Na minha palavração semanal por essas terras, desejava fazer uma canção de amor e saudade para Thiago de Mello que embalou a construção do meu sonho e minha caminhada em busca de um Brasil melhor. Ele que me chegou, como muito do que eu sou hoje, graças ao movimento estudantil, sobretudo o movimento de estudantes de Agronomia, na mística cotidiana da caminhada. Mas o Brasil segue desde o golpe de 2016 (sim, foi golpe) sob ataque constante, em estado crescente de violência, que se agravou com a eleição de um fascista.
Não estamos, como Thiago esteve, sob uma ditadura militar em vias de fato, com armas apontadas para nossas caras, digo isso do meu privilégio de homem branco, pois a periferia majoritariamente negra segue sendo agredida de todas as formas e sendo assassinada seja pelo extermínio de jovens negros, violências obstétricas contra mulheres majoritariamente negras ou crimes de ódio contra travestis e transexuais. Mas como relato acima, e as estatísticas infelizmente me confirmam, o Estado brasileiro segue sendo assassino e matando nosso povo, o que mudou é que com a gestão atual o ataque se intensifica para as populações que sempre foram violentadas – pretos, indígenas, sem terras, LGBTs... e também se amplia para setores que graças a um ou outro privilégio pouco sentiam na pele a dureza da vida da classe trabalhadora de nosso país.
No entanto, minha canção de amor e saudade se transformou, como a poética de Thiago, em ação para construção desse país que tanto sonho. Não posso não falar dos absurdos que nossa classe enfrenta, mas quero aqui adentrar no problema específico das trabalhadoras e trabalhadores da arte, que desde o golpe vivem sob constante ataques e como é de esperar quem se lasca somos nós, os pequenos e desconhecidos, os ninguéns como diria Galeano.
Ao entrar na plataforma do Salic - Sistema de Apoio às Leis de incentivo à Cultura, que é a plataforma que gere a Lei Rouanet, onde nós inserimos nossos projetos para cadastro e eventual captação de recursos, prestação de contas e afins, tomo um susto com o comunicado que fica logo na tela inicial da plataforma. Coloco o print abaixo para que se assustem comigo e vejam mais um motivo para tirarmos esse sujeito e sua equipe do Planalto e colocarmos alguém de fato compromissado com os anseios da classe artística.
O atual secretário “especial” de cultura proíbe expressamente a exigência de passaporte sanitário para a execução ou participação de evento cultural a ser realizado, já deixando claro que projetos que tenham esse quesito serão reprovados e sofrerão multa. O argumento que o secretário utiliza é que não se pode impor discriminação entre vacinados e não vacinados.
Mas como assim discriminação senhor secretário? Pessoas que de livre e espontânea vontade, sob forte estímulo do presidente e seus comparsas, optaram por não se vacinar, mesmo tendo todos os órgãos nacionais e internacionais competentes orientando a vacinação, mesmo quando pessoas que dedicaram anos de suas vidas à ciência e à saúde orientam a vacinação, mesmo quando os países que o governo coloca como exemplo estando entre os que mais vacinam e agem para a vacinação.
Discriminação é um ato que quebra o princípio de igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferências, motivado por etnia, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas. A escolha deliberada por não se vacinar e os discursos extensivamente levantados por negacionistas é que são discriminatórios, pois atentam contra o trabalho de diversos profissionais que dedicam suas vidas ao cuidado do outro, além de dos diversos crimes que essas mesmas pessoas praticam ao criar e difundir mentiras na sociedade, agindo como se fossem mais capazes que os próprios especialistas da área e seus pares que estão ali para se certificar que todos os devidos procedimentos técnicos, científicos e éticos foram tomados.
Nem sei porquê me assusto. O que esperar desse governo que não descaso, sofrimento e morte? Um governo que age sistematicamente contra seu povo, que censura e ataca constantemente a arte, que reduziu o Ministério da Cultura a uma secretaria especial mesmo a cultura sendo um dos setores econômicos mais promissores de nosso país, ainda que sem o devido incetivo. Repito para chamar a atenção de todas, se Wagner Moura, ator global, superfamoso, branco, hétero, cis e rico sofreu o que sofreu para lançar Marighella, avalie nós, os ninguéns que trabalham Brasil adentro fazendo a arte seguir viva em nosso país.
“O tempo do inimigo se acrescenta
de tão turvo poder, que está marcando
– o tempo do inimigo está marcando
a hora da rebeldia em nosso amor.
Mas só o povo é quem pode a rebeldia
quando no peito não lhe cabe a dor
que irrompe – e então são águas represadas
que desprendem, no seu volume espesso,
os ímpetos crescidos, despencados
no seu destino imenso de ser livre,
que se expande em fragor de tempestades
e gera brados balizando o rumo
por onde avança o povo revelado.”
Thiago de Melo. Obrigada pela tua palavra que construiu e segue construindo sonhos. O verbo que nos põe, com ternura, a cantar a canção do amor amardo.
*Trabalhador da cultura e militante social.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Camila Garcia