A pandemia do coronavírus acarretou diversos problemas sociais como o colapso no sistema de saúde, o desemprego e a fome, além disso, a falta de acompanhamento do poder público atenuou ainda mais esses problemas. Nesse sentido, movimentos populares se uniram durante este ano para a realização de diversas ações solidárias na tentativa de amenizar os impactos causados pela pandemia.
Para falar um pouco sobre algumas dessas ações e sobre os seus impactos, o Brasil de Fato conversou com Rogério Chaves dos Santos (Babau) – assistente social, militante do Movimentos dos Trabalhadoras e Trabalhadores por Direito (MTD) e Defensor dos Direitos Humanos e da Paz na Periferia.
Brasil de Fato – Babau, você pode definir como foi o ano de 2021 em relação as ações de solidariedade e a importância dessas ações para amenizar o impacto da fome nas famílias brasileiras?
2021 foi e continua sendo um ano muito atípico, mudando muito pouco do que foi 2020, ou seja, a pandemia ainda consegue ter impactos pesados, sobretudo na periferia. Desde o final de 2019 e início de 2020 quando já víamos a pandemia se alastrar em outros continentes, a gente já falava que o vírus em algum momento ia chegar no Brasil, e junto com ele a fome também chegaria por igual, e depois, em consequência disso, as mortes. Isso se tornou quase que um mantra para nós, e buscamos das mais diversas formas chamar atenção para essa problemática, chamar atenção da população e, principalmente, do legislativo, do poder executivo, de que naquele momento precisávamos de políticas públicas.
Nessa tentativa de chamar atenção para esses problemas que iam surgindo com o avanço do isolamento, vieram os auxílios, tanto para o gás de cozinha, para a luz, como o próprio auxílio emergencial. As próprias cestas básicas que a prefeitura, já no governo Roberto Cláudio distribuía, permaneceram sendo articuladas para o povo que precisava.
Os movimentos populares tiveram papel central nessa luta por auxílios que garantissem a sobrevivência do nosso povo, inclusive fazendo campanhas para a própria vacinação, que não chegou de forma rápida via Governo Federal, mas sim, graças aos Governos Estaduais, e nós, dos movimentos, por meio de muita campanha nas redes sociais, de diversos atos usando motes como o “comida no prato, vacina no braço”, fizemos com que a campanha de vacinação se tornasse gigante, passando segurança para as pessoas em relação a vacina, e as convencendo de que a vacina não traria consequências utópicas como espalhava o Governo Federal por todo o país. Então, o processo do avanço da vacinação também é parte dessa luta de solidariedade, parte da luta do povo para que o direito à vacinação seja para toda população e em massa.
Com toda essa mobilização houve a diminuição da mortalidade, da taxa de ocupação dos leitos de UTI nos hospitais, do número de infectados, e começou a surgir o “novo normal”, com a reabertura da economia, dos espaços de lazer, a volta das atividades normais como costumamos falar nesse cenário. Mas o impacto econômico ainda é muito brutal, a taxa de desemprego só aumentou, a miséria começa a aparecer, e a fome volta a surgir novamente no Brasil, fazendo com que retornássemos ao mapa mundial da fome. E a fome chega com muita força na verdade. Vimos pessoas fazendo fila em frigoríficos em busca de ossos, famílias retirando comida do lixo como aconteceu aqui mesmo no Ceará e foi viralizado em vídeo por todas as redes sociais.
Estamos falando sobre fome dentro de um país que tem soberania alimentar, que estraga toneladas e toneladas de comida todos os dias nesse momento, enquanto nosso povo está passando fome. Então as campanhas de solidariedade crescem nesse momento para minimizar os impactos causados pela fome, pelo desemprego, pela miséria, e faz com que as pessoas que estão sendo diretamente afetadas consigam minimamente sobreviver em meio a uma pandemia que já matou mais de 600 mil vidas. E por incrível que pareça, em vez desse processo de doações de alimentos para os movimentos populares aumentarem, assegurando a realização de ações de solidariedade, elas na verdade diminuíram. Isso dificultou a articulação dos movimentos, que começaram a se virar e fazer de outras formas.
Com isso começamos a desenvolver outras formas de construir as campanhas de solidariedade. Desde o início deste ano pensamos numa política permanente, de olhar para a fome e ver sua pressão social, já que o poder público não está fazendo, e assim, construímos as cozinhas populares, importante ferramenta de política social de combate à fome. E assim articulamos a primeira cozinha popular do MTD aqui em Fortaleza, no bairro Bela Vista, que funciona todos os domingos e distribuímos cerca de 350 marmitas durante o funcionamento, tendo capacidade de amparar as famílias da comunidade e garantir uma alimentação saudável.
Brasil de Fato – Você falou um pouco sobre as ações dos movimentos populares, do papel que assumiram durante esse período, e a importância desses na construção das ações de solidariedade. Foi de fato um "nós por nós", ou seja, a gente lutando com o que a gente tem para barrar um pouco esse avanço dessas crises?
É isso mesmo. São os movimentos populares do nosso campo que tem mais referência como o MST, MTD, MAB, MAM, Levante Popular da Juventude, MCL, juntos em diversas ações, não somente em Fortaleza ou no Ceará como um todo, mas também em vários outros estados do país. Então assim, tem muita gente organizada, tem ações organizadas, tem pastorais organizadas, tem partido de esquerda, como o próprio PT, O PSOL, PCB, muitas ações do MTST, então tem uma galera progressista realmente construindo muita ação de solidariedade e ajudando o povo que nesse momento tá passando fome.
Brasil de Fato – Na sua opinião, o que fez com que houvessem tantas mobilizações e ações de solidariedade durante esse período de pandemia e isolamento social?
Quando nós saímos do governo Lula (PT) e entramos no governo Dilma (PT), tínhamos ali quase zero de desemprego, tínhamos política de moradia a todo vapor, a área da construção civil muito forte, o comércio totalmente aquecido, pulsando, porque a classe trabalhadora possuía poder de compra. Então quando já no final do governo Dilma, com o processo do golpe, toda estrutura de Brasil que havia sido construída durante os governos do PT começa a se desmoronar nas mãos do então presidente Michel Temer (MDB).
Então o processo que nós passamos hoje é fruto de uma crise política que já vinha sendo sentida desde muito antes e que foi agravada com a pandemia, e nós dos movimentos populares, com as ações de solidariedade, avançamos inclusive para essa tomada de consciência e informação do povo. É preciso o povo compreender que a fome não é algo natural, que a necessidade de não ter o que comer ou a falta de dinheiro para comprar um pão, um frango, uma bandeja de ovo não é uma questão natural, é culpa de um presidente. É culpa de legisladores, de deputados estaduais, vereadores, deputados federais e senadores, eleitos por nós, por um discurso que hoje sabemos que nunca foi seu objetivo colocar em prática. E eles, que deveriam criar leis e projetos que garantissem os direitos básicos do povo, para garantir a comida no prato do povo, não fazem nada. Então, acredito que toda essa grande mobilização para as ações é fruto da revolta do povo em fazer daqui o que os políticos não fazem de lá.
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Edição: Francisco Barbosa