Ticiane Studart, militante feminista da Marcha Mundial das Mulheres e da Frente Brasil Popular conversou com o Brasil de Fato sobre as lutas, pautas e ações realizadas por movimentos de mulheres em relação à violência contra a mulher, mercado de trabalho, política e muito mais. Confira.
Brasil de Fato – Ticiana, o que significa ser mulher na atual conjuntura brasileira?
Bom, ser mulher já é um desafio permanente tendo em vista que até hoje ainda vivemos em uma sociedade permeada pelo machismo, pela misoginia, pelo que a gente entende que seja o patriarcado, ou seja, uma dominação a partir dos homens que institui uma divisão sexual do trabalho e que separa o que é trabalho do homem e trabalho da mulher, e não só separa, mas hierarquiza, e coloca as mulheres naquilo que a gente considera tarefas de trabalho reprodutivo e os homens no trabalho produtivo.
Então ser mulher na sociedade é um desafio permanente porque a gente continua tendo exatamente a necessidade de enfrentar esse conjunto de opressões e enfrentar essa desigualdade que ainda existe, porque ela é estruturante do sistema capitalista.
E ser mulher no Brasil hoje, no país governado pelo Bolsonaro, governo necrofascista que naturaliza a misoginia e que tem feito uma agenda de retirada de direitos acaba sendo, portanto, uma questão mais delicada, porque significa enfrentar a precarização do trabalho, enfrentar a sobrecarga de trabalho doméstico, inclusive pela ausência de serviços públicos, onde tivemos uma diminuição significativa de recursos para os serviços públicos de saúde e educação.
Então quanto menos serviços públicos mais sobrecarga de trabalho para as mulheres, e isso significa enfrentar o que eu falo que é o machismo, a misoginia, o controle sobre os nossos corpos e a nossa sexualidade. Significa também compreender que nós mulheres somos diversas e que nesse espectro da nossa diversidade existem opressões específicas que determinadas mulheres sofrem.
Brasil de Fato – E quais são os maiores desafios das mulheres?
Nós entendemos que o nosso desafio é elevar nossa capacidade de mobilização, elevar nosso trabalho de base, inclusive do movimento de mulheres para que a gente tenha cada vez mais um feminismo popular que dialogue com a maioria das mulheres brasileiras, com as mulheres do campo, da cidade, das periferias, mas também com as mulheres que estão nas universidades. Outro desafio permanente é alargar as nossas alianças políticas, não só no âmbito do movimento de mulheres onde a gente tem construído uma unidade muito importante, mas também alargar nossa unidade com um conjunto de lutadores e lutadoras que constituem o bojo do campo democrático e popular dos movimentos populares, das frentes e partidos.
Outro desafio é romper com a desigualdade de gênero na política, sabemos que somos a minoria em todas as casas legislativas e precisamos nos fortalecer enquanto movimentos feministas para que tenhamos cada vez mais mulheres na política, ocupando esses espaços de poder que sempre nos foi negado e assim teremos pessoas que, de fato, represente os anseios das mulheres e da classe trabalhadora como um todo, entendendo que a classe trabalhadora é diversa, ela está no campo, na cidade, é formada por homens e mulheres cis e trans, por pessoas jovens, adultas e ela tem uma marca forte que é exatamente o que a gente entende que é o racismo estrutural.
E, por fim, outro desafio que se coloca é exatamente a nossa capacidade de construir cada vez mais uma unidade com o conjunto de setores com quem a gente vem lutando e resistindo no último período, em que nós mulheres do campo progressista conseguimos ampliar nossas articulações, sobretudo a partir da campanha Fora Bolsonaro e também da unidade que a gente tem dentro do movimento de mulheres.
Brasil de Fato – Nos últimos anos estamos vivendo os desafios de viver em meio a pandemia de covid-19. Quais as consequências que ela vem deixando no dia a dia das mulheres?
Como disse a Simone de Beauvoir “toda vez que a gente tem uma crise política e econômica, a gente tem um impacto maior sobre a vida das mulheres”. E com relação à pandemia, isso ficou muito perceptível, não apenas por conta dos fatores que já me referi em relação à divisão sexual do trabalho, que responsabiliza as mulheres com o cuidado com a casa, com os filhos, com os doentes.
Então nesse contexto de pandemia, no processo de lockdown, as mulheres tiveram uma sobrecarga de trabalho doméstico e um aprofundamento da precarização das relações de trabalho, porque elas estão justamente nos setores que tem sido mais precarizados pelo processo de pandemia.
Outro fator que infelizmente a gente tem percebido é o aumento brutal da violência contra as mulheres, isso em decorrência do isolamento social. Foi assustador como aumentou os casos de violência contra as mulheres na pandemia. E ainda existe um outro fator nesse momento que é a pandemia da fome, e com essa responsabilização de que nós mulheres somos responsáveis pela alimentação, também temos sofrido com essa questão da insegurança alimentar.
Brasil de Fato – E sobre os movimentos de mulheres no estado do Ceará, você pode comentar um pouco de como está a organização das pautas e lutas para este ano?
Sim, existe um processo muito importante de articulação e de unidade no movimento de mulheres no âmbito nacional e isso também se dá em níveis estaduais. Aqui no Ceará nós temos construído espaços permanentes de diálogo entre os movimentos de mulheres e isso perpassa as articulações do 8M. Ano passado, por exemplo, como a gente ainda estava em um contexto onde não podíamos ir às ruas, nossas mobilizações ocorreram no âmbito virtual e realizamos uma jornada unificada de 08 a 14 de março com atividades durante todos os dias. E essa unidade perpassa, vem se constituindo ao longo do conjunto de agendas e mobilizações do movimento de mulheres, onde nos mobilizamos pela legalização do aborto, pelo enfrentamento à violência contra as mulheres, pela desigualdade de gênero em espaços de poder, entre outras lutas.
Ano passado o movimento de mulheres do Ceará teve grande atuação nos atos de rua. Os diversos coletivos sejam em secretarias de mulheres de partidos, de sindicatos, movimentos de mulheres auto-organizados, movimento de mulheres LBTs, movimentos específicos de mulheres negras, movimentos de mulheres indígenas, movimento de mulheres camponesas, todas juntas e misturadas, alertas e despertas na construção dessa agenda de resistência ao governo Bolsonaro e na agenda também específica do movimento de mulheres.
Ano passado, inclusive em nível nacional e também, obviamente, aqui no Ceará, as mulheres construíram o ato nacional das mulheres contra o Bolsonaro no dia 04 de dezembro, e desde o final de janeiro temos dialogado no âmbito dos diversos movimentos de mulheres aqui do Ceará a construção desse 8M que mais uma vez está sendo unificado entre o conjunto de movimentos feministas e não só aqui no Ceará, mas também em nível nacional.
Brasil de Fato – Estão marcadas ações para além do dia 08 de março?
Sim, para além do 8M tivemos mobilização das mulheres indígenas ainda no dia 05 de março, em Caucaia. Já no dia 11 de março, está marcada uma audiência na Câmara Municipal de Fortaleza proposta pela Nossa Cara Mandata (PSOL) e pela Vereadora Larissa Gaspar (PT) sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres, justamente nessa compreensão de que teve um aumento da violência contra as mulheres.
Além disso, as secretarias de mulheres dos partidos de esquerda que estão envolvidos nessa construção, o PT, PCdoB, o PSOL, PCB e a Unidade Popular, têm construído uma live unificada para falar sobre os desafios e a participação das mulheres na política.
Além dessas atividades, os movimentos de mulheres em Fortaleza e no Cariri estão se organizando para realizar ações de solidariedade com arrecadação de itens de higiene pessoal como absorvente, álcool 70%, máscaras PFF2, creme dental e escova de dente. Em Fortaleza, os locais para o recebimento de doações são: ADUFC, na Avenida da Universidade, 2346, no bairro Benfica; UNE, na Rua Senador Pompeu, 2379, no bairro José Bonifácio; e Centro de Formação, Capacitação e Pesquisa Frei Humberto, localizado na Rua Paulo Firmeza, 445, no bairro São João do Tauape. Quem preferir pode doar qualquer quantia, por meio do PIX: [email protected] (Monalisa dos Santos Nascimento).
Já no Cariri, está sendo construída a campanha “Quem tem fome, tem pressa!”. E as doações podem ser feitas pelo PIX: 88999633495 (Ana Verônica Barbosa Isidorio) ou Conta Poupança Bradesco: N°: 1001746-7, Agência: 771.
Para receber nossas matérias diretamente no seu celular clique aqui.
Edição: Francisco Barbosa