Segundo o Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, “no Ceará, na Serra do Machado, encontra-se em vias de ser implementada a exploração da jazida de urânio, no município de Santa Quitéria, denominada Jazida de Itataia. Especula-se a intenção de explorar 800 toneladas de urânio, além do fosfato, este com previsão de 240 mil toneladas anuais e destinadas ao uso de fertilizantes.” Atualmente a mina está sendo cobiçada pela estatal, Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e pela empresa privada, Fosnor - Fosfatados do Norte-Nordeste S.A, detentora da marca Galvani Fertilizantes.
As comunidades localizadas no entorno da jazida, temem os impactos sociais e ambientais de tamanha exploração. O que se sabe é que o projeto de exploração prevê uma instalação nuclear, um complexo minero industrial e uma pilha de fosfogesso e cal onde serão depositados os rejeitos do processo. Entretanto, ao seu redor, há três bacias hidrográficas e vivem 156 povoados, em sua maioria de agricultores que tiram da terra o sustento. Entre eles, comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e assentamentos da reforma agrária.
A novidade é que na gestão do presidente Jair Bolsonaro, as legislações ambientais tem passado por constantes flexibilizações e o projeto agora tem o aval para avançar. Chega com a promessa de desenvolvimento e geração de empregos para a região, mas quais são os possíveis impactos ambientais e de contaminação da população?
Para conversar sobre este assunto, o Brasil de Fato Ceará conversou com Erivan Silva, da Coordenação do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Confira:
Brasil de Fato – Para começar, gostaríamos que falasse um pouco sobre o contexto histórico e como é que vem sendo trabalhada a questão da mineração no estado do Ceará?
Em sínteses, a mineração sempre foi meio escondida da população aqui no Ceará, principalmente, porque nós não temos o histórico de mineração há cem anos atrás. Nós do MAM sempre temos um entendimento de que o Brasil não é um país minerador, nós somos um país minerado, porque quem decide onde minerar, como minerar e quanto minerar, são as mineradoras. Então, aqui no Ceará, só para gente ter uma ideia, nos anos 2000, nós tínhamos apenas 950 processos minerais ativos, nós chegamos ao final do ano de 2021, apenas nesse século, com mais de 6 mil processos minerais ativos. Isso significa um crescimento na cadeia da mineração no Ceará muito grande e preocupante.
Brasil de Fato – E quais motivos levaram o Ceará a esse salto quando falamos de mineração?
Na verdade nós analisamos o seguinte, houve um explosão de casos de mineração entorno dos anos 2000 a 2012 em todo Brasil. Foi quando a mineração passou a ser uma commodity. Aqui no Ceará, por exemplo, existe uma jazida em Quiterianópolis que foi descoberta em 1959 e foi totalmente explorada entre 2010 e 2017, isso significa que nessa explosão da mineração que aconteceu no início deste século, alguns territórios onde as pessoas nem imaginavam que poderiam ser minerados, infelizmente ocorreu, inclusive nos lugares mais longínquos dos sertões como aqui no Ceará. Outro fator que contribuiu para o avanço da mineração aqui em nosso estado é a presença de grandes quantidade de metais preciosos, atualmente o Ceará é o terceiro estado que mais explora e exporta esses tipos de metais.
Brasil de Fato – E que metais preciosos são esses?
Em sua maioria são minerais não ferríferos como o calcário, granito, mármore e quartzo, que pode ser encontrado em diversos lugares do Ceará. Falando novamente sobre o número de processos minerais ativos, os 950 processos minerais que existia nos anos 2000 estavam sobre uma área mais ou menos de 350 mil hectares, já os mais de 6 mil processos minerais atuais somam um total de 4 milhões de hectares, ou seja, um terço do território cearense está sob pesquisa de minerais para exploração.
Brasil de Fato – Para contextualizar, Erivan, em que pé estamos com esse projeto? O que já foi feito até o momento?
Na verdade esse processo do projeto de Santa Quitéria é um dos mais complexos não só para o estado do Ceará, mas para o Brasil como um todo. Essas empresas já citadas no início da entrevista, são empresas conhecidas por justamente minerarem outros lugares, como por exemplo a INB tem extraído minério de urânio no município de Caetité, Bahia, desde os anos 2000. Já a Fosnor tem desenvolvido o mesmo trabalho em Angico dos Dias, também na Bahia. O que a gente tem dito é que nós aqui do Ceará, em Santa Quitéria, acreditamos muito que iremos vencer mais uma batalha, não queremos ser Caitité ou Angico dos Dias, vamos lutar para que de fato as comunidades camponesas, indígenas, quilombolas continuem vivendo das culturas e dos modos de vidas que eles vem levando e construindo até hoje.
Além disso, queria ressaltar outro fato importante, desde de 2004 que tentam licenciar a exploração da mina de Itataia, desde esse primeiro pedido de licenciamento que foi negado, outros dois pedidos já foram feitos, sendo o último durante a pandemia. E o mais preocupante no último pedido de licenciamento é que ele foi feito com muita pressa. Em agosto do ano passado foi elaborado o EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental), e no final de novembro, apenas três meses depois de elaborado foi entregue ao IBAMA uma primeira versão do documento, entretanto, até agora não se teve nenhuma decisão do IBAMA quanto ao licenciamento da exploração da mina. A imprensa cearense e os jornais de grande circulação tem divulgado que o processo já está licenciado, e isso é mentira.
Brasil de Fato – E quais os impactos da exploração dessa mina para o meio ambiente e para a população que vive no entorno?
Então, existem vários impactos que podem acontecer a partir da exploração da mina, sobretudo em relação a questão hídrica. Assim como aconteceu em Caitité em que detectaram um teor de material radioativo acima do nível permitido pela Organização Mundial de Saúde na água para poder ingerir, o mesmo pode acontecer aqui. Outro problema mais grave é que a produção camponesa que pode também estar inviabilizada se esse projeto vier a ser de fato executado, porque nós estamos falando da maior mina de urânio e fosfato do Brasil, e a sétima maior do mundo. Além disso ainda existe o impacto causado pelo uso de materiais para exploração dessa mina, onde devem ser usados materiais explosivos que formariam uma pluma de poeira gigantesca, e que pode transportar material radioativo para as comunidades e outros territórios mais distantes.
Brasil de Fato – Estamos chegando ao fim de nossa entrevista e para finalizar gostaria que falasse sobre como a população no geral pode se mobilizar em relação a essa situação que está sendo discutida no momento, sobre a possibilidade da abertura da maior mina do Brasil, em Santa Quitéria, aqui Ceará?
Primeiro é que as pessoas precisam saber mais sobre esse processo mineral do Ceará e saber o que significa a mineração de urânio e fosfato. Outro passo importante é que nós não podemos receber qualquer coisa que chegue no território da gente simplesmente como uma coisa natural, que somos obrigados a aceitá-lo. Na elaboração do EIA/RIMA, as empresas afirmaram a geração de quinhentos empregos direto e dois mil e quinhentos indiretos, enquanto os jornais falam na geração de mais de cinco ou seis mil empregos. Agora nos perguntamos quantos empregos serão retirados das pessoas que vivem nessas comunidades tradicionais e que estão naquele território.
Nós vamos competir com a empresa com relação a água, com relação a agricultura familiar, principalmente com relação as doenças que poderão surgir naquela região e que o estado não tem se preocupado infelizmente com isso. Ou seja, impactando não só a população do entorno, mas também todo o Ceará nesse sentido. É difícil você pensar quando a coisa é um pouquinho distante e nesse caso na verdade mexe com todo mundo, a saúde como um todo da população cearense pode ser diretamente afetada.
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Edição: Camila Garcia