Ao falar sobre a luta pela terra no Brasil, sempre devemos citar a Lei da Abolição, de 13 de maio de 1888. Pois, apesar de decretar a liberdade a um grupo que vivia em completa exploração em grandes extensões de terras, latifúndios e desmandos de coronéis, a Lei só reforçou outra criada em 18 de setembro de 1850, a famigerada Lei de Terras, que regulamentou a propriedade privada, principalmente na área agrícola.
Trago esse contexto, porque entender a luta do MST hoje é fundamental voltar as lutas anteriores por terra. É olhar a luta do Quilombo dos Palmares que conseguiu dar refúgio a muitos negros e negras, é retornar a Balaiada, a Cabanagem, a Canudos, Trompas e Formoso e as Ligas Camponesas. O MST herda em sua essência a luta de muitos que buscaram uma sociedade justa e igualitária, refletindo a importância dos que nos antecederam nesta caminhada.
Quando as primeiras ocupações foram realizadas pelo MST em meados das décadas de 1970 e 1980, traziam a terra como um bem da natureza que precisava ter sua função social realizada na prática da produção de alimentos e moradia. As palavras de ordem diziam “terra para quem nela trabalha”, porque a terra tinha e tem que estar a serviço de quem precisa. Nos anos seguintes as ocupações ganharam força e sucessivamente a territorialização do MST por todo o país. Hoje, estejamos organizados em 22 estados e no Distrito Federal, possibilitando assim uma nacionalização da luta pela terra.
As ocupações são para o MST, o pulsar do coração da luta organizada. São nelas que expressamos a nossa capacidade de organizar e massificar para assim lutar pelo objetivo de conquista da terra, lutar por reforma agrária e por transformação da sociedade, como assim expressamos em nossos documentos os três objetivos do MST.
Esta luta, organizada e realizada por meio das ocupações, tem como referência um mês que nos foi marcado pelo sangue derramado no chão, quando 19 sem terras foram brutalmente assassinados a mando do Estado, em nome da lei e da ordem. Este dia, o 17 de abril, passou a ser o dia Internacional da Luta Camponesa. Não é só uma data que marcou há 26 anos por causa do Massacre em Eldorado dos Carajás no Pará, pois ela se aprofunda hoje num Brasil onde não existem mais políticas de Reforma Agrária, mas sim um esfacelamento dos assentamentos construídos através da titulação dos mesmos.
A força do MST surgiu de uma necessidade histórica de luta por distribuição de terras, num país onde mais de 60% das terras cultiváveis estão em poder de um projeto maior de destruição e controle dos bens da natureza, onde o agronegócio que se apresenta como pop e tech, promove mesmo é destruição e faz da terra uma mercadoria produzindo commodites e não alimentos. Hoje, por toda terra em controle dos assentados ligados ao MST, se produz vida e sonhos, garantindo assim uma alimentação de qualidade, visam o próximo e não ao lucro, travando um debate alternativo frente ao modelo que destrói, debatendo a construção de um projeto soberano para o país.
Abril é mais do que o mês que tremula a bandeira vermelha em muitos novos territórios, é o mês da resistência, da luta organizada, da participação de uma militância que estuda, que sonha e se constrói nas fileiras das marchas, nas ocupações de BR’s, que se multiplica no sonho da liberdade da terra. É para todos aqueles que acreditam que a Reforma Agrária é a única saída para mudar as estruturas do capital no campo. Abril também é o mês da jornada universitária em defesa da reforma agrária.
Abril também de jornada Universitária
Desde o ano de 2014, a Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA) vem ocorrendo em diferentes desenhos, metodologias e períodos. Com seus oito anos de realização, já envolveu mais de 70 instituições de ensino superior; grupos, núcleos e laboratórios de estudo e pesquisa; programas de pós-graduação; coletivos de trabalho; estudantes de diversos cursos de graduação; movimentos e organizações populares do campo e da cidade que se articularam em torno do estudo e do debate das múltiplas dimensões que envolvem o tema da Questão Agrária e da Reforma Agrária Popular. O desafio é avançar, multiplicar, fortalecer.
A JURA se tornou um rico espaço de aglutinar e promover um amplo debate sobre a Reforma Agrária, mas também de temas relevantes a sociedade no contexto que vivemos, estudando também momentos históricos da luta social no Brasil e no mundo. Este ano, a Jornada traz como referência o debate de Projeto de País, porque acredita que a universidade tem o papel de construir formação social e política dos seus educandos. No Ceará, contamos com diversas instituições que fazem essa discussão em parceria com o MST e o Plebeu Gabinete de Leitura, tendo como base orientações construídas coletivamente.
Este ano nossa JURA terá sua abertura oficial dia 26 de abril na Universidade Estadual do Ceará, com uma bonita mística de resistência e resgate dos mártires da luta pela terra, do fortalecimento da unidade e da construção do projeto popular para o Brasil.
REFORMA AGRÁRIA POPULAR, POR TERRA, TETO E PÃO!
*Formada em história pela UFPB; especialista em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais e Educação Popular e Convivência com o Semiárido, ambas pela Fio Cruz; e Integrante da Direção Estadual do MST pelo Setor de Formação.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Para receber nossas matérias diretamente no seu celular clique aqui.
Edição: Camila Garcia