A reabilitação dessa narrativa anticomunista não é um caso apenas brasileiro.
O uso e abuso da palavra comunismo por Bolsonaro tem sido uma constante nos últimos anos. Seus opositores ou de qualquer perspectiva política não alinhada aos valores da extrema direita são taxados de comunistas, socialistas ou marxistas, pra variar, sem nenhuma base conceitual e histórica.
A reabilitação dessa narrativa anticomunista não é um caso apenas brasileiro. Em todo o mundo, lideranças, partidos e grupos conservadores têm lançado mão dessa estratégia discursiva para defenderem suas pautas reacionárias e obscurantistas. O presidente brasileiro copia os passos do seu ídolo, Donald Trump, que teve como um dos principais assessores políticos Steve Bannon, hoje bastante íntimo de seus filhos e já engajado na sua campanha para reeleição.
Provavelmente, se algum membro do clã bolsonarista for indagado sobre o que é comunismo não saberá argumentar minimamente acerca do assunto e reproduzirão chavões relacionados a temas morais, a China, a Venezuela ou ao Partido dos Trabalhadores (PT), sempre de forma tosca e pejorativa.
Historicamente o comunismo é uma corrente política e teórica vinculada às lutas da classe trabalhadora e que tem os alemães Karl Marx e Friedrich Engels como primeiros formuladores. Os textos “Os princípios do comunismo” de 1847 e “O manifesto do partido comunista” de 1848, sintetizam as teses centrais do movimento comunista:
1. O projeto de uma sociedade comunista tem como perspectiva a superação do modo de produção capitalista a partir das lutas dos trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo. Para isso, a organização de sindicatos, partidos políticos e movimentos populares pelas classes populares é um pressuposto para a construção das condições objetivas e subjetivas desse processo.
2. Comunismo e socialismo não são a mesma coisa. O segundo é uma fase de transição para o primeiro. No socialismo as classes subalternas se apoderam do Estado para iniciar um processo de socialização dos meios de produção, de democratização das riquezas materiais e simbólicas, de universalização dos direitos sociais e para reprimir as ações violentas da burguesia contra essas mudanças.
3. As contradições próprias de uma sociedade dividida em classes sociais seriam superadas numa sociedade comunista. As instituições estatais deveriam definhar e serem substituídas por novas formas de organização e planejamento coletivo; a exploração e a divisão social do trabalho superadas pelo trabalho livre e cooperado; as diversas formas de alienação solapadas pela liberdade de pensamento e criação; a propriedade privada subordinada aos interesses sociais e as relações entre as nações, determinadas historicamente pelo poder bélico, construídas sob os princípios da paz e autodeterminação dos povos.
As experiências históricas e contemporâneas de sistemas políticos, governos ou partidos orientados pela tradição comunista e socialista não representam a materialização ou o fracasso das hipóteses e objetivos elaborados pelo marxismo. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Cuba, China, Vietnã, Angola e tantos outros países que ao longo do século XX passaram por processos revolucionários são experiências permeadas por contradições, êxitos e desvios, que devem ser analisadas de forma rigorosa para não cairmos em simplismos e reducionismos que em nada ajudam para a compreensão da realidade.
Portanto, a própria experiência dos governos do PT ao longo de 14 anos nada tem a ver com a implementação do comunismo ou do socialismo no Brasil, como teimam Bolsonaro e seus seguidores. Essas críticas vazias, anacrônicas e lunáticas ao comunismo são, na verdade, uma cortina de fumaça para se rechaçar qualquer ideia referente a direitos universais, ao respeito a diversidade e a defesa da igualdade, garantias básicas de uma cidadania liberal. As forças que governam o Brasil hoje, assim como em 1964, não são apenas anticomunistas, mas, sobretudo, antipopulares, antidemocráticas e antinacionais, defensoras da barbárie, do atraso e de seus interesses privados.
O comunismo continua sendo uma alternativa histórica ao capitalismo ou não passa de uma utopia inalcançável? Como as organizações e movimentos que reivindicam o legado comunista podem exercer maior influência na sociedade? É possível pensarmos a curto, médio e longo prazo em caminhos para superação do poder e da sociabilidade do capital? As repostas para essas perguntas não são fáceis de serem dadas. Mas uma coisa é certa, se as alternativas que apontam para uma mudança de rumos da humanidade não tiverem êxito, nem adianta almejarmos o comunismo, o paraíso celestial ou a mera realização pessoal, a luta pela sobrevivência será nossa única preocupação.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Francisco Barbosa