Velhas e falsas soluções para problemas complexos são marcas da direita brasileira.
Fiquei indignado enquanto ouvia o excelente podcast “Mano a Mano”, comandado por Mano Brown, quando seu convidado, Fernando Holiday, jovem liderança da direita brasileira, um dos principais porta-vozes do Movimento Brasil Livre (MBL) e vereador na cidade de São Paulo pelo Partido Novo, defendeu o fim da maioridade penal. Isso mesmo! O fim e não apenas a redução.
Quando debatiam sobre a questão do encarceramento no país, Holiday, que é negro e tem apenas 25 anos, nascido e criado na periferia paulistana, defendeu uma posição extremada em torno do tema. Não é novidade nos depararmos com argumentos favoráveis a redução da maioridade penal no Brasil, geralmente de 18 para 16 anos. Mas o que mais me impactou nessa situação, foi o fato de o vereador apresentar, com bastante entusiasmo e convicção, a extinção de qualquer idade mínima para a prisão de adolescentes e jovens, como ocorre em alguns estados dos EUA.
A entrevista de Holiday é bastante didática para desconstruirmos ilusões em torno de uma pretensa civilidade ou espírito democrático de determinados setores da política nacional, sobretudo aqueles que dizem representar uma genérica e falaciosa “nova política”. Pois, velhas e falsas soluções para problemas complexos são marcas da direita brasileira. Entretanto, a redução ou extinção da maioridade penal para diminuir a violência, a flexibilização dos direitos trabalhistas para gerar mais empregos, a privatização das empresas estatais contra a ineficiência da gestão pública, a criminalização das drogas para combater o tráfico, etc, etc, etc… são teses que carecem de fundamentos estatísticos, empíricos e históricos elementares, expressando, na verdade, posições políticas e ideológicas conservadoras.
A população carcerária no Brasil triplicou nos últimos vinte anos e é a terceira maior do mundo, com mais de 770 mil detentos, atrás apenas dos Estados Unidos, com mais de 2 milhões, e da China, com cerca de 1 milhão e 600 mil pessoas encarceradas. Dos presos brasileiros, 41,5% não foram sequer julgados e mantido o ritmo de crescimento dessa população (8,3% anualmente), teremos 1,5 milhão de presos em 2025, segundo o Departamento Penitenciário Nacional.
Esse aumento do encarceramento não é acompanhado pela diminuição de assassinatos, assaltos e dos mais variados crimes, como os dados oficiais demonstram. Com relação as mortes violentas, por exemplo, foram registrados 43.892 casos em 2020, contra 41.730 em 2019, um aumento de 5%.
Essa estratégia de enxugar gelo, por incrível que pareça, tem uma lógica. Do ponto de vista ideológico, é uma continuidade da herança escravocrata que estrutura as relações sociais ao longo de séculos no Brasil, tendo em vista que cerca de 64% da população carcerária é formada por pessoas negras. Do ponto de vista econômico, há toda uma cadeia que se alimenta e lucra com essa política de segurança racista e violenta, como empresas de segurança privada, que tem um crescimento médio anual de 8%, emprega 700 mil pessoas (o dobro do contingente da ativa das forças armadas) e movimentou em torno de 50 bilhões de reais só em 2018, segundo pesquisa realizada pela Consultoria Statista. Do ponto de vista político, reproduz o controle do Estado brasileiro por nossas elites incultas e brancas, manipulando o medo e anseios da população brasileira para perpetuar seus privilégios.
Infelizmente, a vitalidade e a popularidade de pautas e posições reacionárias são uma realidade no Brasil. O fato de ideias racistas como a extinção da maioridade penal serem reproduzidas abertamente por um jovem vereador negro, expressa a sofisticação do racismo brasileiro e acaba tendo um impacto ainda maior na opinião pública. Mas se observarmos a atuação parlamentar de Fernando Holiday, não teremos tanto espanto. Além das típicas pautas neoliberais que retiram direitos de servidores e penalizam os mais pobres, foi autor do Projeto de Lei 19/2019, derrotado na Câmara Municipal de São Paulo, que pretendia a revogação das leis que instituem políticas de cotas para o ingresso de negras e negros no serviço público municipal, além da tentativa de extinguir o feriado no Dia da Consciência Negra na capital de São Paulo.
Se todo camburão tem um pouco de navio negreiro, toda cadeia tem um pouco de senzala e toda a sociedade brasileira tem um pouco de responsabilidade com a situação das prisões. Instituições falidas que paradoxalmente (ou não) contribuem com o próprio aumento da violência, e roubam de uma parcela significativa da juventude pobre e negra, a possibilidade de um futuro que não seja o crime, a facção ou a cova.
*Título referente a música da banda O Rappa.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Camila Garcia