 13 anos de sua existência sem muitos avanços na sua execução. 

Desafios que se refletem nas doenças físicas e mentais vividas pelo povo negro que ocupam os postos de saúde, unidades de urgência e emergências e hospitais. Como exemplo, temos a pandemia que teve maior impacto na vida do povo negro. O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, realizada pelo Senado, utilizou de diferentes pesquisas e dentre elas, do Instituto Pólis de 2020 que mostrou como as taxas de mortalidade por Covid-19 entre homens negros era de 250 por 100 mil habitantes, enquanto a de homens brancos era de 157 óbitos por 100 mil habitantes.  

Quando fazemos o recorte de gênero, as mulheres negras são as mais atingidas, pois, é bom lembrar que elas são responsáveis por 61% dos 11 milhões dos lares, como mães solos. E por isso, sentem as dores com maior intensidade, seja na mortalidade materna, onde os dados da mortalidade de grávidas e puérperas negras pela Covid-19, desde o início da pandemia até março de 2020, superou em 78% a de mulheres brancas, como informa o levantamento da ONG Criola. Ou nos agravos vividos com a violência doméstica que mais afetou mulheres negras no Brasil.

Segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, 17 milhões de mulheres foram vítimas de alguma forma de violência. Das mulheres 52% são negras, 40% pardas e 30% brancas. Números que só confirmam a existência de um racismo estrutural que se perpetua no estado brasileiro e acaba por silenciar, oprimir e matar os corpos negros.

Buscar soluções para o enfrentamento do racismo que atravessa a área da saúde é urgente. É necessário compreender que a saúde da população negra deve ser uma prioridade do Estado. Reconhecer as desigualdades é única forma de pensar estratégias para combater a discriminação que caminha por entre os corredores dos equipamentos de Saúde e excluem a população negra de seu direito. Apenas a efetivação de práticas que proporcionem o bem-estar físico, mental e social mudará esta realidade. Só assim o Dia Mundial de Saúde poderá ser celebrado por todos e todas que acessam a saúde de forma justa, plena e equânime.

* mulher negra, jornalista e doutoranda em comunicação pela Universidade Federal do Ceará.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Camila Garcia