Ceará

Entrevista

“A maior conquista que eu quero é a Mãe Terra”, afirma Cacique Pequena

No Dia Internacional dos Povos Indígenas, Brasil de Fato conversou com a Cacique Pequena sobre música, luta e conquista

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Em 1995 eu tive a graça de receber a missão do empoderamento de ser uma cacique mulher. - Foto: Governo do Estado do Ceará

Este ano, dois cearenses estão entre os 15 artistas contemplados na 8ª edição do Prêmio Grão de Música. São eles: Abidoral Jamacaru, natural do Crato e a cantora e líder indígena do povo Jenipapo-Kanindé, Maria de Lourdes da Conceição Alves, mais conhecida como Cacique Pequena. Uma das primeiras caciques mulheres do país, ela lançõu seu primeiro CD em 2013, intitulado “Beleza da Vida”, o que lhe rendeu a indicação deste ano. Essa é a primeira vez, desde a sua criação, que o Prêmio Grão de Música conta com a participação de indígenas.Cacique Pequena afirma que não estava sabendo dessa premiação e que ficou feliz com a indicação.

No Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado hoje (9), Cacique Pequena conversou com o Brasil de Fato sobre sua história com a música, as lutas e conquistas indígenas e os desafios diante do governo Bolsonaro. Confira.

Brasil de Fato – Gostaria que você falasse sobre ser uma das vencedoras do Prêmio Grão de Música.

Cacique Pequena – Essa história desse prêmio nem eu tava por dentro disso. Quando eles fizeram todo o processo do prêmio, disseram que a minha música “coco xaxado”, estava "bombando” em São Paulo, e aí então foi que eles me disseram que eu tinha sido uma das pessoas que estava fazendo parte desse projeto e tinha sido premiada. Eu e outra pessoa do Ceará. Sou muito grata a Deus. Gratidão por ter sido essa pessoa elogiada e premiada. Depois eles tornaram a falar comigo dizendo que esse prêmio ia sair no dia 23 de novembro. Então era pra se juntar os 15 artistas que tinham sido premiados para receber o prêmio, mas por causa desse problema da covid-19, a gente não poder ir para São Paulo. Eu ainda estou na minha… Depois que eu comecei a fazer música, a cantar, depois que o CD que fiz foi lançado no anfiteatro do Dragão do Mar, eu não tenho mais com o que me surpreender.

Em 2013 você lançou o CD “Beleza da Vida”. Fale um pouco sobre a história desse trabalho.

Eu já tinha estudado há uns dez anos as músicas, os cantos, que eu chamo canto da natureza, porque eu fui inspirada na mata, por Deus, pelo pai Tupã, pelas encatarias dentro da mata. As músicas foram inspiradas por essas pessoas. Então um belo dia eu estava aqui quando chegou um amigo muito íntimo da aldeia. Nós conversamos e eu comecei a cantar a música “Eu moro numa floresta”, que foi a primeira música que eu estudei na mente. Ele achou a música linda e perguntou se era minha, eu disse que sim. Aí comecei a cantar as outras músicas que também tinha na mente. Então ele disse que essas músicas não poderiam ficar “perdidas”. Ele disse que ia arrumar uma gravadora para gravar um CD. Uma semana depois ele chegou dizendo que tinha conseguido. A gente passou uma semana gravando. Quando já tava tudo pronto nós lançamos o CD no anfiteatro do Dragão do Mar. Esse foi o primeiro show que eu fiz. Agora, a moça do prêmio tá perguntando se eu não vou gravar um segundo disco. Deus é quem vai me dar força e sabedora, se ele me der, quem sabe eu não grave uma três ou quatro músicas, né?

Depois do Dragão do Mar, eu fui em três comunidades fazendo shows e fiz mais um em Viçosa, aqui no Ceará. Foi meu último show. Foi um encontro dos mestres da cultura, aí parei. Foi logo em um período que eu tive uma crise muito forte de doença.

Você é uma das primeiras caciques mulheres do país. O que isso representa para a luta indígena e, principalmente, para as mulheres indígenas?

Em 1995 eu tive a graça de receber a missão do empoderamento de ser uma cacique mulher, a partir de então comecei a viajar. Ainda em 1995 eu fui para Brasília, lá foi descriminada por indígenas do norte e do sul porque não podia uma mulher entrar em um trabalho de um homem. Eu, disse “Eu também não tenho culpa se o povo me fizeram cacique para cuidar do meu povo”. Em 1997, nosso povo e nossa terra foram reconhecidos. Em 1999 recebi a notícia que nossa terra tinha sido delimitada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, aí quando foi em 2000 começou a entrar benefícios. Entrou primeiro uma casa de farinha, ainda em 1999,  pela Caritas, aí começaram a entrar os outros benefícios, as conquistas: energia, água, educação, saúde, quando foi em 2005 foi feito o posto de saúde. Começou a entrar as conquistas, sempre lutando pela Mãe Terra. A maior conquista que eu quero é a Mãe Terra. Ainda falta alguns processos. Na gestão do Lula ela foi reconhecida oficialmente, essa terra aqui, o Recanto do Morro do Urubu, no Lagoa Encantada, Aquiráz , no Ceará foi reconhecida oficialmente pelo governo Lula, e em 2011, no governo Dilma ela foi demarcada.

Eu ser considerada uma das primeiras caciques mulheres do Brasil é um fortalecimento para as mulheres indígenas de hoje. É muito importante elas não abandonarem a luta, ser uma pessoa forte. Nós por si só somos fortes.

O presidente Jair Bolsonaro já fez vários discursos de ódio contra a população indígena. Quais os desafios das lutas/pautas indígenas diante esse governo?

São muitos os desafios, porque para os povos indígenas ele não faz um bom governo. Tá muito longe dele saber lutar com os povos indígenas, porque ele quer fazer coisas que nós, os povos indígenas, não aceitamos, principalmente desmatamento de terra, desmatamento de mata, tirando as madeiras, essas coisas não são certas para nós, porque o índio é a própria natureza. O indígena vive da natureza, vive da mãe terra. Se perder a mãe terra ele morre, porque a nossa vida é a natureza. Alguns indígenas daqui estão indo para Brasília este mês. De 21 a 28 vai ter um grupo do Ceará e de todo o Brasil lá em Brasília para quê? Para fazer uma manifestação contra ele, porque ele não tá sendo um bom presidente para o povo, principalmente para o povo indígena. Estão tirando todos os nossos direitos.

Edição: Monyse Ravena