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Educação

Artigo | A urgência de uma educação antirracista

Nascemos num país que sustentou um sistema escravocrata por 300 anos.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
O racismo é nocivo e violento, ainda que sutil. - Foto: Agência Senado

Nessa escrita, quero refletir sobre a construção de trabalhos educativos com cunho antirracista. O próprio significado da palavra antirracista revela o movimento contrário ao racismo. Sendo assim, nos ocuparemos de trazer algumas provocações nesse sentido. 

A primeira delas, surge da mulher negra e ativista de direito das mulheres e contra a discriminação social e racial nos Estados Unidos, Ângela Davis. Quando refletiu a situação da mulher não desvinculada de raça, classe e gênero, provocou a necessidade de ter uma postura antirracista, não sendo suficiente se autodenominar como não racistas. Um dos pensamentos mais difundidos da filósofa, Ângela Davis é: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista.” E esse pensamento foi muito divulgado por militantes, intelectuais e artistas com bastante influência nacional, colocando na pauta esse assunto. No Brasil, quem nos ensina sobre essa relação imbricada de gênero, raça e classe é a grande filósofa e intelectual, Lélia Gonzalez que, como mulher negra, vivenciou as experiências do racismo e tentou transgredir esse lugar com luta e mobilização social, da mesma forma que na região do Cariri cearense, podemos conviver com muitas mulheres assim. A exemplo temos as gêmeas e fundadoras do Grunec – Grupo de Valorização Negra do ariri, Verônica Carvalho e Valeria Carvalho, que a mais de vinte anos resistem a todas as formas de opressão à população negra.

O segundo pensamento vem através do encontro com um dos livros mais vendidos no ano de 2019. Trata-se do livro Pequeno Manual Antirracista, da filosofa brasileira, Djamila Ribeiro. A autora aponta reflexões sobre o racismo, principalmente como uma questão estrutural, trazendo muitas referências a respeito e colocando essa discussão, não no âmbito moral ou individual, mas no lugar de um problema estrutural da sociedade. Ou seja, nascemos num país que sustentou um sistema escravocrata por 300 anos e que mesmo depois de uma abolição de conveniência, não deu condição do negro brasileiro construir sua vida com dignidade. 

O terceiro pensamento que desejo levantar nessa conversa é a respeito da educação antirracista. Parte da implementação da Lei 10.639/03 é o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana e, em seguida, a implementação da Lei 11.465/08, que torna obrigatório o estudo dos povos indígenas nas escolas. Mesmo considerando a relevância, sabemos que ambas as leis não são suficientes para reparação histórica que esses povos vivenciaram. Dentro das políticas afirmativas elas são sim políticas compensatórias a todo histórico de agressão, violência e injustiça com a cultura negra e indígena. Mas quando nos propomos a construção de uma educação antirracista sabemos que a urgência é bem maior e mais complicada, enfrentando muita resistência para suas implementações.

O racismo é nocivo e violento, ainda que sutil. Você pode se perguntar: mas por que temos que falar tanto sobre esse assunto? A resposta é simples. Quando pensarmos que a maior parte da população brasileira é negra e indígena, mas não está representada nas telenovelas e filmes, ou sempre em participações inexpressivas e estereotipadas. Ou quando observamos que, mesmo sendo a maior parte dos brasileiros, não está sentada nos espaços de poder. Um dos primeiros questionamentos que deveríamos fazer é: onde estão as pessoas pretas e indígenas nos espaços de poder, de tomada de decisão ou ocupando funções de trabalho que interferem na estrutura social? Onde estão as mulheres negras? Não existimos? Não somos competentes o suficiente? Sim existimos e somos competentes, o grande problema está no olhar que colocam sobre nós e sobre nossos corpos pretos. Sempre associando ao lugar do perigo, menosprezo e inferioridade. A insistência em objetificarem nossos corpos continua crescendo. E só vai mudar quando nossas atitudes passarem a ser engajadas na luta antirracista. Por isso a urgência. Vocês já pensaram quantos candidatos pretos são eleitos a cada pleito? E quais deles carregam a pauta da luta antirracista? É sobre tencionar esses lugares que vamos construir e colaborar com a educação antirracista. 

Vamos pensar que tipo de luta antirracista estamos construindo? Quantas pessoas pretas na escola de vocês, ou no ambiente de trabalho, estão ocupando cargos de gestão? Quantas vezes paramos para ouvir e legitimar intelectuais que defendem as pautas indígenas nos nossos ambientes de trabalho ou lazer? Ou quantas pessoas pretas trabalham nos cargos de serviços gerais? Esses questionamentos é o divisor de águas no que se trata de privilégios da branquitude. 

Quero, nesse bloco final, apontar a respeito do pensamento de uma autora que me inspira muito e que torna o meu caminhar nessa busca de uma educação antirracista lucido e possível. A professora e feminista negra, Bell Hooks é autora de vários livros teóricos de literatura feminista e que relaciona sua escrita a pontos relacionados ao pensamento de Paulo Freire. Na obra “Ensinando a Transgredir – a educação como prática da liberdade”, a autora provoca o leitor a, analisando sua prática, perceber em que pontos nós, enquanto educadores podemos tornar nosso dia a dia na sala de aula menos racista. E mesmo não usando a palavra aqui citada por mim durante todo o texto ela se propõem a construir com suas referências e nas suas atitudes uma educação antirracista. A professora discute ações que, no seu contexto, ensinam a transgredir, transgredir o olhar racista que temos sobre nós e sobre os outros. Transgredir uma postura autoritária e violenta por uma postura afetuosa. Transgredir desse olhar colonizador que insiste em nos encontrar. Pontos como abraçar a educação como prática da liberdade é o caminho possível para atingirmos essa educação antirracista que estamos propondo aqui. 

No meu contexto, vivendo como uma mulher negra, artista e educadora popular, posso dizer a vocês que ensinar e, principalmente, aprender a transgredir é uma tarefa apetitosa e que me estimula a pensar quem sou eu no mundo, e em que eu posso contribuir para ver uma sociedade livre de todas as opressões, principalmente a violência que é o racismo.

*Educadora e presidenta do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec)

Edição: Francisco Barbosa