Ceará

Coluna

O fenômeno Vojvoda

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Um primeiro ponto a se considerar com a chegada de Vojvoda é a mudança de postura e confiança dos jogadores com a proposta de trabalho do treinador. - Foto: Leonardo Moreira/Fortaleza/EC
Assistir a um jogo do Fortaleza comandado por Vojvoda tem sido um programa prazeroso.

O técnico argentino, Juan Pablo Vojvoda Rizzo, de 46 anos de idade, comanda a equipe do Fortaleza aproximadamente há quatro meses, e vem se destacando no cenário do futebol brasileiro, mantendo o tricolor cearense na parte de cima da tabela do Brasileirão desde a primeira rodada, chegando às quartas de final da Copa do Brasil e conquistando o título estadual deste ano.

Encerrado o primeiro turno, o Leão do Pici já é considerado a sensação da temporada, alcançando a marca de melhor campanha de um clube nordestino na era de pontos corridos do campeonato brasileiro até agora, com 57,89% de aproveitamento em 19 jogos (9 vitórias, 6 empates e 4 derrotas), sendo ainda o único time invicto como mandante.

Mesmo com um dos orçamentos mais baixos da Série A, o Fortaleza tem demonstrado um futebol bastante qualificado e sólido, mesmo com a queda de rendimento observada nas últimas rodadas. Muito disso pode ser colocado, sem sombra de dúvidas, na conta do argentino que, sem desmerecer a qualidade do elenco e o esforço da diretoria, tem tirado leite de pedra do tricolor de aço.

Já discuti nessa coluna alguns limites estratégicos e de concepção que permeiam o futebol brasileiro e o bom desempenho que o clube da capital tem tido nos últimos anos, sobretudo nos tempos de Rogério Ceni. Porém, neste artigo, gostaria de destacar elementos táticos e exclusivamente futebolísticos que caracterizam o trabalho de Vojvoda e que o diferencia da média geral dos técnicos brasileiros na atualidade. 

Neste caso, é digno de nota o fato de que das vinte equipes que disputam a elite do futebol nacional, sete são comandadas por estrangeiros hoje, outro recorde que escancara a defasagem dos técnicos locais: Fortaleza (Vojvoda – Argentina); São Paulo (Hernán Crespo – Argentina); Palmeiras (Abel Ferreira – Portugal); Athletico Paranaense (António Oliveira – Portugal); Internacional (Diego Aguirre – Uruguai); Bahia (Diego Debove – Argentina) e Sport (Gustavo Florentín – Paraguai). Os dois últimos, inclusive, contratados sob forte influência da experiência positiva fortalezense. 

Um primeiro ponto a se considerar com a chegada de Vojvoda é a mudança de postura e confiança dos jogadores com a proposta de trabalho do treinador, que se dá pelo reconhecimento da capacidade intelectual e técnica do mesmo que, para além de um gestor ou animador de grupo, é um estudioso e formulador de esquemas de jogo que se adaptam de acordo com cada adversário e desafio a ser enfrentado, sem fórmulas fixas e chavões ultrapassados. Por isso, a rotatividade frequente de jogadores e escalações que muitas vezes surpreendem os comentaristas mais atentos e os torcedores mais apaixonados. Nessa perspectiva, predomina o coletivo ao individual, sendo a assimilação e a entrega com o que foi planejado mais importante do que as peças a serem escolhidas.

Destaca-se ainda a dedicação ao jogo sem a bola, ou seja, na ocupação dos espaços do campo, a pressão alta sobre o adversário e o comprometimento de todos com a marcação, independente da posição. O sistema de defesa com três zagueiros habilidosos o diferencia da lógica “retranqueira” que domina as cartilhas dos treinadores brasileiros, sempre fechados com linhas de 4 ou 5, preocupados muito mais em não perder do que vencer. Junto a essa escolha, a opção por volantes criadores e ofensivos que constroem com um sistema jogo propositivo e intenso.

Por fim, a busca permanente pela vitória. Em vários confrontos disputadíssimos, onde o empate seria considerado por muitos um bom resultado, como ocorreu, por exemplo, nos jogos com  Grêmio, Santos, Juventude e Palmeiras, o Fortaleza buscou a vitória até o último minuto. Contra os três primeiros, inclusive, perdeu pênaltis nos lances finais das disputas, deixando escapar 6 pontos e a liderança do campeonato num determinado momento. Contra o Verdão, num jogo épico, virou a partida (3x2) aos 49 dos segundo tempo, passando a ser notado pela imprensa esportiva do “eixo” como uma das equipes favoritas a uma vaga na Libertadores da América. Nunca ao título, mesmo ocupando a terceira colocação.

Assistir a um jogo do Fortaleza comandado por Vojvoda tem sido um programa prazeroso para toda a torcida e para os que gostam de futebol. É explícita a qualidade do treinador, desde as orientações do banco até as alterações táticas realizadas no decorrer das partidas, sempre em busca do gol. A continuidade desse ótimo trabalho no Fortaleza e as conquistas que o clube e seu técnico conseguirem realizar são importantes não apenas para o futebol cearense, mas para o conjunto do futebol brasileiro, pois pode provar que mesmo sem mecenas, grandes estrelas e relações espúrias com os donos do poder, é possível nos deliciarmos com um futebol bem jogado. 

A empolgação da torcida tricolor é importante neste momento, pero no mucho. Ainda há muita bola pra rolar no campeonato brasileiro, muitos times se reforçaram nessa virada de turno e surpresas podem alterar os rumos dos acontecimentos. No final da temporada retomamos esse tema para fazermos um balanço do fenômeno Vojvoda e da campanha do Leão. Hasta luego.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Francisco Barbosa