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Artigo | 140 anos do Movimento dos Jangadeiros em Fortaleza

O ano 1881 em Fortaleza, iniciou com um movimento marcadamente rebelde e que transgredia a ordem social da época.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Neste ano de 2021 comemoramos 140 anos do movimento dos Jangadeiros em Fortaleza.
Neste ano de 2021 comemoramos 140 anos do movimento dos Jangadeiros em Fortaleza. - Paulo Pinto/ Fotos Públicas

Neste ano de 2021 comemoramos 140 anos do movimento dos Jangadeiros em Fortaleza. Esse movimento foi responsável pelo esgotamento do comércio de cativos entre províncias. Tal evento produziu os episódios que culminaram no processo de luta pelo fim da escravidão na província do Ceará. Como ocorreu?

O ano 1881 em Fortaleza, iniciou com um movimento marcadamente rebelde e que transgredia a ordem social da época. Esse acontecimento teve o protagonismo de homens e mulheres negras (muitos deles ex-escravizados) que naquele momento, encontraram a conjuntura perfeita para enfrentarem a elite econômica que lucrava bastante com o comércio de escravizados entre províncias. 

Tudo teve início nos dias 27, 30 e 31 de janeiro de 1881. Os Jangadeiros (em sua maioria negros) juntamente com alguns abolicionistas da Sociedade Perseverança e Porvir, se reuniram na praia do peixe (hoje praia de Iracema) e iniciaram uma ação na qual aqueles se recusaram a transportar, em suas jangadas, os cativos que deveriam ser levados ao navio que ficava distante, por causa dos bancos de areia. Estes homens negros e pobres que viviam da pesca, ao serem abordados pelos negreiros como de costume para levarem os cativos em suas jangadas, disseram não. E começaram a gritar: “No Ceará não se embarcam mais escravos!” Neste momento, inicia um movimento que paralisa o transporte de escravizados entre as províncias. Aqui, os negros jangadeiros afrontaram os principais comerciantes da capital da província do Ceará. 

Comerciantes de renome, a exemplo do Barão de Ibiapaba – Joaquim Cunha Freire, o francês Jacob Canh, Luiz Ribeiro da Cunha e tantos outros, que atuavam no ramo de imóveis, transportes de cargas da alfândega para as casas comerciais e etc, na busca de aumentarem seus rendimentos, entraram no negócio de compra e venda de escravizados. Estes, criaram toda uma estrutura que iria fazer o negócio funcionar, a exemplo de uma rede de comerciantes no Nordeste com representantes no Rio de Janeiro e São Paulo. 

Grande parte do processo de modernização de Fortaleza teve investimentos ligado a este comércio. A maioria dos negros comercializados eram enviados para província do Rio de Janeiro. Mas, a conjuntura até aquele momento favorável aos negreiros começou a mudar. 

Desde o momento que o tráfico interprovincial se tornou uma atividade predominante e intensa na segunda metade do séc. XIX, dinamizando o sistema escravista, após o fim do tráfico atlântico, que se vê com frequência muitas províncias comercializando seus cativos para a região sudeste, para suprir a necessidade de mão de obra nas fazendas de café. 

Importante ressaltar que a província cearense foi uma das grandes exportadoras de cativos para o Rio de Janeiro. No entanto, o processo de modernização da capital e a crescente presença de ideias liberais foi alterando de forma lenta o modo de pensar marcadamente colonial. 

Os cativos eram adquiridos geralmente no interior, comprados de pequenos e médios proprietários. Trazidos a pé para a capital e deixados em galpões no bairro   Jacarecanga. Dias depois eram levados até a praia do peixe (hoje praia de Iracema) onde esperavam a chegada dos barcos. 

Penso que os jangadeiros, a exemplo do liberto José Napoleão, não ficavam confortáveis com tais ações. Deviam conversar sobre este desconforto. Entretanto, não podiam enfrentar naquele momento a elite comercial do Ceará. Porém, essa situação mudou após a seca de 1877 a 1879. Some as mudanças que a cidade está passando, as ideias liberais e a calamidade da seca, com a cidade repleta de migrantes magros e famintos. Tudo isso, mais as caravanas de negros cativos que passavam de frente as casas, contribuíram para uma alteração no modo de pensar da população naquele momento. É nesse sentido que a conjuntura fica favorável ao movimento abolicionista. Os jangadeiros aproveitam o momento e o apoio daqueles jovens de classe média, brancos que “queriam o fim do escravismo” e se rebelam. 

Mas, o conflito entre os negros jangadeiros e os traficantes comerciantes não se limitou a janeiro. Em 30 de agosto de 1881, o sobrinho do Major Facundo resolve vir a Fortaleza para comprar e levar em sua viagem algumas escravizadas. 

Então sete meses depois daquele movimento, alguém tenta embarcar algumas cativas e desafiar os Jangadeiros e abolicionistas. Esse evento torna-se ímpar pelo fato do exército tomar partido, na pessoa do comandante da 10ª região (que era sobrinho do Duque de Caxias) e ficar a favor dos Jangadeiros e abolicionistas. E a Marinha dos negreiros comerciantes. Estes últimos, tinham ordem de bombardear a praia se ocorresse alguma confusão.

O dia chegou e o conflito ocorreu novamente na praia do peixe. Novamente o movimento sob a liderança negra do liberto José Napoleão, Preta Simoa, Dragão do Mar e tantos outros, conseguiram tirar as escravizadas do seu comprador. Elas foram entregues a preta Tia Esperança que as levou para casa e dali sumiu com as mesmas.

O engraçado é que a preta Tia Esperança morava do lado de dois grandes traficantes de escravizados: Luis Ribeiro da Cunha e a Viúva Salgado & irmãos. Penso que esse evento deveria ser lembrado e festejado como dia da resistência negra cearense.

*Mestre em História Social, conselheiro da Rede Nacional de Religiões Afrobrasileiro e Saúde – Renafro-Ce e membro do Instituto de Formação José Napoleão.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Francisco Barbosa