O Brasil de Fato Ceará entrevistou o professor Bruno Rocha, presidente do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (Adufc-Sindicato) para falar sobre a atual realidade desses profissionais diante dos desafios enfrentados em meio a pandemia do coronavírus como a volta às aulas presenciais e sobre as ameaças de cortes de direitos, como é o caso da PEC 32.
Brasil de Fato – Como você vê a luta das universidades públicas, sobretudo as universidades do nosso estado que a Adufc também representa nessa conjuntura atual, e em que ponto estamos nesse contexto?
Bruno Rocha – Bem, a luta das universidades tem sido bem árdua nos últimos tempos. Primeiro, desde a Emenda Constitucional – EC 95, que estabeleceu o teto de gastos e definiu vinte anos de congelamento nos investimentos em saúde e educação, por exemplo. Então isso tem inviabilizado qualquer tipo de melhoria na universidade, uma vez que o orçamento de custeio da universidade tem caído sistematicamente desde 2015, muito em função dessa Emenda Constitucional e, obviamente, dois governos que vieram após o golpe, que trouxeram essa perspectiva de desprezo pela educação, de falta de investimento em ciência e tecnologia e ignorando completamente a importância desses dois aspectos no desenvolvimento do país.
Então esse é o primeiro ponto, e isso se agrava no governo Bolsonaro, com o Ministério da Educação criando uma espécie de ódio indiscriminado às universidades e professores; a busca do Ministério da Economia de retirar diretos e reduzir salários dos docentes, cortando cada vez mais o orçamento da educação e da pesquisa; o governo negacionista que não se importa com a principal fonte de criação, de formação e de desenvolvimento científico e tecnológico que são as universidades públicas.
Então estamos nesse cenário bem conturbado e difícil. Estamos lutando contra a reforma administrativa, que tenta privatizar os serviços públicos como um todo. E aí, incluído entre eles, as universidades e a educação básica também. São lutas bem difíceis e isso tudo culmina nessas últimas notícias que a gente tem dos cortes absurdos, ainda mais da ciência e tecnologia, que resumiram o orçamento de ciência e tecnologia no Brasil a um valor menor do valor menor daquele gasto por Bolsonaro no seu cartão corporativo, que é um grande absurdo.
Brasil de Fato – Qual o papel de um sindicato como a Adufc nessa promoção da defesa dos diretos dos docentes e também dos discentes?
Eu tenho dito que apesar de todo o retrocesso a nossa luta tem sido muito árdua, mas não tem sido em vão. Então, das tentativas de privatização do setor publico que sempre existiram nos governos mais conservadores e foram intensificadas no governo Bolsonaro para implementar essa política louca do Paulo Guedes, a gente tem algumas vitórias, dentre elas eu caracterizo que a derrubada do Future-se, que era a tentativa de privatização por dentro da universidade, uma pauta do Weintraub, que também foi derrubado. Então a gente tem aí uma grande vitória, porque todas as universidades rejeitaram a implantação desse projeto.
Em um segundo aspecto a gente tem mostrado que a sociedade não quer a privatização dos serviços públicos. Conseguimos aprovar o novo FUNDEB para o ensino básico e essa aprovação, apesar de ter tido a tentativa de tirar parte do FUNDEB para o setor privado, através dos voucher da educação, a gente também derrotou isso no congresso, então mostra que a educação não é uma moeda de troca e a população brasileira não se conforma com a tentativa de privatização.
Nós queremos uma educação pública gratuita e de qualidade na educação básica, superior e na pós-graduação. Essas vitórias têm que ser comemoradas. A Adufc tem feito essa luta e acho que o nosso papel é intensificar as lutas em defesa dessas pautas que atingem a sociedade brasileira, e temos tentado desempenhar da melhor forma possível.
A Adufc tem como uma das principais bandeiras a luta para a derrubada da PEC 32. Queria que você falasse um pouco sobre essa bandeira de luta e como é que os docentes estão se posicionando?
Nós, da Adufc, já deliberamos desde o ano passado que nossa prioridade é derrubar a Reforma Administrativa. Nós construímos no estado do Ceará o Fórum Permanente em Defesa do Serviço Público com vários sindicatos de carreiras federais, municipais e estaduais dos serviços públicos onde nós, desde o ano passado, articulamos campanhas publicitárias, divulgação através de outdoors, rádio, através de divulgação nos terminais de ônibus para conscientizar a população do perigo que é essa reforma administrativa.
Eles dizem que é para melhorar e da eficiência ao estado. No texto nós só vemos destruição do serviço público e negar à população saúde, educação, segurança pública, acesso ao direito, acesso à justiça. Principalmente negação do direito à população aos programas de assistência social, porque é isso que a retirada do serviço público significa, perda do amparo social. E nessa busca que nós temos desde a construção de um estado democrático, um estado que seja de bem-estar social, sem serviço público é impossível.
Estão negando aquilo que foi pactuado na constituição de 1988, tirando da família da periferia o acesso à creche, o acesso à escola para que o filho possa ter um trabalho e renda para garantir que a família possa ter uma perspectiva de vida que não seja precarizada. Eles têm tirado isso há muito tempo com as reformas trabalhistas, o direito da população de ver a melhoria da sua vida, mas agora eles querem tirar na base, o direito à escola, o direito ao posto de saúde, o direito à defensoria pública, ao acesso à justiça gratuita àqueles que são mais pobres. Então a reforma administrativa é tirar da população mais carente o direito de ter o serviço e o servidor público para lhe atender no bairro lá do lado onde ela mais precisa.
Qual seria o papel da sociedade que não faz parte da comunidade acadêmica na luta contra a PEC 32?
Na verdade o que a gente tem feito são campanhas que buscam alertar a população para que ela veja o quanto é possível perder, porque às vezes tem um discurso de que “o serviço público não atende todo mundo”, “marca consulta e demora atender”, mas a gente tem que saber que serviço público de qualidade e universal como a gente faz com o SUS, como a gente quer na educação, de acesso a todos para que todos tenham acesso a esses direitos não é nada trivial, e o Brasil, na Constituição se colocou esse desafio, de fazer com que isso chegasse a todo mundo. Imagina esse posto de saúde privatizado. Imagina o servidor que trabalha no posto de saúde, com redução de salário e redução de 25% do tempo no posto de saúde, isso melhora o serviço público de alguma forma?
Então é a tentativa de acabar e a população precisa estar alerta para isso, pois para barrar esse tipo de maldade só com mobilização na rua, só com manifestação, só com pressão popular, porque a única coisa que político e, principalmente aquele político que não está comprometido com a sociedade teme é a perda do voto, não voltar àquele posto de poder onde ele também tem, não só o poder político, mas poder econômico para garantir ali o seu lugar de destaque, de poder, de uso de dinheiro público.
Sem a pressão popular a gente não muda o voto desse tipo de político. A gente sabe que pode contar com os políticos que estão defendendo a classe trabalhadora, que estão defendendo os mais pobres, que estão contra esses absurdos, porém, a gente também sabe que conta com políticos que estão lá para defender o mercado, para defender as privatizações, para defender a transferência do dinheiro do povo para o setor privado. Então no meio termo tem aquele político que só está preocupado mesmo com voto e o poder que aquele cargo dá para ele. E para reverter esse tipo de voto só com pressão popular. O povo precisa saber que sua participação é muito importante, não só sociedade civil organizada em sindicatos, associações e movimentos populares. O povo, aquele que vai todo dia trabalhar no ônibus precisa estar alerta, porque é ele que vai ser mais prejudicado.
A Reforma Administrativa vem tendo dificuldade de passar para uma consulta no plenário da Câmara. Quais são os próximos passos da Adufc para continuar dentro desse contexto de que a reforma seja derrubada de fato?
Bem, nessa organização do nosso Fórum Estadual, na organização nacional que nós temos com a Andes Sindicato Nacional, com outras entidades nacionais, a gente tem organizado semanalmente a resistência em Brasília. A gente não parou. Já estamos pelo menos na quinta ou sexta semana ininterruptas de atos nos aeroportos nos estados e em Brasília. Atos em frente e dentro do Congresso. Estava lá no dia da votação do relatório, vimos a manobra que foi feita na calada da noite, fomos encurralados nos corredores para não chegar perto da sala na manifestação que fizemos lá, mas pressionamos e quase derrotamos a PEC ali, na própria votação do relatório, quando eles tiveram que fazer a manobra de mudança de parlamentar. Colocaram praticamente todo o Partido Novo porque nem nos partidos do centrão eles conseguiram achar quem quisesse votar naquele relatório.
Colocaram todo o partido novo para votar e isso foi também sintomático, mostrou que a nossa mobilização fragilizou essa PEC, e o que a gente tem feito é manter semanalmente a militância lá. Próxima semana estou indo com outros companheiros da Adufc, dos outros sindicatos que compõem nosso fórum, e lá em Brasília a gente se junta com todos os outros estados e vamos fazer a pressão que tem que ser feita, continuar falando com os deputados, mesmo aqueles que já se comprometeram a votar contra a PEC, continuando essa pressão e mostrando que nós não vamos recuar nenhum minuto e que não há nenhum tipo de acordo ou emenda para essa PEC. Ela é tão danosa que precisa ser derrubada. Então é esse nosso cenário para os próximos dias.
Dentro desse trabalho de monitoramento da classe política lá em Brasília para que a PEC não passe, como é que você avalia a atuação da bancada cearense que está lá no Congresso e está também nesse ritmo da pauta da PEC?
Nós tínhamos uma avaliação bem dividida quando começamos esse trabalho em Brasília. Nós tínhamos aí basicamente os políticos da oposição ao governo se opondo à PEC, só que com as semanas passando e a pressão feita nós vimos que não é bem assim.
Aqueles que estavam indecisos só não queriam manifestar que iriam votar contra, então nós temos aí uma avaliação de que praticamente cinco votos apenas da bancada cearense poderiam ser favoráveis à PEC hoje. São 22 deputados, então somados aos da oposição ao governo tem alguns deputados tanto da direita quanto do centrão que não vão votar e já falaram que ou votam contra, ou se abstém, ou não comparecem a votação se o texto for colocado em plenário nessas semanas. Pelo menos é essa a avaliação.
Nós sabemos que o governo pode virar esses votos, principalmente dos mais indecisos com a compra dos parlamentares com emendas, o que já está acontecendo. Mas ainda assim, na avaliação nacional, é que o Arthur Lira não tem os 308 votos necessários para aprovação da PEC, e nós vamos continuar mobilizando para que ele não tenha, e para que isso se quer seja votado este ano, e se não for votado esse ano dificilmente entra em pauta ano que vem.
Sobre o retorno às aulas presenciais gostaria que você falasse um pouco sobre como é que esse tema está correndo nas universidades federais?
Esse é um tema realmente bem difícil de discutir porque nós, enquanto sindicato, sempre defendemos o ensino presencial acima de qualquer tipo de virtualização do ensino. Então as aulas remotas não são, de forma nenhuma ao que nós defendemos, enquanto forma ideal para ensino e aprendizado. Defendemos o ensino presencial, mas quando o que está em jogo é salvar a vida das pessoas isso cria uma contradição que nós precisamos analisar, e por isso apoiamos hoje o ensino virtual até que todos os estudantes estejam vacinados com a segunda dose.
Esse é o apoio que a Adufc tem manifestado desde o início do processo de vacinação, que o retorno presencial só poderia acontecer nessas condições e ainda garantidas as condições de distanciamento, disponibilidade de álcool em gel e a ventilação nas salas, o que nós não temos na maioria das salas da UFC, já que elas foram feitas, em sua maioria, para o uso do ar-condicionado, principalmente nos laboratórios.
O que nós temos hoje na UFC é uma autorização para os professores, que acharem que tem condições de dar aula, que eu acho um absurdo porque coloca na obrigação do professor fazer essa avaliação, se tem a condição necessária para voltar com segurança, o professor não é habilitado para isso, não seria essa a nossa atribuição, mas é isso que está. Então se o professor acha que tem as condições ele pode voltar. Porém, o que a gente viu é que tem uma quantidade muito pequena de professores que dão aulas teóricas que voltaram, e muitos que voltaram foi por pressão de unidades acadêmicas muito ligadas à reitoria. Praticamente foram delegados a voltar e não tiveram a opção de dizer não. Isso aconteceu em alguns campus do interior que são menores. A relação direta do professor com o diretor da unidade e o diretor da unidade muito vinculado à reitoria, à intervenção da UFC acabou ocasionando isso, mas no geral não temos muitos casos de retorno presencial de aulas, principalmente de aulas teóricas. Agora nas práticas, alguns lugares onde conteúdo prático é muito elevado se tentou organizar para que fosse garantido um retorno mínimo dessas disciplinas, mas isso também aconteceu em uma quantidade muito pequena de disciplinas, não se trata do número total.
A gente está nesse cenário. Nós queríamos muito voltar para a sala de aula, mas sabemos que as coisas não são ideais ainda. Esse semestre a gente passa e no próximo retorna presencialmente, se tudo continuar como está previsto.
O que nos preocupa um pouco ainda na discussão da educação, é no caso da educação básica, que foi forçada a ir ao ensino virtual e agora é forçada ao ensino presencial novamente por decretos, e acaba que está em uma situação extremamente precarizada. Professores tendo que dividir suas turmas em quatro presencialmente e manter o ensino remoto para a mesma turma. O ensino híbrido. Ou seja, o professor está dando aula para cinco turmas quando de formar regulamentar seria uma única turma. Isso é uma precarização do trabalho docente e é grave, isso também tem que ser levado em conta, e foi contra isso que nós lutamos, as universidades não aceitarem esse tipo de duplicação ou triplicação do trabalho dos docentes. Isso é inaceitável.
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Edição: Francisco Barbosa