Esses dias, decidi retornar a dois filmes da minha infância que sempre foram um misto de medo e admiração: “Os fantasmas se divertem” (1988), de Tim Burton e “A história sem fim” (1984), de Wolfgang Petersen. Dois filmes de fantasia feitos na década de 80, no século passado e que me chegaram ali na metade dos anos 90, quando eu tinha meus 4 ou 5 anos.
Lembrava bem pouco da história dos filmes, mas eventualmente eu sonhava com um dragão que parecia um cachorro voando comigo pelos céus de Juazeiro ou com uns fantasmas bem gente boas tentando espantar pessoas metidas a besta e interesseiras de sua casa. Sempre amei fantasia, mas a qualidade da arte (para aquela época) das personagens fantásticas, ao passo que deslumbravam, me faziam ter pesadelo de noite, mas não é sobre isso que gostaria de falar hoje.
A questão é que nossas vidas são tão imersas no contexto que foi inevitável assistir Os fantasmas se divertem e não pensar em algumas coisas que temos vivido. Por exemplo, quando o cachorro atravessa na frente do carro dos Maitland e faz com que eles fiquem pendurados na ponte, seguros apenas pelo peso do mesmo cachorro que causou o acidente. O animalzinho fica sobre um pedaço de madeira que fazia uma espécie de alavanca embaixo do carro. Em seguida, sem a menor empatia, o cão sai de cima do pedaço de madeira e faz com que o carro caia no rio, levando o casal a se transformar em fantasmas. Como não associar ao que tem ocorrido no Brasil.
Calma gente. Não quero manchar a imagem do cachorro, que não tinha compreensão do que estava fazendo, com a associação a imagem do animal que foi eleito presidente do Brasil. No caso do que está no Palácio do Planalto, ele tem total compreensão do que está fazendo, tudo isso que ele tem feito é parte de um projeto que trata de fazer nosso povo voltar a uma condição sub-humana, vivendo de restos e falsas caridades dos ricos brasileiros, que odeia pobre, mas não quer que eles saiam da condição de pobreza.
Não quer as ruas repletas de sem-teto, mas não permitem que o Estado assuma seu papel e crie políticas públicas de assistência social para retirar as pessoas que estão nessa condição para uma situação de dignidade, permitindo que elas superem essa fase e voltem a ter casa, comida e autoestima.
Ainda no filme, é difícil não associar a imagem do personagem Otto com a do Paulo Guedes, os dois prometem mundos e fundos, mas não dão conta de sustentar o discurso.
Pois é gente, como tem virado quase um bordão, a crise é também estética. Prova disso é que com poucos dias de diferença, após o secretário “especial” de cultura e o secretário de incentivo a cultura atacarem a Lei Rouanet, mais uma vez limitando o cachê de artistas a três mil reais (agora me diga o que se consegue fazer com esse valor por mês no Brasil hoje?), o tal secretário “especial” gasta quase R$ 40.000,00 para ir se reunir em caráter de urgência com um atleta de jiu-jitsu em outro país. Qual a lógica? Que mensagem essa movimentação passa?
Vale dizer que não sou contra o incentivo ao esporte brasileiro, muito pelo contrário, sou contra esse governo ter acabado com o Ministério do Esporte, contra os cortes no Bolsa Atleta e a falta de reajuste de valores do programa, contra o Brasil incentivar tanto o futebol e tão pouco outras modalidades.
Mas esse mesmo secretário que se reuniu com uma pessoa do jiu-jitsu em caráter de urgência em Nova Iorque e que já colocou como agenda oficial da cultura sua ida a um clube de tiro usar armas de fogo, é o que repetidas vezes tem atacado a cultura brasileira. Eu quero saber se quando ele fez malhação ele recebia só os três mil por mês que ele diz ser justo como pagamento de cachê para artistas solo.
A imagem que esse governo, todo ele, que é a expressão maior do bolsonarismo, é de uma força pelas armas e pela violência física, pelo poder de exterminar o outro e a cultura desse governo não faria diferente.
Nós, trabalhadores da cultura, não podemos nos calar sobre essa situação, temos que seguir denunciando os absurdos que o tal secretário e o tal presidente tem proferidos contra nós e contra o Brasil. Temos que seguir em campanha permanente pelo fim do bolsonarismo, por ele e seus representantes Nunca Mais, e por uma mobilização em todos os cantos pela eleição de Lula, mas não só, precisamos eleger governadores, deputados e senadores que sejam progressistas e que representem todas as cores e sabores do povo brasileiro.
*Trabalhador da cultura e militante social.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Edição: Francisco Barbosa