Quando o despertador toca, às 7 horas e 30 minutos, Maria Gabriela Soares de Almeida, 17, já sabe que é hora de levantar. Ela precisa dar o banho da irmã caçula e encaminhá-la para a escola. Às terças e quintas, a estudante, ainda pela manhã, segue para o curso de inglês. Na volta, dá novamente o banho da irmã, ensina a tarefa e corre, agora para arrumar suas próprias coisas, porque às 13 horas precisa estar no Liceu do Conjunto Ceará. “Meu horário era de 13h às 18h30, quando eu chegava em casa eu ia fazer minha caminhada para aliviar um pouco do estresse diário da rotina”, conta.
Essa era a rotina da Maria Gabriela antes da pandemia. Com a chegada da covid-19 e a interrupção das aulas presenciais, foi preciso adaptar. Ela ainda levanta às 7h30 da manhã, dá o banho da irmã, manda a pequena pra escola, mas as caminhadas da noite foram substituídas pelas horas de estudo online, com foco no vestibular. “Eu sinto que mesmo que o EAD e o ensino híbrido escolar esteja se aprimorando para o melhor aproveitamento dos alunos, isso ainda torna o estudo individual muito cansativo, pois o que o aluno fazia somente na escola, antes da pandemia, agora ele faz o dobro e ainda tendo a questão de nem sempre conseguir acompanhar o ritmo escolar, que é cobrado para que ele possa passar de ano”, defende.
Desde o último dia 4 de outubro, o Ceará determinou a obrigatoriedade da priorização das atividades presenciais. Com isso, milhares de estudantes como a Maria Gabriela, puderam retomar um pouco de suas rotinas de antes. A espera foi longa e ela não via a hora de poder estar de volta ao ambiente escolar. Após 18 meses no ensino remoto, a expectativa era grande e o dia, finalmente, chegou: “O meu primeiro dia de aula foi bem legal, por incrível que pareça, mesmo eu estando apreensiva gostei muito. A sensação de estar de volta é de que eu estou na minha segunda casa, por que desde que eu me conheço por gente, que eu sempre fui à escola”.
Readaptar foi a palavra de ordem para muitos desses estudantes, após tanto tempo tendo a escola dentro de casa. Foi o caso da Marcela Lovatel, também aluna do 2º ano, só que de uma escola particular, que já voltou com quase 100% dos alunos para dentro das salas de aula. “Eu acho que o que foi mais difícil pra mim foi voltar pra essa rotina que eu tinha antes, por que como eu fiquei (quase) dois anos em casa meio que acostumou e foi uma mudança muito repentina porque esse decreto, de voltar com 100%, foi assim de um sábado pra segunda-feira já estar de volta. Atualmente eu me sinto melhor, querendo ou não, do que eu me sentia dentro de casa porque dentro de casa tinha uma preguiça maior, né?”, comentou Marcela.
Ela conta ainda que de início estava apreensiva, principalmente por achar que não saberia se expressar, se relacionar como antes. Mas depois do primeiro dia de aula presencial bem-sucedido, ficou mais tranquila: “principalmente quando vi que todos na minha escola estavam seguindo os protocolos, fiquei menos preocupada”.
E essa ansiedade do retorno presencial foi dividida também com aqueles que batalharam duro do outro lado da tela, os professores, que dedicaram horas de seus dias se adaptando ao novo modelo. Planejando e tentando tornar toda aquele momento em aprendizado. Para eles, a volta teve sua emoção, mas também enormes desafios. É o que relata a professora do 2º ano do Ensino Fundamental de uma escola particular, Gabriela Silva Gomes: “existia um medo de ficar doente, medo de transmitir essa doença, tanto para as crianças como para outros familiares, por que muitos de nós utilizávamos transportes públicos, por que por mais que estivéssemos seguindo todos os protocolos, muitas coisas podem acabar furando de alguma forma, então existiam todos esses receios”, revela.
A professora de Espanhol de uma escola estadual em Fortaleza, Nathália Cardoso, 35, assumiu o cargo já na pandemia (em maio deste ano), e o retorno ao presencial para ela teve suas particularidades: “a minha maior expectativa era porque eu não conhecia os alunos presencialmente. Eu não sabia como eles eram, do que eles gostavam, como se comportavam, também não sabia como é que eles estavam, em termos familiares, que a gente sabe que são muitas coisas que influenciam no desempenho desses alunos”.
Nathália aponta quais os sentimentos a acompanharam nesse período: “eu senti uma grande ansiedade por parte dos alunos pra essa volta pro presencial, pelas dificuldades que eles tinham no online e também porque muitos diziam que aprendiam melhor presencialmente. E tinha os professores também, que estavam exaustos de estarem dentro de casa”.
A professora Shalana Varela, 31, de uma escola estadual no município de Pacatuba, ressalta ainda um pouco das dificuldades relatadas por muitos alunos de escolas públicas, que durante a pandemia precisaram arranjar emprego para trazer o sustento pra dentro de casa, o que acabou dificultando um pouco o retorno deles para o presencial: “principalmente os alunos de 3º ano, que a perspectiva lá é para poucos o vestibular, a maioria pensa em arranjar um emprego e ajudar em casa”.
Para a Joana D’arc Campelo de Andrade, 47, professora da rede municipal, na educação infantil há mais de vinte anos, o retorno está sendo mais tranquilo do que ela imaginava: “Como diz o ditado, o diabo não era tão feio quanto a gente pintava, realmente a gente sentiu muito medo no regresso, mas quando a gente voltou para a escola percebemos que as crianças estavam bem informadas, nós fizemos uma avaliação diagnóstica com elas e percebemos que elas tinham boas informações sobre o que era essa pandemia”.
Opinião compartilhada pelo professor de Português do Liceu do Conjunto Ceará, Maurício de Oliveira. Para ele, os alunos estão mais motivados do que antes da pandemia: “Como professor sempre é muito estimulante estar com os alunos em sala de aula e eu, também, me sinto empolgado pra retomar a profissão, a atividade laboral, já presencialmente”, conta.
E assim, aos poucos, novas formas de convivência acontecem no ambiente escolar presencial, com a esperança de que, em breve, todos possam enxergar para além dos olhos, o sorriso, como afirmou o professor de ciências, Giordano Vasconcelos Capibaribe: “a gente nota que os alunos estão um pouco reticentes, estão ainda degustando com muita cautela, vendo como é que a coisa vai se desenvolver, vendo como tudo vai acontecer pra que realmente, talvez, eles consigam sentir. Eu acho que um grande marco vai ser quando conseguirmos tirar a máscara a nível de coletividade, é quando a gente realmente puder ver o sorriso do outro, é ver ele na plenitude de sua face, se enxergar no rosto do outro”.
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Edição: Camila Garcia