Ceará

Preço dos alimentos

"Peru para Ceia de Natal, só vejo na televisão!"

Carestia dos alimentos faz donas de casa desistirem de pensar sobre a tradicional Ceia de Natal

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Alta no preço dos alimentos aprofunda insegurança alimentar no Brasil em meio a pandemia - Tânia Rêgo/Agência Brasil

Dona Edini Barreto Saraiva, 61, abre as portas do seu modesto armário de cozinha. As prateleiras, praticamente vazias, dão conta da situação da costureira desempregada que, no momento, vive apenas do Bolsa Família. Mas mesmo que o armário estivesse abastecido, outros problemas para cozinhar o almoço do dia seguinte dificultariam sua vida: o gás também chegaria ao fim, a carteira vazia – e o alto preço da mercadoria - a impediria de encher o botijão. 

Se para ela está difícil pensar na comida do dia a dia, imagina na Ceia de Natal: “O que eu vou fazer pra ceia de natal? Num vou, num tem! Porque não tem condições, a cesta básica do preço que tá, um absurdo”, lamenta Edini. 

A realidade de dona Edini é compartilhada por muitos brasileiros. Com a alta nos preços dos alimentos, a fartura da ceia de natal não deve acontecer este ano: “O arroz tá um absurdo, feijão nem se fala, até o óleo, tem dia que é dez reais, tem dia que é doze. Então as pessoas perguntam, vai comprar o peru? Peru eu só vejo na televisão. A carne, tenho até medo de passar em frente ao frigorífico”, relata Edini, que mesmo diante das adversidades, mantém um sorriso bonito no rosto como quem não desiste de acreditar num futuro melhor.

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Nas gôndolas dos supermercados, o sobe e desce da inflação se vê refletido e no bolso do consumidor, o impacto da dura realidade que assola milhares de lares de Norte a Sul do país. Como na casa de dona Marta Regina, 62, que equilibra a renda de costureira com a aposentadoria do marido, o metalúrgico aposentado, Jorge Luís, 65: “ele é aposentado, assalariado, e mesmo assim nós temos que trabalhar já depois dos 60 pra sobreviver. Eu nunca pensei que depois dos 60 eu fosse trabalhar tanto mais meu marido”, lamenta.  

Na divisão de tarefas, seu Jorge Luís é quem fica responsável por fazer o mercantil de casa e conta como tem sido difícil pensar na tradicional ceia natalina com os preços dos insumos cada dia mais elevados: “Com essa pandemia tudo encareceu, tem pessoas que não tem nem condições de fazer a ceia de natal, por que os preços desses supermercados estão muito altos. A gente sente até vontade de não fazer a ceia, não sei o que é que está acontecendo para esses preços estarem tão altos”, se questiona Luís.
 
Isso se chama inflação. Seu Luís. De acordo com o último levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Economia, os principais itens da cesta natalina acumulam aumento de 15,36% de dezembro de 2019 a novembro deste ano. O percentual corresponde a quase 4 vezes a inflação média, que foi de  4,63% acumulada no mesmo período. E o fator que mais puxou a inflação foi justamente a elevação no preço dos alimentos, comprometendo a maior parte da renda, principalmente, das camadas mais pobres, como explica o economista Fábio Sobral: “Os alimentos ocupam um percentual grande da renda, então qualquer aumento aí significa uma redução muito drástica. Então essa inflação, principalmente a inflação de alimentos, tem significado uma enorme transferência de renda das camadas assalariadas, das camadas trabalhadoras, para os setores mais ricos. Então esse é o principal impacto, um impacto muito cruel”. 

A dolarização da economia e um Governo Federal que só se importa com os ricos, são apontados pelo economista como os culpados de desenhar essa realidade: “Na verdade, o real morreu para esses produtos alimentícios, eles estão cotados em dólar. Nós recebemos os nossos salários, quem tem a sorte de estar ainda recebendo salários, em reais e o dólar tem sido conduzido pelo Governo pra que ele se distancie do real. Eles fazem constantemente medidas, que parecem aleatórias, mas são na verdade de caso pensado, que provocam com que o dólar fique mais caro, para que as pessoas que negociam no mercado de câmbio, no mercado de dólares, fiquem mais ricas. O Governo trabalha para esses setores ricos, para esses setores que têm condições de negociar nesse mercado e absorver esses ganhos”, reitera Sobral. 

Sobral explica ainda que existe um plano orquestrado por trás de todo esse contexto da dolarização da economia brasileira e boa parte do dinheiro arrecadado hoje com as exportações nem voltam para o país: “O Brasil bateu o recorde nas exportações, mas US$41 bilhões de dólares ficaram no exterior. Além disso, eles desmontaram, desde o Governo Temer, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), os estoques reguladores do mercado. Quer dizer, é uma ideia de que o mercado se auto-regula. Eu acredito que ele se auto-regula, mas para o seu benefício e contra o povo. Se auto-regula para expandir suas taxas de lucros e para extrair o dinheiro da população”, defende.

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Edição: Camila Garcia