Muito se escreve, se fala, se proclama sobre o fim do jornalismo e dos jornalistas. Ora, ora, devagar com o andor. No século passado foram muitas às crises que afetaram jornalistas e jornalismo no Brasil desde a criação da profissão, por decreto no início dos anos 40, pelo presidente Getúlio Vargas.
A crise não atinge apenas a profissão do Jornalismo, mas sim, muitas outras profissões. A tecnologia sempre mudou o homem e suas práticas de vida, mas nada mais forte que a tradição e ela se mantém na principal linha da evolução humana, numa longa ponte que liga passado, presente e futuro.
Quando falo em tradição – palavra demonizada pelos pós-modernos nestes tempos de tantos algoritmos, likes e big techs – penso em cultura, ética, costumes, hábitos, memória (individual e coletiva), rituais, costumes. Tudo é criação do homem e nem tudo que é sólido se desmancha no ar.
O jornalismo como negócio – produção, circulação, consumo – já não existe mais. Os primeiros sinais de que algo estava errado começou ainda na década de 1990. A partir de 2010 a instabilidade chegou com mais força às redações – demissões, perdas de receitas publicitárias, redações integradas (muito bate-cabeça) e, infelizmente, perda de leitores a cada ano.
Ainda nos anos 90, o impresso tentou competir com a Internet. Época de múltiplas e ineficientes reformas gráficas puxadas, inicialmente, pela Folha de S. Paulo, se estendendo por todo o País. Era preciso navegar melhor pelas páginas impressas. Muitos dos jornais – Brasil afora – se descaracterizaram tanto que perderam a identidade.
Alia-se a esse quadro um jornalismo frágil do ponto de vista do texto e, principalmente, da apuração, aliado a uma cobertura acrítica. Parece que os donos do poder no Ceará são intocáveis. O diálogo com o governador, secretários e prefeito se dá, na maior parte das vezes, por meio das redes sociais – lives, facebook, twitter e instagram. Os jornais repercutem essas ‘falas’ sem muitos questionamentos.
Esse é, a meu ver, o primeiro grau da crise conjuntural da imprensa, não só a cearense, mas a do País. O segundo seria o Jornalismo como negócio; o impresso e online ainda buscam maior espaço para se firmar neste novo ambiente. O terceiro relaciona-se às redes sociais - esfinge ainda a ser decifrada, “um banco de cólera”, a soma de todos os ódios, incertezas, complôs, conspirações, fake News. Fenômeno que pode por fim, segundo alguns cientistas políticos, a própria democracia.
O livro “Os Engenheiros do Caos”, de Giuliano da Empoli, expõe esse novo teatro do absurdo que estamos vivenciando, quando algoritmos colocam em cheque democracias, demonizam jornais e jornalistas, a política tradicional, por meio da manipulação, do narcisismo e dos medos das massas, especialmente em épocas de eleições, em benefícios de políticos populistas e extremistas.
Entre os exemplos citados no livro, entre tantos outros, destaca-se a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, quando comunicadores a serviço do candidato brasileiro compraram milhares de números de telefones para bombardear os eleitores com mensagens e fake News via watssApp.
O jornalismo no Brasil sempre viveu em meio a embates, crises, censuras. Foram duas Ditaduras no Século XX – a do Estado Novo e a Militar – quando jornais e jornalistas exerceram fundamental papel para a restauração da Democracia. Em meio ao caos de hoje, caos político e sanitário, o Jornalismo profissional cumpre importante papel.
O jornal e jornalistas sempre foram sujeitos em processo contínuo de diálogos com outros sujeitos (o leitor) numa relação de intersubjetividade e alteridade com diversas possibilidades interpretativas, seja no campo do jornalismo informativo, seja no campo do opinativo. O pacto com o leitor – tão estudado por Miguel Alsina em A Construção da Notícia – é a principal bússola entre jornais, jornalistas e leitor. Isso desde o Século XIX.
Os jornalistas são operadores de linguagem e seguem uma técnica e uma ética – principais pilares da profissão. Trabalham com diversos tempos sociais, diversos tipos de memória, na reconstrução do presente, sempre fugaz, expressando por meio da busca correta de informações (verificação, verificação, verificação) a história do presente, permeada por grandezas ou tragédias humanas.
Como tantas outras profissões, a do Jornalismo é repleta de paradoxos, omissões, manipulações, desde a sua origem. O jornalismo dialoga com outras instituições – com as famílias e as igrejas, por exemplo, duas esferas que nunca foram símbolo de perfeição.
Dialoga também com os poderes – Legislativo, Judiciário e Executivo – que neste país de “muitas saúvas e pouca saúde” – tanto mal fizeram ao nosso povo com duas Ditaduras (a do Estado Novo e a Militar, no Século XX) e ainda uma democracia ainda capenga. Isso sem falar, que o Jornalismo é também poder, lembrando que a sua esfera de poder só se consolida com a presença de leitores e o imperativo democrático
Nessa difícil conjuntura, o Jornalismo vem se reinventando em busca do bem comum e público. Implicado numa extensa rede de conhecimentos das ciências humanas, tem como principal essência orientar o homem em meio ao caos do passado, do presente e do futuro. O Jornalismo não morre.
*José Anderson Sandes é professor de jornalismo da Universidade Federal do Cariri
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Monyse Ravena