Nas últimas semanas, os integrantes do Coletivo Rimadores de Busão, formado por jovens que levam suas rimas, arte e cultura para dentro dos transportes coletivos, realizaram denúncias que estão em apuração pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Fortaleza, presidida pela vereadora Larissa Gaspar (PT), sobre a possível existência de quartos de tortura nos terminais de ônibus da capital.
Segundo as denúncias, esses quartos seriam destinados à tortura por parte da Guarda Municipal de Fortaleza. Para falar sobre o assunto, o Brasil de Fato Ceará conversou com a vereadora, Larissa Gaspar. Confira:
Brasil de Fato – Para iniciar, gostaríamos de saber como essas denúncias chegaram até você?
Aconteceu um episódio de violência extrema cometido por alguns agentes da Guarda Municipal de Fortaleza, dentro de um dos terminais de ônibus da cidade que é o terminal do bairro Antônio Bezerra. Tivemos acesso a imagens gravadas pelos próprios jovens que compõe o Coletivo Rimadores de Busão, indo ao socorrer o colega agredido. Um desses jovens foi retirado violentamente do interior do veículo por alguns agentes da guarda municipal, foi arrastado pelo terminal e teria sofrido espancamento e tiros de sal.
A partir desse episódio, nós nos solidarizamos com a vítima, com a família e convidamos o Coletivo Rimadores de Busão para ir até uma reunião da Comissão de Direitos Humanos narrar o acontecido. De antemão reportamos a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Ceará e a Secretaria de Segurança Cidadã que dirige a Guarda Municipal de Fortaleza, dando conta dessas denúncias e pedindo a apuração e a responsabilização dos agentes que cometeram essa atitude criminosa. Porque o jovem ficou totalmente lesionado, um crime de lesão corporal em que o jovem ficou bastante ferido.
Durante a oitiva dos jovens na reunião da Comissão de Direitos Humanos, que inclusive contou com a presença de dois delegados da Polícia Civil do Departamento de Proteção aos grupos vulneráveis, alguns jovens, portanto, mais de um, contaram que além de vivenciarem essas situações de violência, eram levados para quartos dentro dos terminais onde eram torturados, sofriam atos de violência, xingamentos, espancamentos, etc. Foi uma grande surpresa, porque é inimaginável que em pleno 2022 existam ainda situações como essas acontecendo dentro dos equipamentos públicos de qualquer cidade.
De imediato registramos a denúncia e encaminhamos para diversos órgãos, além da própria Secretaria de Segurança Pública, Secretaria de Segurança Cidadã, Ministério Público e também para Defensoria Pública, para que a família do jovem agredido possa ser acolhida. Encaminhamos também ao Comitê de Combate e Prevenção a Tortura aqui do estado do Ceará. Como encaminhamento dessa situação, foi aberto um procedimento no Departamento de Proteção de Grupos Vulneráveis, e como o jovem que foi vitimado já havia prestado ocorrência, sabemos que já existe um procedimento criminal para esse caso e concomitante a isso, o procedimento policial também investigará a possível existência desses quartos.
Um fato interessante é que depois que tornamos esse fato público, chegaram muitas outras denúncias em das nossas redes sociais e temos feito o trabalho de compilação de todas para que possamos ouvir e atender as vítimas. Esse processo será feito com todas as pessoas que estão registrando essas ocorrências nas nossas redes sociais, elas também serão contactadas pelo Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis para serem ouvidas de forma sigilosa. Então é um procedimento bastante complexo e muito delicado também, pois temos que preservar a identidade, a integridade física e psicológica das pessoas envolvidas, ou que tenham sofrido, ou que tenham presenciado qualquer situação dessas. Também nós iremos realizar fiscalizações conjuntas para realmente compreender o que está acontecendo dentro dos terminais de ônibus de Fortaleza.
Brasil de Fato – Como esse caso está sendo acompanhado pela Comissão de Direitos Humanos? Como fica a apuração das denúncias sem colocar as vítimas em perigo, para que elas não sejam rechaçadas pelos próprios agentes?
A Guarda Municipal e a Secretaria de Segurança Cidadã não compareceram à reunião da Comissão de Direitos Humanos, embora tenham sido convocados previamente por meio de ofícios. E durante toda a reunião insisti por telefone para que o Secretário e o Diretor da Guarda entrassem e pudessem ouvir a vítima e a mãe, porque foram relatos dolorosos, sobretudo da mãe. Porém eles não se fizeram presentes e lamentamos bastante o fato de tentarem desqualificar a denúncia, alegando que estaria permeada de um viés político, o que não tem absolutamente nada a ver.
Além disso, é necessário realmente que haja um compromisso com a investigação até para preservar a imagem da Guarda Municipal de Fortaleza. Para que a população entenda que isso não é uma prática do conjunto dos servidores da Guarda Municipal de Fortaleza, mas que existem alguns que abusam das suas prerrogativas e cometem excessos. Esses precisam ser identificados, responsabilizados e afastados do exercício de sua função, já que não demonstram compatibilidade emocional e psicológica para exercer a atribuição que lhes compete. É importante a gente dizer que a guarda não tem um papel de repressão e violência. O papel da guarda é de preservação do patrimônio público, em momento algum deve utilizar de mecanismos de promoção da violência e repressão da nossa juventude, ou de quaisquer grupos vulneráveis da cidade.
Esse caso também está sendo apurado no âmbito da Corregedoria da Guarda Municipal, órgão dotado de autonomia para investigar procedimentos envolvendo os servidores da Guarda. Nós esperamos que o procedimento da corregedoria avance, assim como a gente espera que a investigação policial também avance. A comissão de Direitos Humanos não tem competência para investigar a prática de crimes, e isso é de fato uma competência da autoridade policial no âmbito da Polícia Civil. Porém, enquanto parlamentar estarei com uma comissão de outras instituições compostas pelo Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis, Ministério Público, Defensoria Pública, Escritório de Direitos Humanos e o Comitê Estadual de Prevenção e Combate a Tortura, visitando os terminais e atestar através de fiscalização, a existência ou não, desses espaços. A partir disso poderemos emitir recomendações para Guarda Municipal de Fortaleza, no sentido de que todos os agentes portem uma filmadora em seu fardamento que possa identificar e registrar o comportamento do profissional no exercício de suas atribuições.
Outra forma de realizarmos essas fiscalizações é através da recomendação de captura de imagens de vídeos a serem instalados em todos os terminais de Fortaleza, incluindo as salas fechadas. Além disso, outra recomendação que faremos é em relação a um curso de capacitação permanente em Direitos Humanos para desenvolver realmente o senso de justiça, de civilidade e de respeito pelo próximo, e para que o guarda municipal possa compreender que a sua posição e seu concurso público não devem ser utilizados para cometer violência.
Brasil de Fato – Sobre o sigilo das pessoas que estão enviando denúncias de situações semelhantes, como vocês pensam a oitiva de maneira que elas se sintam seguras de formalizar as denúncias?
Não vou poder dar informações sobre isso, justamente porque é um procedimento que precisa estar sob sigilo, para que as pessoas sejam preservadas. Entretanto, foi pensado um mecanismo para ouvir essas pessoas e a gente aproveita para fazer um apelo à população, para que todos se comprometam e que fiquem seguros para relatar aquilo que viram ou presenciarem. É muito importante a instrução desse processo porque assim, o responsável por cometer esses excessos seja responsabilizado e afastado da corporação para preservar as prerrogativas da corporação.
Existe todo um procedimento desenhado no âmbito da Polícia Civil em parceria com outras instituições de proteção aos Direitos Humanos, que foi pensado para justamente preservar a identidade das pessoas que irão prestar depoimento. Não podemos dar detalhes para não prejudicar o andamento das investigações.
Brasil de Fato – Estamos chegando ao final de nossa entrevista, mas gostaríamos que explicasse rapidamente sobre a própria Comissão dos Direitos Humanos, como as pessoas podem acessar a Comissão para fazer denúncias de quaisquer tipos de violação?
A Comissão se reúne todas as quintas-feiras, a partir das nove horas da manhã. É uma reunião pública que acontece dentro da Câmara Municipal de Fortaleza. Quem quiser chegar e participar, seja para acompanhar, fazer uma sugestão, ou denúncia de uma situação de violação de Direitos Humanos, pode chegar e dar o seu recado.
A gente também possui um e-mail institucional por onde recebemos algumas denúncias, solicitações de fiscalização, sugestão para apresentação de iniciativas parlamentares, projetos de leis, requerimentos, realização de audiências públicas e etc. Então assim, a Comissão está aberta e qualquer pessoa que ache que está numa situação de violação dos Direitos Humanos pode nos procurar e certamente vai receber todo o nosso apoio e empenho para buscar solucionar a situação de conflito.
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Edição: Camila Garcia