Ceará

Entrevista

“Violência policial é uma das responsáveis pelo aumento das mortes de jovens", diz pesquisadora

Maioria das vítimas são jovens negros com idades entre 18 e 29 anos.

Brasil de Fato | Juazeiro do Norte (CE) |
"O Anuário deixa muito evidente que o aumento da violência no estado do Ceará está intimamente ligado ao modelo de segurança pública que temos adotado." - Foto: Governo do Estado do Ceará

A mais recente edição do Anuário da Violência trouxe informações alarmantes sobre os índices de violência no Ceará. De acordo com o documento, em 2020, houve um aumento de 75,% na taxa de mortalidade intencional em relação ao ano de 2019. Com índices elevados, se encontram também as taxas de mortalidade de jovens no estado, sendo em sua maioria negros de 18 à 29 anos de idade. Esse avanço da violência também está diretamente ligado ao modelo de segurança pública adotado pelo estado. Isso é o que nos conta Ingrid Lorena, pesquisadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA), que conversou com o Brasil de Fato sobre os dados do anuário sobre a crescente mortalidade de jovens no território cearense.

Brasil de Fato – Quais são os fatores que levam o Ceará a ter altos índices de jovens mortos vítimas de violência intencional?

Ingrid Lorena – O Anuário deixa muito evidente que o aumento da violência no estado do Ceará está intimamente ligado ao modelo de segurança pública que temos adotado. Quando falamos em crianças e adolescentes, por exemplo, um dos dados mais alarmantes é que a gente tem mais de 44% das mortes letais, segundo o anuário, causado por violência policial. Quando olhamos o perfil, está a idade de 18 à 24 anos do sexo masculino e jovens negros. Aí já temos um perfil de perdas de vidas, falando sobre a juventude negra, e isso fala muito sobre o nosso modelo de segurança pública, que tem muito investimento em segurança pública, em armamento e policiamento ostensivo, o que não funciona. 

Brasil de Fato – Como o investimento em segurança pública neste modelo armamentista interfere na vida da juventude periférica aqui no estado?

O momento em que há um maior investimento em segurança pública existe uma diminuição no investimento em políticas de proteção social. Então a gente tem aqui no Ceará uma redução de investimento em política de assistência social. Os CRAS e os CREAS estão funcionando em extrema vulnerabilidade, inclusive a contratação de pessoal para atuar nessas áreas, e isso vai afetar diretamente nos jovens mais vulneráveis, principalmente. Ora, se eu não tenho uma política de proteção suficiente para atender e para lidar com as desigualdades sociais e vulnerabilidades, essas crianças e esses adolescentes vão estar inevitavelmente mais expostos às situações de violência.

Brasil de Fato – E quais os efeitos sociais que esse sistema de segurança pública pode causar nas juventudes?
 
O alto número de mortes entre a população jovem já é um grande indicativo. Quando nos debruçamos nos dados do anuário, é possível ver que 85% dos adolescentes que são assassinados têm entre 15 e 25 anos de idade, sendo que o principal instrumento usado nesses crimes é a arma de fogo. É preciso repensar o modelo de segurança pública, pois pensar essa pasta pelo viés do armamento e da ampliação do corpo de policiais não traz a redução de homicídios e sim intensifica isso. Quem está morrendo são os jovens que têm uma idade específica, um bairro específico e uma cor específica, isso só expõem como o racismo estrutural presente na nossa sociedade. 

Edição: Francisco Barbosa