Já caminhamos para três anos de pandemia causada pela covid-19, onde o mundo vive o medo e a incerteza de um vírus que matou mais de seis milhões de pessoas no mundo, segundo a Universidade Johns Hopkins nos Estados Unidos da América. Com a pandemia e a crise profunda do capital, que ampliou as desigualdades sociais pelo mundo e no Brasil, se aprofundaram também os conflitos agrários e, consequentemente, os despejos. Dados da Comissão Pastoral da Terra apontam que desde o início do governo Bolsonaro os conflitos tiveram um aumento de 57,6% em comparação a outros governos, ampliando assim uma disputa por território.
Como se percebe o aumento dos conflitos, mesmo vivendo uma pandemia que se arrasta para três anos, onde se aprofundou uma a crise econômica, sanitária, ambiental e humanitária de representatividade, os conflitos não deixaram de acontecer e mesmo com hospitais e leitos cheios, altos índices de mortes por dia, ainda foram despejadas famílias que, de uma certa forma, produziam e moravam em locais de ocupação, sendo urbana ou rural.
No primeiro ano de pandemia tivemos 2.054 conflitos envolvendo 914.144 pessoas, das quais 19 chegaram a perder suas vidas. Muito mais do que despejar é o ato de violência em si causado pela ação como, por exemplo, o despejo realizado do Quilombo Campo Grande em Minas Gerais, onde a ação foi televisionada como forma de demonstração de força e falta de diálogo por um estado que despeja e fortalece a invasão dos grandes em terras onde pequenos produziam e residiam.
No estado do Ceará, como nos demais estados da nossa confederação, tem um número bem significativo de conflitos, chegando a mais de 120 e envolvendo 1.545 famílias em situação de vulnerabilidade social ameaçadas de despejos entre março de 2020 e maio de 2021, segundo o Escritório Frei Tito de Alencar.
Muitos desses conflitos envolvem a especulação imobiliária e o grande desenvolvimento do agro, hidro e minério negócio, que vê na terra uma propriedade privada, a expansão de seus lucros e roubo de nossas riquezas.
Dos muitos conflitos existentes no estado queremos trazer um que dialoga com toda a resistência das famílias que hoje vivem ameaçadas de despejo, que é o Acampamento Zé Maria do Tomé, na Chapada do Apodi. O mesmo foi realizado no perímetro irrigado do Jaguaribe Apodi, em Limoeiro do Norte. O acampamento, no âmbito jurídico, já se esgotou todos os seus recursos, mas foi beneficiado pela ADPF de número 828, concedida pelo ministro Luís Roberto Barros que suspendeu por seis meses os despejos e que foi prorrogado até dia 31 de março deste ano, garantindo a mais de 14 mil famílias a segurança de não serem despejadas. A petição foi protocolada pelo PSol em conjunto a Campanha Despejo Zero beneficiando os movimentos de atuação no campo e na cidade.
Alguns números para nos mostrar a necessidade de lutar e garantir que se mantenha a ADPF 828 depois do dia 31: Mais de 132.290 famílias estão ameaçadas de perderem suas casas, seja no âmbito rural ou urbano; mais de 27.600 famílias sofreram ação de despejo durante o período de maior agravamento da pandemia; mais de 14.600 pessoas foram diretamente protegidas de despejo graças a reclamação apresentada no STF. Foram identificados 160 casos de suspensão, sendo mais de 22.868 famílias que não se encontram na rua.
Diante disso a Campanha, junto às organizações de atuação na luta por terra e moradia, vem junto a juristas, professores, parlamentares e sociedade civil realizando ações que denunciam os riscos de não se manter a ADPF 828, com audiências públicas em assembleias legislativas e câmaras municipais, vigílias, doação de alimentos e cartas enviadas aos ministros do STF.
Com tudo, a nossa organização mostra o tamanho do nosso poder de mobilizar e defender a vida, a luta organizada e a resistência popular.
Porque DESPEJO NA PANDEMIA É CRIME
*Formada em história pela UFPB; especialista em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais e Educação Popular e Convivência com o Semiárido, ambas pela Fio Cruz; e Integrante da Direção Estadual do MST pelo Setor de Formação.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Francisco Barbosa