Fortaleza, 01 de abril de 2022
Querida, hoje estou bem, já se passaram dois anos do início da pandemia da covid-19, me sinto um pouco aliviado. Ainda lembro como se fosse hoje, no ano novo de 2020 anunciaram um novo vírus na China, o mundo inteiro ficou desesperado, aqui no Brasil não foi diferente. Ainda não tinha nenhum caso no Brasil, mas o presidente foi à televisão e fez aquele anúncio esperado, disse que enfrentaríamos dias difíceis, pediu a união de todos e cancelou o carnaval. Fiquei triste, né? Já tinha comprado minhas passagens para passar os quatro dias em Olinda.
Eu fiquei em casa apreensivo. Todo mundo que chegava no Brasil passava por uma quarentena rigorosa de 14 dias, era testado várias vezes. Mesmo assim não teve jeito, o vírus se espalhou. Começou por São Paulo, a cidade inteira entrou em lockdown. Nunca tinha visto aquilo, as ruas ficaram desertas.
“Fique em casa”, dizia na TV e realmente as pessoas ficaram. O governo se juntou com a população, movimentos populares, igrejas, um monte de gente... e distribuiu alimento para todos. Toda semana tinha uma feira na minha porta. Ninguém pagou água e energia, o aluguel foi suspenso e as pessoas ainda receberam um auxílio emergencial. Eu tinha um aplicativo para dizer todo dia como eu estava e quando eu não respondia minha agente de saúde ligava para saber se eu estava bem. Os agentes de saúde pareciam um exército para acabar com o vírus.
Isso deu certo, sabe?! Os casos estacionaram e ficaram em poucos mil. Enquanto isso fortaleciam o SUS. Criaram uma fila única de leitos, não tinha mais isso de rico ou pobre, público ou privado, a fila era uma só se você ficasse doente, tudo gerido pelo SUS. Construíram hospitais de campanha, abriram UTIs, contrataram muita gente e treinaram todo mundo que ia trabalhar, mesmo onde a covid ainda não tinha chegado. Abriram editais bilionários para a ciência no país, tinha investimento para as universidades públicas pesquisarem e desenvolverem ventiladores, máscaras, testes e vacinas. Nunca vi tanta ciência fervendo junta.
Ainda assim a pandemia chegou em outras cidades. Logo o epicentro foi o Rio de Janeiro, depois veio Fortaleza e Recife e, gradativamente, muitas outras. Felizmente as cidades e a população já estavam preparadas. Criaram redes de apoio comunitários de cozinhas coletivas e fabricação de máscaras. Os militares foram convocados às ruas para ajudar na distribuição.
Todo dia passava na televisão como lavar as mãos, lembro bem da propaganda do Dráuzio Varella. Outra hora era o ministro da saúde ensinando a pôr a máscara. Eram muitos artistas, sabe? Umas músicas que grudavam na cabeça. Investiram pesado em comunicação e educação em saúde, chegavam até mensagens no whatsapp com dancinha do tiktok.
Quando só os agentes de saúde e as Estratégias de Saúde da Família não deram conta de monitorar a população, formaram agentes populares de saúde. Era a própria pessoa da comunidade que era capacitada para ajudar. Se você sentisse qualquer coisa como febre ou tosse, você já falava direto com eles, no mesmo dia iam te testar na sua casa. Não conto quantas vezes colocaram aquele cotonete no meu nariz, às vezes era porque minha vizinha estava suspeita ou porque alguém que eu passei perto tinha sido confirmado, eram várias e várias vezes. Se você fosse confirmado era isolamento na certa, com monitoramento de perto todos os dias. Piorou? Levavam para o hospital, tudo bem coordenado.
Aos poucos a gente começou a sair de casa de novo, um normal bem diferente. As máscaras ficaram obrigatórias, quer dizer, desde o começo já eram obrigatórias, mas lá pelo meio de 2020 todo mundo tinha que usar máscaras do tipo PFF2 que eram distribuías de graça, em todo mercado e esquina. Parou a paranoia de limpar coisa e álcool em gel. “O vírus se transmite no ar”, “abra as janelas”, dizia as placas na parada de ônibus. Tinha protocolo para tudo. Só abrir os sites dos governos: “Como receber pessoas em casa”, “Como sair para o mercado”, “Como ir viajar com segurança”.
A memória mais feliz que tenho é quando anunciaram que ia começar a vacinação no país, isso ainda no final de 2020, parecia que aquele pesadelo ia acabar. As universidades desenvolveram vacinas em parceria com as empresas nacionais e estrangeiras, o Brasil virou vitrine para o mundo da eficiência da vacinação. Nunca se vacinou tão rápido no mundo. Antes do ano acabar 100 milhões de pessoas já tinham tomado sua dose, antes do carnaval estava quase todo mundo imunizado.
O Brasil começou a exportar vacina, queriam vacinar o mundo todo antes da metade de 2021, foi uma cooperação global. Os países mais desenvolvidos custearam para os mais pobres, derrubaram todas as patentes. Foi incrível, sabe?! Chegou novembro de 2021 e a Organização Mundial da Saúde decretou o fim da pandemia, uma festa enorme. Eu era só alegria, finalmente a gente poderia respirar aliviado.
Hoje é a inauguração do memorial em homenagem às vítimas da covid-19 no Brasil. Decretaram luto oficial, apesar de todos os esforços morreram 10 mil pessoas, uma tragédia enorme. Cada nome será lembrado, imagino que poderia ser melhor, imagino que muita gente ainda poderia estar viva.
*Integrante da Rede de Médicos e Médicas Populares no Ceará
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Francisco Barbosa